O último Beijo escrita por andy_1993


Capítulo 3
Vida Nova - Parte 3


Notas iniciais do capítulo

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Não tinha a certeza se era o mesmo lugar de antes. As árvores não estavam lá, nem o balanço, á lua, apenas a visão da escuridão ao meu caminho. Eu estava sem nenhum sinal. Se pelo menos alguma coisa... Uma simples coisa concreta aparecesse...

No mesmo instante olhei para minha frente e uma linha pequena e fina de luz formava um caminho. A fina linha não era reta, era como se eu tivesse caído em um buraco fundo e a fina linha cheia de curvas e defeitos fosse às pedras da superfície. Levantei o rosto, mas não tinha nenhuma brecha de onde aquele pedaço de claridade viria. Caminhei em sua direção, sem saber para onde ela me levaria.

Por que eu voltaria pra escuridão? Por que escuridão? – Era o que eu me perguntava. Que sentindo teria isso...

Por uma fração de segundos temi que ela me levasse aquele par de olhos vermelhos, me lembrei como eles pareciam tão frios e tão cheios de dor. Lembrar disso apenas também fez surgir um interesse e curiosidade que não pude conter. Durante longo tempo continuei a caminhar, tentei acelerar o passo, foi então que avistei alguma coisa ou talvez alguém. Estava muito longe pra eu conseguir identificar.

Sim, era uma pessoa, uma mulher, bastante familiar, loira de longos cabelos caídos até o meio de suas costas, era bastante branca, de longe dava a impressão que sua pele era de porcelana, seu batom vermelho rubi cobria todo o lábio. Era mais alta que eu, estava com um vestido bonito, curto de cor preta, colado em seu corpo perfeito. A cada vez que me aproximava, ela se afastava. Parecia apavorada, me olhava como se eu fosse algum tipo de mostro que desejava matá-la. Eu sabia que era feia, mas não pra tanto...

“Quem é você?” – Perguntei. Mas nenhum som se ouviu.

Suspirei fundo. A mesma coisa que da outra vez.

Conseguindo me aproximar mais dela, vi que realmente a reconhecia.

“Vivian? O que você está fazendo aqui?” – Voltei a perguntar, mas nenhum som saia da minha boca.

Isso só serviu pra me incomodar ainda mais.

Sua expressão havia mudado, agora era para o extremo horror, ela começou a correr. Corri atrás dela, tentando acompanhá-la, me perguntando o que estava acontecendo. Sabia que não adiantaria nada gritar, porque eu literalmente tinha me tornado uma muda. Ela corria desesperada, como se estivesse fugindo de alguma coisa, que no caso era eu, mas não conseguia entender. Eu a vi caindo no chão, com os pés descalços cheios de cortes ensangüentados, seu vestido preto tinha se rasgado na sua cintura, onde tinha um corte mais profundo. Onde poderia ter feito esses cortes se não tinha nada ali que a pudesse corta? – Me perguntei atordoada com a cena que estava vendo.

A alcancei estava chorando, machucada, foi à pior coisa que podia ter visto, estava tão perdida... Porque ela estava fugindo amedrontada e ferida?

EU QUERO RESPOSTAS – Gritei dentro de mim.

Quando voltei a olhá-la a escuridão a tomou conta. Ela havia sumido, olhei para os lados, andei não sei quanto tempo a sua procura, chamava seu nome – tentei – mas nenhum sinal.

Fiquei vagando pelo nada pelo o que parecia longas horas até ver alguém novamente, o que eu não esperava vê tão cedo depois de Vivian, estava no chão, era Vivian, fiquei com medo de me aproximar e ela sumir de novo, por isso fui devagar dando passos lentos. Cheguei ao lado dela, pude ver que ainda estava machucada agachei ao seu lado, sua boca estava com uma gota de sangue escorrendo pelo canto, toquei sua pele e tomei um susto, estava muito fria, coloquei meu ouvido em seu peito, seu coração estava em silencio, estava... Morta.

- ANNE! – Gritou.

