Para Sempre Lidinho escrita por Érica, Mariana R


Capítulo 67
Lágrimas no paraíso


Notas iniciais do capítulo

"Além do escuro, há paz. Estou certo e eu sei que não haverão mais lágrimas no Paraíso."... (Eric Clapton)



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“Acorda! Vai, acorda!”

Me revirei na cama, estava tão cansada. Parecia que não dormia há dias, não, há meses.

“Só mais cinco minutos, vó...”.

“Você prometeu me levar para praia... Vamos, o papai já tá esperando!”

“Papai?”

Estranhei a voz da pessoa que falava, não era da minha irmã... E nem me lembrava de ter prometido levá-la a praia. O mais esquisito é que não me lembrava de muitas outras coisas também, e a mais relevante, como tinha chegado em casa.

Joguei as cobertas para fora, esfreguei os olhos, minha visão se adaptando com a luz que entrava pela janela. A primeira surpresa que eu tive foi ver um menino na minha cama, que não era propriamente, a minha cama. Nem aquele quarto espaçoso era o meu... E eu muito menos conhecia o menino que me olhava tão intimidadoramente.

“Quem é você?”

“Háháhá! Muito engraçado! Olha, se foi porque ontem eu não quis jantar, eu já pedi desculpas. O papai me fez jurar que te obedeceria. Será que você me perdoa, mamãe?”

Mamãe?

“O que?”

“Me perdoa, por favor! Eu juro que vou me comportar... Agora, vem o papai disse que não era para gente demorar!”

Antes que tivesse a chance de pedir uma explicação para aquela loucura... Mãe? Até parece! Eu me lembraria de ter um filho. Mas aquele menino parecia tão real... Como isso era possível? Sem perder tempo, saí da cama e mesmo vestindo somente uma camisola andei pela casa. Assim como o quarto, não reconheci o resto do lugar. A primeira impressão tratava-se de uma casa de praia, a sala com uma varanda de vista para o mar. Fui ate lá, vi a imensidão azul e tive que prender a respiração por alguns segundos diante tanta beleza daquele paraíso. Encontrei uma escada que permitia ir ate a praia, meus pés afundando na areia fofa quando cheguei lá.

Não avistei mais ninguém, só havia um homem parado e o tal menino brincando perto. Eles pareciam rir de alguma coisa, não sei. Fiquei observando a cena durante alguns instantes, encantada pelo que via... Era tão bonito os dois juntos.

“Ah, ela veio!”

Exclamou feliz o garotinho apontando para mim. O homem que ate então estava de costas virou-se, um sorriso no seu rosto fazendo meu coração parar... Dinho?

“Você demorou, hein? Pensei que tivesse que ir lá te arrancar da cama... Bom dia, amor.”

Ele veio ate mim, me enlaçando pela cintura. De tão estupefata, me deixei ser beijada.

“Eu, eu... Dinho?”

“O que foi? – Ele riu do meu embaraço, sem fazer ideia da confusão que eu vivia – Você demorou, Marrentinha. Sabe que não aguento ficar muito tempo longe de você, não sabe?”

“Eu não... Me desculpe.”

“Não precisa pedir desculpas! Vem, nosso filho quer entrar no mar, mas se bem que vestida assim não sei se seria uma boa ideia. Essa parte da praia pode ser privada, mas não quero correr o risco de algum marmanjo ver minha esposa vestida em trajes tão reveladores.”

Ignorando a idiotice dele, segurei sua mão para impedir que se fosse. Deus, o que era aquilo?

“Esposa? Como? Quando isso aconteceu?”

“Bem, acho que foi quando te vi pela primeira vez e jurei para mim mesmo que casaria com você. Apesar de ter pouco mais de onze anos na época, eu já era bem decidido. Você seria minha e foi o que aconteceu. Apesar do seu gênio, das implicâncias, eu superei todos os obstáculos para te ter. E olha só o que nós construímos.”

