Sombras De Um Dia escrita por Gabrielle Reis


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Trilha sonora do capítulo 4 - Nickelback: How You Remind Me
http://www.youtube.com/watch?v=1cQh1ccqu8M



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/329626/chapter/4

Me despedir de Jess ou Susana não foi uma tarefa exatamente difícil uma vez que já havia feito isso antes, o que não significa que foi fácil. Encarar os enormes olhos azuis por trás dos óculos de minha irmã era desesperador, abraçar minha mãe tendo a sensação de uma felicidade mascarada se tornava ainda pior. Um nó se formava em minha garganta enquanto Robert nos conduzia a garagem da casa. Talvez eu já soubesse o que viria, e certamente tornaria tudo desconfortável depois de meus protestos, trazendo consigo um terrível sentimento de culpa.

Sorri ao vislumbrar o Sedan preto à minha frente. Um carro em absoluto priorizava minha lista de "itens importantes", que de certa forma foi um alívio ganhá-lo, mas como previsto, lá estava os arrependimentos por minhas atitudes tolas. Agradeci envergonhada, ansiosa para sentir o volante em minhas mãos.

A universidade não era longe, no entanto, o trânsito estava caótico. Em minutos adentrava o campus da enorme Universidade de San Francisco. A propriedade obtinha sua beleza típica de um modelo medieval, não muito diferente de Yale, mas ainda assim hipnotizante. O estacionamento estava variadamente lotado entre classe baixa e ricos, restando não muitas opções de vagas. Suspirei repetindo pela milésima vez naquela manhã: eu vou conseguir. Uma tentativa falha de fazer com que eu acreditasse em minhas próprias palavras e diminuísse o nervosismo; saltei para fora do carro enxugando imperceptivelmente minhas mãos molhadas na calça antes de retirar as malas do carro.

Após andar com um papel em meu nariz buscando informações corretas, caminhava direcionada ao meu novo quarto. À primeira vista, todos pareciam acolhedores e dóceis. Exagerei um tanto na melancolia, apesar de ter um hábito irritante de afastar as pessoas de mim, não estava acostumada com cuidado excessivo. Me satisfazia simplesmente com o silêncio.

O quarto era razoavelmente grande, suficientemente espaçoso para duas pessoas. Felizmente minha colega de quarto não havia chego, proporcionando minha escolha de cama e espaço. Não fazia do tipo que emoldurava meu canto com posters de bandas ou ídolos, em vez disso, decorava com quadros de pintura. Meus quadros de pintura. Cujo único afazer que me dava prazer, paz. As pinturas se baseavam em emoções momentâneas - não era como um "rabisco profundo" -, expressões, feições, paisagens. Algo que fosse inspirador. Observá-las fazia com que meus olhos marejassem, cada um em especial obtinha seu valor.

Uma rajada de vento ultrapassou a porta, indicando a chegada da garota com quem dividiria o quarto. Acenei com a cabeça forçando um sorriso sobre os lábios rígidos, recebendo o mesmo gesto com um sorriso mais amigável. Não estava constrangida ou nervosa por não termos trocado uma única palavra sequer, parecia que ambas se sentiam confortáveis dessa forma. Em minúcia pude analisar seu cabelo preto curto, sua pele em um bronzeado perfeito, seus olhos de um verde vívido... Me encolhi discretamente ao notar suas curvas fartas, trazendo a memória os terríveis apelidos que ouvia quando menor: Magricela, Esqueleto de Borboleta, Puro Osso, Chassi de grilo, entre outros repugnantes.

– Sou Hayle FitzPatrick. - A garota que supostamente conhecia a poucos minutos estava parada à minha frente com sua mão direita esticada em minha direção. Correspondi ao cumprimento, educadamente.

– Sarah Campbell. - A partir daí Hayle tagarelou infinitamente e conversamos por horas. Sua companhia não era tão ruim quanto a segunda impressão que tive nos primeiros cinco minutos de falatório. Tudo que sabia sobre ela bastava para não temer. Poderia riscar minhas suspeitas de: sociopata, estelionatária, terrorista, assassina, fugitiva, entre outras. Na verdade, Hayle Fitzpatrick vinha de uma família rica - o que parecia comum por aqui, depois de conhecer Sebastian -, pais separados e ausentes, se envolveu em algumas confusões escolares - desfazendo rapidamente minha ideia de plastificada superficial -, e adquiria um estilo meio rock. Era surpreendente como trocara mais de sete palavras com uma pessoa que não seja Jess ou Susana. O que também não significava que éramos amigas, significava apenas que eu teria alguém me impedindo de minha tão confortável solidão.

As aulas iniciariam amanhã, apesar das inscrições de fraternidades já estarem abertas, onde ao meu ponto de vista era uma tremenda estupidez. Todas aquelas provas e sacrifícios que faziam para entrar em uma fraternidade idiota... Certamente, fazer parte de algo do tipo não estava nos meus planos.

Depois de um dia cansativo não demorei muito para alcançar a inconsciência, sendo alvo de pesadelos perturbadores.

*********************

Tendo a precaução de chegar um pouco mais cedo, a enorme sala continha poucos universitários, aguardando entediada a presença do palestrante. Lentamente os lugares vazios foram preenchidos, seguidos por um alvoroço ensurdecedor; gritos histéricos, conversas animadas, gargalhadas estrondosas. As vozes falavam umas por cima das outras, fundindo-se num único fluxo longo de ruídos agudos.

– Bom dia, pessoal. - Um berro se sobressaiu sobre o tumulto, absorvendo toda a atenção enquanto caminhava até sua mesa. Pigarreei um tanto chocada. Ao que parecia ser o professor de literatura, poderia ser comparado a um namorado de uma irmã mais velha. Sua aparência era completamente jovem. As curvas juvenis em seu rosto, os olhos de um azul tão claro quanto o céu, os lábios avermelhados e o sorriso... Ah, o sorriso excepcionalmente branco e cativante. - Sou Dylan Craig. - Me perguntei diversas vezes como ele conseguia manter uma turma de quase cinquenta universitários entretidos em textos cansativos. Uma tarefa extremamente difícil, quando se havia mulheres interessadas em seu corpo ao invés de suas palavras. O restante das aulas se passaram pesadamente, minha pasta se transbordava em tarefas cruciais.

A brisa aliviava o calor quase insuportável de um fim de tarde. O som alto anunciava uma festa em uma fraternidade com grande faixa de boas-vindas, revirei os olhos apressando os passos para o dormitório.

– E aí. - Encarei Hayle ao meu lado, retribuindo o sorriso. Avistara a aglomeração que se espalhava embaralhadamente ao passar pelas associações, mantendo distância. – Que tal um filme?

Só se for de terror. - Respondi, fixando meus olhos na sacola inconfundível do Starbucks. Estávamos quase lá, quando paralisei desacreditada. Joguei Hayle em minha frente, encolhendo meu corpo e pronunciando todas as ofensas existentes.

Você não costuma dizer que sente muito.

Eu estava esperando outra história,

Dessa vez, eu errei.

Por te entregar um coração que valesse a pena quebrar [...]

É assim que você me faz lembrar,

De quem eu realmente sou.

Você não costuma dizer que sente muito.





Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gostaram? Sim? Não? Mais ou menos? Podia ser melhor?