Acordei assustada, suspirando forte, sentindo meu batimento na garganta como se meu coração fosse pular pela minha boca, havia fios de cabelo grudados na minha testa e no meu pescoço, os afastei e pude sentir meu suor frio.

- Anne! – Chamou Sophie, que estava ao meu lado, atrás dela Will estava em pé, com um olhar curioso, mas ao mesmo tempo preocupado. – Anne, você ta me escutando?

- Acho que devíamos levá-la pra um hospital – Sugeriu meu primo.

- Não, eu estou bem! Mas que diabo... O que aconteceu?

- Você que devia nos explicar...

- Estava que nem louca aqui gritando. – Interrompeu Sophie, não o deixando terminar a frase. – Chamando uma tal de “Vivian”.

Fez-se um silêncio.

- Anne, quem é Vivian? – Perguntou.

- Não faço a mínima idéia. – Menti. – Era apenas um pesadelo idiota, não precisam se preocupar.

Os dois se entre olharam por alguns minutos, e deram ombros, meu primo se foi sem questionar mais nada, mas Sophie ainda chegou a insistir que tinha alguma coisa acontecendo que eu não queria que ninguém soubesse.

Não havia nada acontecendo, se tivesse claro que contaria pra ela, o que afinal eu não contava? Era certamente um sonho, ou melhor, “pesadelo” idiota que deu pra me atormentar um pouco. Pesadelos diferentes que não tinha nada haver um com o outro, não se encaixava e tinha a pura certeza que não voltariam mais.

Primeiro dia, nova escola, novos rostos que eu devia me acostumar, nova vida... Era isso que eu teria que enfrentar daqui em diante. Não sabia ao certo se estava mesmo pronta pra encarar a escola, pensei em inventar qualquer desculpar para não aparecer, com tudo, minha mãe sempre desconfiada – especialmente em relação a mim – não conseguiria a convencer, saberia sem duvidas meu plano. Ainda me questionava o que eu teria feito de tão grave para não receber sua confiança, ou talvez também não chegasse a ser isso... Esse assunto só servia para me irritar ainda mais. Não era justo.

Como a escola era perto da casa de Silvia, a dois quarteirões, íamos andando. Sophie e Will já estavam lá fora impacientes esperando por mim. Por conta do meu sonho ou pesadelo, tanto faz, era difícil distinguir o suspense e o mistério que me agradavam da morte de Vivian que no caso teriam me deixado ligeiramente assustada e com um pavor o qual eu não conseguia descrever, tudo acabou me atrasando completamente para o meu primeiro dia. Peguei a primeira roupa que vi pela frente, – que no caso era uma blusa sem mangas branca e uma calça jeans velha, meu tênis all star, o mais velho que tenho, mas o único que acho confortável, ele tinha um buraco enorme dentro dele, mas que ninguém conseguiria perceber a menos que o calçasse – sai correndo vendo se ia conseguir alcançá-los, já que a paciência dos dois havia se esgotado há 15 minutos depois, por isso tive que sair sem tomar café, às pressas, o tempo também não estava ao meu favor, estava cinzento, como se fosse chover.

As aulas já haviam começado há uma semana. Enquanto Sophie ia para o ultimo ano do ensino médio, eu ainda estava no segundo. Eu e Will ficaríamos na mesma sala, era pra ele estar no ultimo ano com Sophie, mas acabou perdendo o ano devido ao fato dos problemas entre a mãe e o pai. O conflito e o sofrimento acabaram durando mais que o esperado, minha tia perdida não conseguia se manter forte. Pelo menos, alguém conhecido eu teria por perto.

A escola era extremamente grande, maior que minha antiga em São Paulo, pelo o que Will havia contado no caminho, – eu consegui alcançá-los depois de abusar das minhas pernas – ela teria no máximo cinco andares, o nosso era o 2° enquanto o de Sophie era o de cima, Will conhecia de tudo naquela escola, pois estudava lá desde pequeno, por isso se ofereceu para acompanhar Sophie até sua sala, pelo o que comentou o andar a cima do nosso era um labirinto.