“Eu não entendo... Isso, você, eu... Ele.”

“Fala do Gui? Amor, sei que a sua gravidez não foi das melhores, mas não acha que já faz tempo? Não pode sofrer de mau humor crônico! – Brincou me fazendo corar – Por falar nisso, nós bem que poderíamos encomendar um irmãozinho pra ele, né? Que tal uma menina? Se ela for igual a você será linda!”

Dinho se aproximou e me beijou novamente. E foi tão bom, melhor do que qualquer outro beijo que já trocamos. E foi tudo no que pensei enquanto era envolvida por seus braços e me colava a ele. Ao longe as risadas do nosso filho... Queria que aquele momento durasse pra sempre. Queria com todas as minhas forças que ele estivesse ali, que nós estivéssemos juntos... Quis tanto, tanto que fosse real... Mas não era. Era só um sonho, eu sabia. A praia, ele, eu... Nosso filho, Gui. Doeu-me saber o nome dele, pois ele não existiria, não haveria tempo para isso. Dinho ainda estava no hospital e a cada minuto que passava, ele se distanciava mais e mais de mim.

“Amor?”

Ele me olhou, inquiridor. Mas era só uma ilusão, eu sentia. Eu sabia. Era só um sonho surgido do meu amor por ele. O sonho mais bonito e triste que eu já tive, e ninguém deveria se sentir tão feliz e arrasado ao mesmo tempo.

“Eu amo você.”

E eu amo, amo, amo. Do fundo do coração, todos os dias, a cada dia mais. Eu amo você, Dinho.

“Eu também te amo, Lia.”

E acabou. Como a chuva que tinha ido embora e a noite que deu lugar a um novo dia, o sonho teve fim. E ainda na minha cama, horas depois de despertar, eu ainda tentava entender o que Deus queria me dizer com isso. Seria aquele sonho um consolo por tudo o que eu perderia ou apenas mais um tormento para me fazer desejar o que não poderia ter? Ele iria embora, ele iria embora... E nunca existiria ele e eu casados nem o nosso filho. Gui... Guilherme. Teria sido eu ou ele a escolher? Por quê? Ele era igual ao que eu imaginava quando suspeitei estar grávida. Igual a Dinho, os mesmos olhos, o sorriso... Ate os cachinhos. A única diferença era a cor, loiros iguais aos meus. Ele era nosso, de ninguém mais e seria apenas um desejo guardado dentro de mim. Não havia tempo, nenhuma esperança. Era chegada a hora do adeus.

“Lia? Vim ver como você tava, filha.”

“Eu, eu to bem... Obrigado por tá aqui comigo, pai.”

“Ah, amor como eu te deixaria sozinha? Em nenhum momento, muito menos num como esse.”

O Dr. Lorenzo se aproximou da minha cama e me abraçou. Era tudo o que eu precisava naquele momento, de carinho... Amor. E ele me amava e não hesitou em vir ao meu socorro quando foi preciso. Eu tinha tanta sorte por tê-lo.

“Oi, Lia...”

Marcela, sempre tão confiante, hesitou na porta do quarto. Quase ri disso, mas me faltava alegria para isso. Ela era outra pessoal especial que trouxe vida nova para meu pai e para a nossa família.

“Oi, Marcela! Foi mal estragar sua lua de mel.”

“OH, meu anjo você não estragou nada! Eu e seu pai não desejaríamos estar em nenhum outro lugar. Somos uma família, e família tem que estar junto.”

“É... Obrigada!”

“Eu to lá fora se precisarem de mim. Quer alguma coisa, querida?”

“Não, obrigada.”

Marcela nos deixou a sós novamente.

“Pai... Me responde uma coisa com sinceridade?”

“Claro!”

Suspirei um pouco, não era certo, mas eu queria saber.

“Ele tá sofrendo? Digo, ele sofre enquanto tá vivo?”

“Lia...”

