Parada em frente ao armário, cerrei os dentes temendo o que viria a seguir: Malas para faculdade. Engoli em seco, prendendo meu cabelo em um rabo de cavalo frouxo e esfregando as mãos uma na outra como se estivesse criando um plano. Sentei a beirada iniciando a grande tortura. Sinceramente, não sabia o que era pior, estar num lugar em que odeio e faria de tudo para ir embora, ou, ir "morar" em uma universidade que duplicava minha repulsa e ódio.

Poderia tomar minhas próprias decisões sozinhas. De fato! Mas a forma como Susana implorou com todos os seu empecilhos não poderia negar, afinal, quem pagaria Yale?! Depois de passar um inferno nessas duas semanas em San Francisco, realmente considerava a ideia de um suicídio. Bem, talvez não, mas ainda assim era inaceitável. Amanhã seria o grande dia... A grande droga de dia... O mais odioso de toda minha vida!

O cheiro de assado invadia minhas narinas em um rebuliço enlouquecedor ao meu estômago. O famoso assado. Receita cuja meu pai guardara de minha avó e Susana aprendera. Se ela realmente desejava melhorar meu humor com isso... Provavelmente estava indo pelo caminho certo. Desci as escadas do segundo andar, desconfiada por conta das cadeiras acrescentadas.

– O que é isso? - Mais um tempo inalando aquele aroma e já começava a enxergar os outros em formato de frango.

– Alguns vizinhos virão jantar conosco esta noite. - Disse Robert pausadamente. Estreitei os olhos, sentindo a fome em minha barriga se transformar em náuseas.

– Por que diabos...? - Tudo estava muito confuso. Observei cada um em especial, esperando logo por uma explicação.

– Semana passada eles nos convidaram para jantar na casa deles, e ainda nos apresentaram a vizinhança. Retrucar essa gentileza não é nada demais. - Respondeu Susana por fim, arfei, encarando-os com ceticismo.

– E devemos nos comportar como uma grande família feliz, não é mesmo?! - Revirei os olhos, claramente irritada. Estava sendo mantida em cativeiro e ainda teria de fingir?! Qual é, não cometi tantos pecados. A campainha tocou brevemente e por um segundo permaneci imóvel antes de correr para o meu quarto. Talvez devesse ir até lá... Ou talvez não. Droga! Tão rapidamente, me via voltando a sala de jantar.

Estava ciente de que rebeldia não ajudaria muito à altura do campeonato, pintar o cabelo de diversas cores, piercings e tatuagens. No entanto, ainda restava o desprezo. Não sabia quanto tempo todo esse ressentimento duraria, meu relacionamento com minha mãe estava por um fio e Robert era o problema. O mundo parecia criar seu evento cósmico destinado a destruir minha vida.

Ao cruzar o corredor um pequeno surto de surpresa fez com que eu voltasse até uma parede estreita. O.k. Definitivamente o universo estava contra mim. Ainda em choque, meus olhos disparavam acusadores ao homem de alguns dias atrás... O responsável por minha queda de bicicleta.

– Querida, o que está fazendo aí? Junte-se a nós. - Em flagrante, de repente todos se voltaram para mim, cocei a palma de minhas mãos - mania que adquiria quando estava nervosa - forçando um sorriso, pigarreei, me sentando ao lado de Jess. - Estes são Moyra e Pete Capeletti. - Torci o nariz discretamente notando a estranheza em seus nomes, certamente não eram daqui, acenei com a cabeça em forma de cumprimento. - E claro, seu filho Sebastian. - Relutantemente o encarei, nossos olhares se cruzaram por breves segundos e instantaneamente lembranças de seu sarcasmo naquela noite trouxeram a raiva flamejante. Dispensei a sobremesa logo após, quanto menos ficasse presente, melhor.

Caminhando em direção a varanda, me acomodei no balanço analisando o céu. Todas as estrelas que nele continham ao meu ver. Suspirei amargamente, sentindo falta de minha antiga vida, nunca imaginei sequer uma vez um tipo regressão... No final das contas, todos os esforços haviam sido em vão, comparados ao meu estado atual. Esta era a verdadeira e dura realidade que me negava a aceitar.

– É uma linda noite. - Uma voz aveludada soou atrás de mim, virei abruptamente, deixando que meu cabelo caísse por sobre o rosto examinando-o dissimuladamente. Seu corpo esguio, o cabelo acastanhado, sua pele branca como marfim em contraste aos olhos de azul acinzentado quase incolor. Contraí as mandíbulas ignorando a beleza óbvia. Apesar de tudo não o respondi. - Precisa ver um final de tarde na praia... Como está seu joelho?

– Interessa?

– Na verdade não, perguntei por educação. - Bufei, encarando-o incrédula por sua excessiva sinceridade. - Bem, essa era a única forma de fazê-la olhar para mim.

– Gênio.

– Está gostando de San Francisco?

– Por que está se dando ao trabalho de conversar comigo?

– Estou tentando ser gentil.

– Não preciso da sua gentileza.

– Parece bem solitária, na verdade. Já tentou ter amigos?! - Sabia que sua pergunta era retórica, mas tive a sensação de me encolher ao ouvir suas palavras. Eu não tinha amigos, nem mesmo minha colega de quarto em Yale. O máximo que se aproximara era minha irmã. Ignorei seu falatório - É injusto.

– Do que está falando?

– Você sabe meu nome e eu não sei o seu.

– Faz diferença?

– Tudo bem Sra. Indigente, como quiser... Desculpe por rir no outro dia.

– Hum. - Ele arqueou suas sobrancelhas, perplexo, imaginando que não seria tão fácil.

– Só acho que deve prestar atenção no que acontece ao seu redor.

– Como?

– São ruas movimentadas.

– Está dizendo que a culpa é minha?

– Só quero ter certeza que não vá acontecer novamente, os outros vizinhos não podem ser tão maleáveis enquanto aos seus portões.

– Engraçadinho, eu queria pagar.

– Sim, mas não é necessário. Acontece sempre.

– Então é um truque?

– Depende, meu charme envolve muitas coisas...

– Ah, é? Tipo?

– Tipo, não olhar tão diretamente nos meu olhos por três segundos. - Sorri, ao vê-lo interpretar uma feição engraçada. - É um gesto fatal.

– Fraco.

– Experimente. - Seu queixo se levantou em uma expressão desafiadora. Fixei meus olhos nos seus, contando de um à três em um volume alto.

– Desculpe, você falhou.

– Tudo bem, talvez não seja tão fatal assim... Mas existem outros letais. - Ambos riram e fiquei surpresa por ser minha primeira risada de verdade desde que cheguei. Estava tarde e cansada, levantei cautelosamente.

– Preciso ir, está na minha hora.

– Boa noite, Srta. Indigente. - Disse ele, sorrindo, mostrando as covinhas em seu rosto.

– Boa noite, Sr. Irresistível. - Sebastian já estava há alguns metros a frente, hesitei ao entrar, insegura. - Ei! - Ele se virou, estava na mesma posição da última vez que o vira, as mãos enfiadas no bolço da frente da calça. - É Sarah. Meu nome é Sarah.

Você sabe qual é o seu destino?

E você esta tentando mudar ele? ]

Você está dando o seu melhor,

No seu melhor visual.

Você está rezando para superar isso. [...]

Tudo que eu preciso,

É o ar que eu respiro.

E um lugar pra descansar

A minha cabeça. [...]

Abençoe a minha alma.

Você é uma alma solitária,

Porque você não abre mão

Nada que você prende.