A porteira que estava lá a me ver apenas me olhou desconfiada, sem ao menos olhar para ela, passei direto, percebi que ia chamar minha atenção para alguma coisa, pra naturalmente me apreender por não ir com minha cara, acabou se distraindo com o garoto atrás de mim usando um boné da Nike preto, suspirei fundo, e soltei o ar devagar, de pleno alivio. Pelas as instruções que Will tinha me passado, eu teria que achar uma placa com o nome de “Secretaria”, ao lado dela encontraria uma porta branca que me levaria diretamente a uma moça de cabelos curtos negros, que se chamasse Nicolle, ela teria as copias dos horários, e me daria documentos que eu teria que assinar. É não parecia uma missão tão difícil assim, eu conseguia fazer isso.

Mordisquei minha gengiva, procurando, nervosa e ao mesmo tempo agitada pela placa, pelas tantas salas que passei, nenhuma era a da descrição. Quando meu relógio marcou 07h30min em ponto o alarme tocou, tive que botar as mãos em meus ouvidos que pareciam que iam explodir de tão alto que aquilo gritava.

Todos que me rondavam, agora se dirigindo a suas devidas salas. Ignorei meus tímpanos que pareciam doloridos, fazendo um estranho zumbido e continuei a dar voltas, e mais voltas por aqueles corredores. Distraída, olhando apenas para cima, procurando a tal placa mal percebi que já estava tudo deserto, depois de algum tempo foi que olhei ao meu redor, estava sozinha no meio de tantas salas cor de prata, pensei em entrar em alguma delas para perguntar, mas percebi que estava sem coragem o suficiente para fazer tal coisa. Sozinha naquele colégio enorme com corredores que não pareciam ter fim era o que estava me deixando mais perdida, comecei estalar os próprios dedos, um por um, causando leves sons de estalos. Tão distraída foi que pressenti que alguém me seguia, olhava discretamente para trás, mas nem sinal de algum ser humano. Comecei a acelerar o passo só por precaução, mas aquela sensação só fazia se expandir no meu pensamento, já estava correndo quando dobrei a direita e acabei trombando com uma pessoa. Papeis voaram pelo ar, se espalhando por todo o chão.

- Me desculpe, eu estava distraída... – Disse envergonhada juntando os papeis.

- Ah, tudo bem, isso acontece eu também não estava olhando para frente – Disse uma voz fina e reconfortante.

Quando levantei o olhar vi uma moça de cabelos bem curtos pretos. Usando um terno bonito azul-marinho, o terno era um pouco grande para ela que tinha uma pequena cintura, era muito magra e sua pele tinha um tom amarelado, seus sapatos eram do mais fino salto, me imaginei com eles e cheguei a conclusão que eu não sobreviveria àqueles alfinetes tão traiçoeiros nem um dia se quer só se eu quisesse realmente arrumar uma desculpa pra não vir pra aula, poderia usar eles pra torcer meus tornozelo, mas meu desespero devia ser pelo menos de alto nível a chegar a esse ponto.

Não obrigada, eu estou muito feliz andando e saltitando por ai. Fazendo bom proveito dos meus tornozelos.

Entreguei os papeis.

- Obrigada. – Agradeceu por fim.

- Você é a Nicolle? – Consegui lembrar a descrição.

- Sim, você é...? – Ajeitava os papeis em sua mão com todo o cuidado, a cada papel que parecia amassado, ela passava a mão com a esperança de consertá-lo.

- Anne. A aluna nova... Disseram-me que eu tinha que ir a secretaria para assinar uns documentos e pegar meu horário.

- Ah, sim, ligamos para sua mãe. Você não tinha aparecido, pensamos que já estava matando aula, logo no seu primeiro dia, jovens... – Suspirou como se todo aquele tempo estivesse prendendo a respiração – Eu entendo.

Não que eu não tenha pensado nessa hipótese.

- Eu acabei me perdendo, tive a impressão que alguém estava me seguindo.

Ela deu uma olhada atrás de mim com estranheza, procurando se havia mesmo esse alguém.

Nada.

