The Hikers Dead - Infecção escrita por Gabriel Bilar


Capítulo 22
Janelas Esquecidas


Notas iniciais do capítulo

Hey, capítulo novo!!
Devo dizer que acho esse um dos melhores capítulos da história até agora, então espero que gostem!
Até as Notas Finais.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/331373/chapter/22

POV – Claire

Não podia dizer que sentia falta da vida de antes. Por mais que agora estivesse passando por momentos difíceis e por mais que o futuro fosse incerto, ainda eram dias melhores do que os passados no orfanato.

A cada novo amanhecer, eu desejava mais a liberdade. As pessoas poderiam argumentar: “Mas, você não está presa” “Sua vida é difícil, mas ainda é melhor do que morar na rua”, porém, nenhum deles passara a infância naquele lugar. Nenhum deles entendia como era difícil olhar para as crianças passeando pelo parque, ao lado de suas famílias quase perfeitas, sabendo que nunca teria nada daquilo.

Durante um tempo, tudo o que eu desejara era ter um cachorro, por mais que nunca ousasse pedir um. Sabia que aquela vontade me seria recusada. Donna riria de mim e diria para parar de sonhar. O que vivemos é a realidade. E a realidade é cruel. Aceite isso, criança. Dizia ela, sempre que algum garoto ou garota aparecia com “ideias tolas”.

- Eu ouvi algo no rádio. – A voz de Ana interrompeu o fluxo de pensamentos em minha cabeça.

Estava tão esgotada pela luta e sentindo dores por todo o corpo – até mesmo no tornozelo que eu considerava curado –, que nem dei atenção ao que Ana disse. Precisava fixar o olhar no toco de vela que gerava a única luz do ambiente, para não cair no sono.

- Ahn? Sério? Que legal.

- Claire – sibilou ela e me deu um tapa no antebraço. – Entendo que esteja cansada, mas escute isso.

- Cansada é pouco. Mas, anda, continue com sua história. – declarei com certo desânimo.

- Não é uma história. É a verdade – protestou. – Eu consegui sintonizar uma estação de rádio. Pelo menos eu acho que é uma; não sei direito. Eles disseram que pacificaram um shopping. Disseram que o local é seguro...

- Impossível, Ana.

- Mas...

- Sei que não gosta do Victor, então é melhor colocar as cartas na mesa. De uma vez por todas. – disse, e por mais que estivesse sussurrando, as palavras saíram hostis, como eu queria. Não era justo que Ana inventasse histórias apenas porque não gostava de Victor. Sentia, desde aquele primeiro dia, que ela faria de tudo para me manter longe dele.

- O quê? Acha que inventei tudo isso...?

- Eu sei que inventou.

Ela arquejou, exasperada.

- São coisas completamente diferentes! Eu não confio mesmo nesse cara, mas isso não quer dizer que eu vá ficar inventando coisas pra afastar você dele!

Como se esperassem pela deixa, os zumbis investiram novamente contra a porta fortificada.

- ELES VÃO ENTRAR AQUI! – desesperou-se ela.

- Não vão! Eu não vou deixar.

- E o que pretende fazer para impedi-los?

Como não tinha resposta para aquilo, apenas murmurei, sem saber se estava querendo convencer à Ana ou a mim mesma:

- Eles vão perder o interesse.

- Da mesma maneira que perderam o interesse no orfanato? – rebateu ela, amarga.

- Dá pra confiar em mim, Ana? Pelo amor de Deus, não complique as coisas!

Estava à beira das lágrimas, desesperada e frustrada. Com Victor inconsciente, tudo dependia exclusivamente de mim.

- É engraçado como eu tenho que confiar em você, mas você não pode confiar em mim. – disse enquanto levantava e se dirigia ao outro lado da sala, fora do alcance da minha visão.

Xinguei baixinho, não adiantava pedir, pois Ana sempre complicava as coisas.

Estendido no sofá à minha frente, Victor murmurou algo incoerente, provavelmente era a febre atacando-o de novo. Apesar de ele estar ruim agora, estava muito pior quando Ana e eu o empurramos para dentro do apartamento.  

Enquanto Ana apagava as luzes e tentava manter tudo silencioso, eu me agachara ao lado de Victor, limpando os ferimentos – em sua maioria, apenas arranhões e algumas queimaduras – mais superficiais em seu rosto, com um pano úmido. Concluída essa parte, passei a trabalhar nos braços, repetindo o mesmo processo do rosto; o pano úmido absorvendo todo o sangue. Fizera meus melhores esforços, mas a sua perna esquerda estava praticamente destruída por uma grave queimadura – que, eu não tinha a menor ideia de como tratar.

Um som abafado sobressaltou-me e trouxe de volta a realidade. Mal podia acreditar, estivera quase cochilando novamente. Estava mesmo cansada, provavelmente não tinha uma noite verdadeiramente tranquila há dias.

Ana ficou de pé com um pulo, esperando atenta qualquer sinal de que o som pudesse se repetir.