 Desconversou, mas eu não desistiria.

“Por favor, eu quero só a verdade. Eu quero saber se ele tá sofrendo, pai. Se durante esse tempo, ele sente alguma dor.”

“Não, ele tá sob o efeito da anestesia, medicamentos, mas...”.

“Mas?”

“Foi uma operação complicada. A bala não chegou a atingir o coração, mas deixou comprometido. A hemorragia, a parada cardíaca... Um dos pulmões também foi afetado. Ele não sente dor, claro, mas foi custoso para ele passar por tudo isso.”

“Entendo...”

Mentira... Eu não entendia nada, nem como tudo aconteceu muito menos como Deus pode ter permitido acontecer com ele. Pessoas ruins escapam de coisas muito piores, mas as boas sempre acabam a sete palmos do chão.

“Eu vou para o hospital!”

“Filha, não é uma boa ideia. Você passou mal ontem, talvez seja melhor esperar um tempo. Se recuperar de tudo isso.”

“Esperar ate quando? Ate ele morrer?”

“Não foi isso que eu quis dizer! Eu só pensei no seu bem estar, no que é melhor para você.”

Apressou-se em corrigir, mas claro que ele não teve a intenção. Acontece que ele não sabia, mas eu não podia esperar. Eu não podia permitir que fosse tarde demais.

“Eu não posso ficar aqui, pai. Será que não vê? Eu preciso estar com ele, aconteça o que for, eu quero estar do lado dele. Por favor, não me negue isso. Não depois de tudo o que ele fez por mim, não me negue esses últimos momentos.”

“Eu... Tudo bem.”

Meu pai concordou por fim. Talvez, apesar de querer me proteger, ele visse o mesmo que eu. Ele enxergava que não adiantava fugir da realidade ou negar os fatos, eu precisava de Dinho... Nem que fosse pela ultima vez. A verdade é que sempre precisaria dele, em qualquer momento, em qualquer idade, o resto da minha vida... Mas não era justo prendê-lo aqui.

“Eu não esperava te ver aqui.”

“Vim ver como você tá. Sua filha é linda.”

“É... – Um sorriso surgiu no rosto de Fatinha – Ela é tudo e um pouco mais do que eu sonhava. Foi tão surreal quando a peguei pela primeira vez, sabe? Era como se meus braços tivessem sido feitos para tê-la.”

“Acho que toda mãe se sente assim...”.

E eu? Me sentiria assim algum dia?

Logo depois de meu pai ter concordado em me levar ao hospital, me aprontei o mais rapidamente que pude. Vesti qualquer roupa, calcei meus velhos tênis e vim. E apesar da insistência dele e de marcela para que comesse algo, o embrulho que sentia no estômago não permitiu. E já aqui, toda a coragem que juntei durante o caminho pareceu escapar de mim. Como desculpa para adiar meu encontro, fui ate onde Fatinha estava. Para a minha grata surpresa, junto com ela estavam os pais e pelo o que parecia às velhas brigas foram esquecidas. Graças a Clarice que os uniu novamente.

“Quase caí para trás quando entrei e vi seus pais!”

“É, eu também. Não esperava uma visita deles, mas o Bruno avisou e num é que eles vieram! Acho que a Clarice já tá trazendo coisas boas para mim. Claro que existe muito a ser acertado ainda, mas foi tão bom ver eles aqui. E meu pai ficou tão encantado com ela e me pediu desculpas, acredita?”

“Acredito! Lógico que sim... Eles são seus pais, e apesar de você não ser uma filha modelo ainda é filha deles!”.

“Atá, e você é a filha perfeita! Enche a boca para falar, mas todo mundo sabe que metade dos cabelos brancos que teu pai tem foi por preocupação que você causou! Você e o Dinho!”

“É... eu e o Dinho.”

“Teve mais noticias sobre ele? – Me indagou desviando o olhar, mas pude ver a lágrimas que se formavam em seus olhos – O Bruno me disse que você apagou ontem...”.