Depois do “estou sendo perseguida!!” a mulher magra passou a me olhar como se eu fosse alguma louca que devia sair da frente dela e ir para um hospício.

Finalmente, entrei na sala que eu tanto procurava, Nicolle sentou-se com tamanha elegância atrás de um enorme balcão começou a expor vários papeis, os tais documentos que eu teria que assinar, e junto com eles meu horário. Com toda aquela confusão, o que acabei ganhando foi um castigo, teria que escrever um relatório sobre um assunto que eu devia perguntar ao meu novo professor de história.

Minha próxima aula naquele exato momento seria de biologia na sala à frente, pelo menos dessa vez não haveria como eu me perder só se o corredor me tele transportasse para outro lugar já que eu era a psicopata que achava que estava sendo perseguida por criaturas pequenas quase invisíveis. Quando entrei na sala, o professor já estava sentado a sua mesa, enquanto os alunos se mantiveram em um silêncio absoluto.

- Sim? – Perguntou ele me fuzilando com os olhos da cabeça aos pés.

- E... Eu sou a aluna nova. – Gaguejei.

Odiava estar na frente de tantas pessoas como estava ali, sendo a atenção de vários olhares curiosos.

- Por favor, não se acanhe, apenas... Escolha uma cadeira e se junte a nós.

Ouvia seu riso baixinho. Provavelmente estaria rindo da minha expressão já que sentia meu rosto corar ou era apenas um professor... “gentil” que se animava e ria de tudo.

Ouvi alguns dos alunos rirem bem baixinho, para que o professor não pudesse ouvir. Ele que lia o seu livro, levantou o olhar e de repente todos voltaram a ficar quietos.

Olhei por toda a sala discretamente, então encontrei Will sentado no canto da sala entre meninos bronzeados e incrivelmente bonitos, ele apontou com os olhos a única cadeira vaga que havia naquela sala, na frente dela, sentava uma menina morena de olhos puxados, parecia japonesa, de óculos grandes, de cabelos negros e hiper lisos desfiados nas pontas até o meio de seu pescoço, com uma blusa verde bem chamativa e uma calça preta apertada que mostrava sua magreza.

Depois de me organizar naquela minúscula cadeira, a menina japonesa a minha frente virou de frente para mim, me analisou com aqueles olhos castanhos atrás das grandes lentes de seus óculos, seus lábios finos se mantiveram fechados, apenas me olhou e voltou sua atenção para o trabalho que estava fazendo.

– Bom começo até agora – Pensei.

Depois de três aulas completamente desinteressantes, finalmente o intervalo. Talvez eu tivesse uma memória fotográfica, como alguns diziam, mas era muito fácil lembrar as coisas, até mesmo quando eu não sentia nenhum interesse. Nós tínhamos 40 minutos livres, mais do que eu teria no meu antigo colégio. Se quiséssemos poderíamos até sair dali, não que isso me animasse muito, mas um tempo para eu trocar umas idéias com Will seria ótimo, isso se ele não estivesse tão ocupado como ele estava com aqueles garotos metidos a bonitões, os via de longe sempre remexendo no topete, ou passando a mão na barriga, provavelmente pra sentir como ela estava em forma. Minha irmã, que mal havia chegado como eu, também já estava rodeada de garotas. Por um minuto me senti sufocada, precisava sair dali.

- Anne? – Chamou uma voz familiar atrás de mim.

- Fernando, você estuda aqui? – Perguntei surpresa.

Ao lado dele, a menina morena de olhos puxados, japonesa que sentava na minha me olhava.

- Sim, surpresa?

- Você nem imagina o quanto. – Fui sincera.

- Pensei em ligar para você... Como você ta? Estava de saída?

- Ah, sim...

- Já comeu? – Perguntou rápido. – Porque estamos morrendo de fome, não comi nada antes de sair da casa do meu avô, também não tem nada lá. Nós estávamos indo para o Mcdonalds, quer vim?

- Tudo bem.

- Essa é Yuka. – Agora minhas suspeitas sobre sua origem já estavam concretas.