Nada.

Nós duas nos entreolhamos e por um momento, a tensão foi deixada de lado.

- Eu posso dar uma olhada. – ofereceu-se ela.

- Melhor não, pode ser perigoso. Deixa que eu vou.

- Quem vai manter a porta segura? Melhor você ficar por aqui, não deve ser nada lá em cima mesmo.

Ambas assumíamos tarefas de risco, apesar da tarefa da Ana ser mais incerta.

- Ok. Assim está bom.

POV – Ana

Não queria admitir, mas mal conseguia dar o próximo passo, de tanto medo.

No que eu estava pensando, ao me oferecer para aquilo?

Para me defender contra qualquer coisa, eu tinha apenas uma vela recém-acesa e um punhal de aço, frio ao toque. Tinha também a faca que me acompanhava desde o começo daquela epidemia, mas a manteria embainhada, até que realmente precisasse dela.

Na escuridão, algum lugar à frente, havia a porta do cômodo que tanto me intrigava. Nada podia deter a sensação ruim que se apoderava de mim ao pensar naquele local.

Obriguei-me a deixar aquele assunto de lado enquanto me concentrava no que precisava fazer.

Sem hesitar, pois temia desistir se o fizesse, girei a maçaneta da primeira porta.

O cômodo por trás da porta parecia normal. Na bruxuleante luz da vela, pude ver os móveis organizados, a cama de casal com o colchão envolto em um lençol azul escuro e uma garrafa de água vazia por cima da cômoda. Era o quarto de Victor.

Como se nunca tivesse estado ali, parti para o próximo quarto. Onde Claire dormia – o que estava se tornando uma coisa rara, ultimamente.

As coisas também pareciam normais ali, será que Claire e eu havíamos imaginado o barulho? Não seria de se admirar. Naquele momento eu mesma não tinha total certeza de que estava acordada.

Foi nesse momento de dúvida que, outro som chegou até mim. Parecia um raspar, suave, quase imperceptível, e surpreendentemente próximo. 

Percebi que sabia de onde vinha o som. Larguei a investigação no quarto pela metade e avancei direto para o local que parecia um escritório.

Meu coração falhou duas batidas. Contorcendo-se para passar pela janela escancarada, estava um infectado magro, com a boca rodeada de sangue seco e parte do crânio exposta.

A minha aparição repentina pareceu tê-lo motivado, a criatura içou-se para dentro do cômodo e caiu com o queixo próximo aos meus pés.

Ao invés de me afastar, ou de chutar o morto-vivo para longe, apenas fiquei parada, fitando-o. Meus braços tremiam e uma voz parecia gritar na minha cabeça. Mexa-se!

Não era fascínio que me mantinha ali e sim estarrecimento. Como aquelas coisas conseguiam entrar ali? Estávamos no segundo andar!

Sabia que não podia sair correndo, pois um novo par de braços já se precipitava pela janela e, se conhecia bem a determinação dos infectados, sabia que não parariam de vir até que o cheiro de carne fresca se extinguisse. Também não poderia gritar por Claire; aquilo os deixaria agitados. Precisava lidar com aquilo. Sozinha.

O zumbi não esperou que eu escolhesse. Atirou-se em cima de mim, o que me fez colidir com a parede. A nova dor me fez ter cem por cento de certeza de que estava acordada.

Empurrei-o para o lado, tentando desvencilhar-me do hálito fétido.

- Maldito! – A palavra quase não saiu pelos meus lábios. Agora estava de costas para a janela e enquanto a criatura tentava se recompor, avancei na direção da fraca brisa noturna. Praticamente, toda a parte superior do corpo do novo morto-vivo estava para dentro do escritório e ele se agarrava irracionalmente ao parapeito, desesperada, puxei a vidraça para baixo, com força suficiente para ouvir as costelas podres se partindo.

Não cantei vitória. Aquilo deteria o monstro por não mais que alguns minutos e ainda havia o perigo imediato que eu corria dentro do escritório com o outro infectado.

Então senti o cheiro de fumaça. E não demorei muito para identificar de onde ela vinha. A quatro metros de distância, o tapete do escritório transformava-se em uma grande fogueira perigosamente próxima das paredes.

- Ai meu... – Por um momento vi aquilo como mais um desafio, mas logo percebi que era, na verdade, uma coisa boa.

Sorri e por um momento, talvez tenha surpreendido o morto-vivo ao correr direto para ele. Ele esperou, retesando os músculos à espera da sua refeição, no caso eu. Mas ele não contava com o fato de que eu era uma refeição muito rebelde.

- Nunca mais vai devorar ninguém – declarei, empurrando a criatura direto nas chamas. Ele tropeçou e caiu, com o crânio bem onde eu queria.

Agonizou por alguns longos instantes e por fim, quietou-se.

Nesse momento Claire entrou no local. Arquejou com a cena que viu. Não sei o que pensou e nem me importava muito.  


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que acharam, sobreviventes?
Merece um comentário?