“Não foi nada demais, acho que foi só o cansaço... Sei lá.”

“Ele não tá bem né? Posso ver na sua expressão que algo muito ruim tá acontecendo.”

E eu que pensei que fingia tão bem, mas ela me conhecia. Droga, ela não devia saber!

“Fatinha, minha mãe conversou com os médicos... O que fez a operação é amigo de longa data dela, se não fosse, ele não teria informado o real estado dele. Ele foi categórico, as esperanças... Bem, ninguém vive para sempre.”

“E você já se conformou? Já desistiu dele?”

“Da forma como fala parece ate que eu desejei isso tudo! Acha mesmo que se eu tivesse a chance, acha que eu não daria tudo para ser eu no lugar dele? Eu... Você não entende, ninguém me entede. Eu só to tentando fazer a coisa certa.”

“E o que é certo, Lia? Esperar o fim chegar e ponto, seguir a vida de onde ela tá? Pensei que amasse ele!”

“E EU AMO!”

Defendi-me do ataque de palavras dela. Foi um erro ir vê-la, Fatinha era a melhor amiga dele e não podia compreender o que, bem, talvez eu também não compreenda.

“Então por isso mesmo devia acreditar mais nele! Se você desistir como é que ele vai lutar? Me explica pelo o quê ele iria lutar se você abrisse mão dele?”

As perguntas de Fatinha me perseguiram muito tempo depois de eu ter deixado o seu quarto. Vaguei durante sabe-se lá quanto tempo pelos corredores, pessoas vindo e indo e eu sem um rumo para seguir. Eu sabia onde queria ir, mas não queria estar lá nessa situação. Desejava adiar o maior tempo possível o que era inevitável.

Raquel conseguiu que minha entrada fosse liberada por alguns minutos, mas como se explica o que não se entende em dezenas de segundos? Como se deixa partir parte de você, a maior e mais bela parte da sua vida e que faz de você quem você é?

“Lia, eu tava te procurando!”

“Oi, mãe... Eu só tava pensando. Posso vê-lo agora?”

“Sim... Tem quer ser rápido. O quadro é estável, mas não é permitido visitas nessas condições. O diretor liberou porque, bem... É um favor para uma mãe que é muito amiga dele.”

Sem ter mais como evitar, subimos ate o andar onde ficava a UTI. Raquel andou ao meu lado, em silêncio, mas em apoio a mim. Vesti o traje exigido, e parei em frente a porta. A mão hesitando diante do duelo da consciência e do coração.

“Você já deve ter visto isso muitas vezes... É tão difícil assim?”

“Difícil o que?”

Abaixei a cabeça e olhei o chão

“Deixar alguém ir embora... Saber que a ultima vez é a ultima, e ainda ter que aceitar que isso é o melhor, embora seu coração esteja despedaçado.”

“Filha...”

“Existe uma maneira mais fácil de dizer adeus?”

“Não.”

                Esperei uma resposta que me consolasse, que trouxesse conforto a minha alma. Mas por mais estranho que pareça, ela não veio. E o mais estranho é que fiquei grata por isso, por ouvir a verdade. Sempre odiei mentiras... E droga, passei a vida odiando tantas coisas. E perdi tanto tempo presa a sentimentos que não valiam a pena, que hoje eu vejo eram... Tão pequenos. E se pelo menos eu soubesse, eu teria feito tantas coisas diferentes, teria dito ‘Eu te amo’ mais vezes, e o beijaria com mais amor. E... E o quê? Me lamentar pelo tempo perdido não muda nada, eu sei. Mas preferia não ter consciência disso.


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Notas finais do capítulo

:*(... Falta pouco. Gostaram? Comentem! PS: Devido a alguns problemas, haja demora na postagem de novos caps. Desculpem-me. :( Sendo assim, postarei o restante da historia quando possível.



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