- Yuka essa é a...

- Anne, é eu sei, é a garota esquisita que agora senta atrás de mim. – Completou a frase, sorrindo apertando minha mão.

Bom, pelo menos agora eu sei que dei uma boa impressão.

- Então garotas. Vamos logo antes que feche, e seu gatão aqui acabe ficando muito irritado com isso.

Andamos três quarteirões até chegar ao Mcdonalds, durante todo esse tempo, Yuka e Fernando falavam sem parar, e de vez em quando me faziam algumas perguntas simples, mas eu estava distraída, lembrando dos meus sonhos, pensando em Vivian, me fazendo mil perguntas sem respostas. Era apenas um sonho, porque não saia da minha cabeça como os outros... Havia tantos sonhos que eu tive que eu gostaria de lembrar, mas sempre ao acordar os esquecia, por que esse seria tão diferente?

Eu continuava sem fome enquanto Fernando se encharcava de batata frita, exagerando no ketchup. Parei em uns instantes nas minhas lembranças e observei Yuka que o olhava comendo com tanto carinho, e às vezes soltava um longo suspiro. Claro que não deu pra ele perceber isso porque estava ocupado demais enchendo a boca de uma forma nojenta e grosseira.

Acabou que ela reparou e pra tentar me distrair puxou um assunto:

- Me disseram que você era de São Paulo. – Comentou. Dando um gole em seu milkshack de morango.

Que fez meu estomago se revirar. Morangos me causavam isso.

- Era.

Comecei a cutucar um pedaço de madeira da mesa que estava destruída pelos cupins.

Vivian... Era apenas o nome que veio rápido nos meus pensamentos.

Sonhar com uma pessoa que tinha sido gentil e atenciosa, sonhar com aquela pessoa que você tinha visto apenas uma única vez... Pelo o que lembro, Fernando parecia ter se dado bem com ela, ele poderia saber de alguma noticia.

- Eu também sou. Acabei tendo que vim morar com meu pai aqui porque minha mãe teve que viajar para o Japão.

- Pelo menos você parece está gostando.

- Estou, é bastante diferente.

Pelo menos uma de nós estava gostando.

Minha curiosidade aumentava a cada estante que se passava, batia com as unhas na mesa com a outra mão, fazendo tocar uma musica desconhecida que inventei naquele momento, até que não consegui mais agüentar.  

- Você voltou a ver a Vivian? – A perguntou pulou da minha boca.

- Ah, sim, ontem. – Pego de surpresa, respondeu de boca cheia, tomando sua coca ajudando a engolir o alimento para poder falar – Minha irmã decidiu de repente que queria vim para cá, e Vivian acabou acompanhando ela durante o vôo.

- Quem é essa ai? – Seus olhos se estreitaram atrás das suas lentes.

Suspirei aliviada, ignorando a pergunta de Yuka. Isso significaria mesmo que foi um pesadelo idiota e que tudo corria tudo bem. Não que eu pensasse que acontecia alguma coisa, só que era estranho demais.

- É a aeromoça mais gata que já conheci. Não que as outras que cheguei a conhecer também não fossem bonitas, apenas eram muito... – Demorou a pensar numa palavra pra descrevê-las – Murchas. – Seu sorriso era uma mistura de se achar o gostosão com ser o único homem da terra.

Ouvi Yuka falando em um sussurro baixinho vindo de um chute em alguma coisa debaixo da mesa, seguido de um som de dor da boca de Fernando.

- Mas por que a pergunta? – Perguntou entre dentes tentando ignorar a dor. Por baixo de seus olhos, vieram manchas vermelhas e logo começaram a lagrimejar.

Era chegava a ser prazeroso e engraçado vê uma coisa de cara enquanto os olhos de outras pessoas se mantinham cegos.

- Nada, só queria saber, ela foi tão legal comigo.

Sorri de leve pra ele, tentando ao mesmo tempo segurar meu riso, pois sua expressão ainda mostrava dor e agonia.

- Nós acabamos marcando de sair.

- Quando? – Yuka ficou mais atenta, parecendo mais interessada no assunto.

- Hoje à noite. – Me olhou com dó, como se estivesse pedindo ajuda

Olhei para Yuka e seus dentes trincavam.

- Aonde vocês vão? – Perguntei.

- Não sei ainda, mas calma, meninas. Tem Fernando pra todas. – Engoliu a dor e exibiu-se com um sorriso bem satisfeito.

As imagens de Vivian. O sangue que escorria por sua boca vinham seguidas de tantas que o sonho me mostrou, sua pele fria e pálida, seus olhos arregalados, sua pupila mostrando o vazio e os cortes pelo seu corpo, não tinha nenhum machucado como se tivessem batido nela, apenas cortes profundos.

Yuka do nada modificou completamente sua expressão, tornando-a rígida e furiosa. Levantou com elegância, talvez querendo manter a postura de pessoa forte que não ligasse pra nada e caminhou ate a porta por onde nós havíamos entrado. Fernando parecendo confuso sem entender nada saiu correndo atrás dela enquanto eu fiquei pensando, no garoto dos olhos vermelhos, tentei enfiar na minha cabeça que não era nada significativo, que não tinha porque dá importância alguma, era apenas um sonho... Que agora estava mais pra pesadelo. Não queria mais suspense e mistério, queria respostas.

Quando descascava o pedaço de madeira na mesa, meus pensamentos estavam longe, nem percebi quando minha mão acabou escorregando por ela, cortando a palma.

- Droga! – Sussurrei pra mim mesma.

Peguei todos os lenços que havia pela mesa. Virei o pulso para cima avistando o relógio, e foi então que me lembrei da hora.

- Droga! Droga! Droga! – Sussurrei pra mim de novo.

Atrasada de novo! Dessa vez acho que iria escrever ao invés de redação um livro. Peguei os lenços e os pressionei no meu corte. Sai correndo pela porta, batendo na garçonete que vinha segurando uma bandeja cheia de copos de refrigerantes. Passei pela porta antes que desse para ouvir o palavrão que ela acabara de dizer.

Com o liquido vermelho escorrendo pela minha mão, e os lenços totalmente encharcados com meu sangue, a área cortada fazia minha mão ficar mais dolorida, ardendo como se eu a tivesse posto no fogo.

- Que caminho era mesmo? – Perguntei pra mim mesma, sabendo que não teria resposta. Olhando para o lado e para o outro tentando lembrar por que caminho eu tinha vindo. Eu estava perdida, não sabia para que caminho tomar, a rua estava deserta e não tinha pra quem perguntar, não dava pra voltar porque com toda a pressa sai correndo e não olhei para onde estava indo. Senti vários pingos de água cair sobre a minha cabeça, um seguido do outro. Ótimo não podia mudar para melhorar, agora chovia. O chão agora já começava a se formar poças de água. Eu já estava toda molhada, olhei para o outro lado da rua e corri até encontrar um beco com uma cobertura. Atrás de mim estava escuro demais para vê alguma coisa, o beco dava a impressão de ser grande, era um pouco estreito. Dei mais alguns passos pra trás.

Já haviam se passado uma hora e a chuva não parava, pelo contrario, ficava mais forte à medida que o tempo corria, não chegou a diminuir, e agora pra completar, o vento se tornava mais forte e mais frio. O sangramento também não diminuiu os lenços ensopados já eram inúteis, apertei com força a mão em meu peito, manchando minha blusa. Sentia o cheiro do meu sangue, meio de ferrugem, e aquilo me deixava enjoada

Atrás de mim, passos se originavam, mas estava tão distraída com meu sangue que imaginei que aquele barulho fosse da chuva batendo no chão de cimento, foi então que senti algo mais perto de mim, mas não virei, devia ser um gato ou coisa assim, era apenas ignorar que iria logo embora, foi o conselho que minha mãe sempre costumava a dar a mim já que não era fã de bichos peludinhos. Um braço forte e musculoso cruzou em volta da minha barriga, e uma mão áspera tampou minha boca com muita força, fazendo minha cabeça ir pra trás, de um modo que ouvi meu pescoço estalar. Com a mão sangrando tentei fazer o braço que apertava minha barriga se soltar de mim, mas nem se mexeu, apenas serviu para molhá-lo com meu liquido vermelho. Com a outra mão, puxei a mão áspera e grossa que tampava minha boca, enquanto eu me via ser puxava mais pra dentro daquele beco escuro, gritei o mais alto que pude, mas meu grito era baixo demais para alguém ouvir, isso se pelo menos tivesse alguém por ali. Bati minhas pernas, dando pulos para que me soltasse. Quando mais pro fundo ele me puxava mais inconsciente eu ficava, minha visão estava toda embaraçada, conseguia vê poucas coisas. Sentia-me fraca por isso parei de lutar. Deixei que ele me levasse para o lugar que ele queria.

Finalmente quando parei de me mexer ele me colocou deitada no chão sujo e molhado atrás de uma lixeira de ferro que cobria quase todo o meu corpo, olhei para o lado, e a única coisa que conseguia notar era uma luz vinda de um buraquinho debaixo do lixo, minha respiração estava ofegante, mas conseguia ainda ouvir o barulho da água caindo.

Senti uma coisa molhada e pegajosa cheia de desejo subir pelo meu pescoço, passando devagar pela minha mandíbula ate minha bochecha. Eu pensava que queria que tudo aquilo acabasse logo.

Olhei para o meu assassino, não conseguia enxergar seu rosto por conta da minha visão, e porque ele usava uma mascara preta. Talvez sentisse medo de que se eu sobrevivesse, eu o denunciaria, mas não, eu não o faria, queria apenas que aquilo acabasse o mais rápido possível, não queria sentir dor, nem agonia. Fechei os olhos, tentando-me sentir preparada, mesmo sabendo que não estava.

*****

Acordei em uma sala branca, primeiro fiquei perguntando onde estaria meu pai, algo em mim dizia que eu não teria sobrevivido aquele fato que ocorreu. Eu estava com saudade, queria muito vê-lo e abraçá-lo com toda a força que me restava. Virei o rosto para o lado bem devagar com a esperança de encontrá-lo, me olhando e sorrindo, mas apenas um espelho e um telefone cinza. Levantei meus olhos e encontrei um soro pela metade. Desviei o olhar para os meus braços, estava cheia de agulhas e tubos, dei uma olhava em mim, estava vestida com uma camisola de hospital.

– Estou viva? – Perguntei para mim mesma por pensamento. Olhava para tudo ao meu redor tentando me lembrar o que havia acontecido comigo, suspendi as minhas mãos, a mão esquerda estava enfaixada e não tinha mais nem um sinal se sangue e nem ardia nem parecia mais dolorida. Tentei me lembrar do que tinha acontecido e prossegui em minha mente: Eu estava na lanchonete com Fernando e a Yuka, quando me cortei na mesa, e percebi que estava atrasada e que ia me ferrar (de novo), estava chovendo, o homem com a máscara de preto, beco escuro. Tive a vaga lembrança de algo que ele havia passado em meu pescoço, percorri a mão pelo meu rosto e meu pescoço, e no meio do meu pescoço, notei um pequeno corte, a tocá-lo ainda sentia uma leve dor.

- Finalmente acordou – Disse um garoto parado perto da porta em tom tranqüilo.

O encarei, ele me parecia tão familiar, mas não me lembrava da onde eu tinha visto.

Estava com uma blusa preta de mangas ate o cotovelo, usava luvas de couro pretas, e uma calça jeans normal.

- Pensei que não iria mais acordar. – Continuou ele me olhando.

- Quem é você? – Perguntei, mas minha voz mal saiu. Mas pareceu que ele pode me ouvir.

- Victor, sua irmã disse que você se chamava Anne.

Fiquei calada ainda o encarando. Sua cor pálida e seus olhos verdes... Aonde eu o tinha visto? Ele me olhava com simpatia, soltando um sorriso pequeno nos seus lábios finos avermelhados.

- Sinto muito não ter me apresentado antes. É que fiquei... – Parou. Olhou-me nos olhos. – Aliviado por você ter acordado. – Continuou.

Eu continuava sem entender, calada. Aos poucos, quanto mais ele seus passos o levavam até mim, pude ir reconhecendo, ele se sentou ao meu lado, me fitava com aquele olhar misterioso, o cabelo, o rosto perfeito.

- Você é o garoto do avião! – Pensei em voz alta.

Bingo!

- Avião? – Me olhou desconfiado.

- Sim, eu me lembro de você! Você ficou sentado no meu lado no avião. – Eu não tinha nenhuma duvida, era ele sim.

- Acho que você deve está delirando.  – Ele se levantou.

- Me encontrando no estado em que eu estou, tomando soro, numa cama de hospital depois de sofrer um acidente eu até poderia estar, mas não estou. Estou consciente e me sinto melhor do que nunca! – Insistir.

- Você estará bem quando o medico disser que você esta bem.

- O medico não sabe melhor do que eu!

- Sabe sim!

- Não sabe, não!

- Pare de discutir comigo!

- Você que esta discutindo comigo!

Ele bufou.

- Você esta querendo me deixar confusa, não sei o porquê mais isso não vai acontecer, você é o garoto do avião.

- Tudo bem, e se eu for? – Cruzou seus braços pálidos em volta do peito.

- Bem, se você for... Nada!

- Viu? Essa discussão não levara a gente a lugar nenhum.

- Claro que levara. Leva a conclusão de que você mentiu pra mim.

Ele suspirou. Rindo baixinho como se estivesse caçoando.

- Qual a graça? – Perguntei irritada.

- Você, tentando permanecer com a razão de qualquer jeito. Tudo bem acho que você precisa de um tempo pra refletir. Eu volto pra vê-la depois.

- Não vá!

O mistério do meu sonho estava toda focada nele, disso eu realmente sabia, não podia deixá-lo ir.

- Tudo bem – Disse ele caminhando até a porta. – Eu volto.

Eu ia dizer alguma coisa, mas não deu tempo. Depois que saiu, minha irmã entrou correndo pela porta até mim, a me ver me olhou preocupada, mas não conteve e abriu um lindo sorriso, veio flutuando em minha direção e me abraçou com toda a força.

- Anne! Graças a Deus você está bem. – Falou baixinho em meu ouvido, pude ouvir seu choro bem baixinho e suas lagrimas em meu ombro.

- Ta tudo bem Soph– Passava minhas mãos por sua costa, a apertando um pouco mais em mim.

Abraçá-la me fez entrar em um circulo de felicidade, me sentia protegida e importante. Era incrível como ela me fazia eu me sentir assim, tão única! Esta em seus braços, por mais que ela fosse mais parecida com Christine, me fazia lembrar o meu pai.

- Não se preocupe – Passando seus graciosos dedos nos meus cabelos. – Mamãe já está a caminho pra cá, apenas fique calma.

- Soph ta tudo bem. Só me diga o que aconteceu...

- Você é uma menina de muita sorte, se Victor não tivesse visto você naquele beco, acho que seria o fim.

- Eu fui... – A encarei com um medo profundo.

- Não. Ele chegou antes de o homem tentar fazer alguma coisa mais grave com você.

Soltei um ar de alivio.

- Ele está ai fora. – Sua voz era animada. Mordendo o canto da boca, me olhando daquele jeito que só eu conseguia entender o que queria dizer.

Revirei os olhos, entediada.

- Se quiser, pode ficar com ele pra você.

- Que ótimo porque ele já era meu mesmo. – Brincou.

Nós duas rimos juntas, uma da cara da outra.

Olhar em seus olhos, e perceber que eu ainda teria muitos anos pra apreciá-los me trouxe mais alegria ainda. Senti-me culpada por ao invés de agradecer ao Victor cismar uma coisa que eu não tinha certeza, talvez ele tenha razão, isso não me levaria a lugar nenhum. Os meus pesadelos eram apenas pesadelos.


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Notas finais do capítulo

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