The Fox escrita por Haru Chan


Capítulo 2
The Blood




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O casamento foi o evento da vila. Com certeza muito maior do que os outros, afinal, ambas as famílias eram bem afortunadas. Não passara muito tempo, e Ashley anunciou que estava grávida. O doutor local confirmara, e, então, a família Addams-Marson estava firmada, e crescendo. Agora, Tommy ia frequentemente para a floresta, acompanhado do pai e do irmão boêmio. Passava todas as manhãs na mata, almoçava com a esposa, que agora não saía mesmo de casa, e ia fazer suas entregas durante a tarde. Tinha a noite para ficar com Ashley, mas sempre dormia cedo para ter energia para o dia seguinte.

O casal era realmente feliz. Tinham uma vida boa, e gostavam muito um do outro. A mulher dedicava-se a pequena casinha que os dois compraram, na orla da floresta, e adorava cozinhar para o marido. O ar ali era fresco e limpo, um dos motivos de terem escolhido aquela localidade para viverem. Entretanto, Tommy não lenhava naquela região. Mesmo que tivesse de ir ao outro lado da vila. Dizia que aquelas árvores traziam o ar que deixava sua Ashley respirar tranquila, e não cortaria nada naquela região.

Com o passar dos dias, a barriga de Ashley crescia mais e mais, os negócios melhoravam e tudo ia bem. O marido tinha de ir mais e mais fundo na floresta, era o preço para manter a vegetação ao redor de sua casa. O pai e o irmão não gostavam disso, mas iam mesmo assim. Esta manhã não era diferente, o trio estava numa parte da floresta que jamais tinham ido antes. Tommy estava mais a frente, procurando boa madeira para lenhar, enquanto os parentes já começavam a machadar por ali mesmo. A mata era densa, a temperatura era baixa, e os sons silvestres ocupavam todo o espaço. Mas, nada de anormal, até que o Addams caçula viu uma árvore com uma mancha escura.

– Meu pai, vem ver isso aqui, por favor?

– O que foi, Tommy?

– Olha isso... Parece sangue.

– É nada... Só seiva.

– Seiva é mais grossa, meu pai. Isso é sangue sim. E seco.

– Bom, então algum animal morreu por aqui, nada demais.

– Será que não... – Mas deixou a frase se perder no ar.

Colocou-se a trabalhar, mas a mancha o intrigara. Estava alta demais para ser de um cadáver, além de não haver nenhum por ali. Mas também, estava baixa demais para ser de um pássaro ou um animal de grande porte. Na mesma hora, a raposa passou em sua mente. Tentava imaginar o que poderia ter acontecido. Teria chegado até ali viva, com certeza. Será que tinha perdido as forças e caído ali na árvore, ficado indefesa até um predador chegar? Ou poderia ter esbarrado na árvore, enquanto fugia às pressas? Não pôde deixar de se compadecer.

– Meu pai, se que o senhor poderia cuidar das entregas desta tarde?

– Por que? Está bem? Ashley passa bem?

– Sim, estamos bem, graças a Deus – Disse, fazendo a genuflexão – Eu só queria vir aqui à tarde...

– Não é por causa do maldito sangue, não é?

– Ah, na verdade...

– Ah Tommy! Você deve deixar isso pra lá! Mesmo que for um animal ferido, vai deixar de trabalhar, de cuidar da sua família, para cuidar de um animal?

– Não, meu pai. Eu queria explorar essa parte, apenas. Achar mais madeira de boa qualidade, entende? Assim, não perderíamos tempo todas as manhãs, procurando um bom lugar para lenhar, entende? – Mentiu.

– Hm, sei. Tudo bem. Mas não se acostume com isso. Vou só quebrar o galho hoje.

– Certo, muito obrigado meu pai! – Respondeu, animado.

Não gostava de mentir para o pai, mas tinha de investigar. Se fosse a mesma raposa, era seu dever cuidar dela. E se estivesse sofrendo até agora? Tommy a salvara, então, nada mais justo que ele próprio cuidar do animal ferido. A manhã foi longa e cansativa. Na verdade, a família Addams não se incomodava tanto de se embrenhar para lenhar quanto reclamavam. Em mata fechada, era mais fresco e com menos sol, o que tornava o trabalho braçal muito menos maçante. Porém, muitas vezes perdiam a hora, uma vez que guiavam-se pelo sol. Em geral, paravam de trabalhar quando a fome apertava, e voltavam para suas casas, esperando o almoço de suas respectivas mulheres. E desta vez, não foi diferente. O irmão boêmio fora o primeiro a reclamar, mas o Addams pai não permitiu que fosse embora tão cedo. Ficaram mais algum tempo, até Tommy e o senhor concordarem em partir.

Chegando em casa, o caçula depositou as lenhas que conseguir na manhã, do lado de dentro da porta, e da cozinha ouviu a mulher o chamando.

– Tommy, querido! Chegou tarde hoje! O almoço está pronto há algum tempo.

Ashley veio a seu encontro. Usava um vestido simples, marrom, e um avental pouco gasto amarrado a cintura. Era possível ver uma leve lombada em sua barriga, mas Tommy não sabia dizer se já era o bebê ou se a esposa estava realmente engordando, pois desde que anunciara estar grávida, ninguém a permitia parar de comer. O homem sorriu carinhosamente, e deu um abraço apertado na esposa, que enxugava as mãos no avental. Deu risada quando percebeu que a pequena não conseguia envolve-lo também. Beijaram-se, e foram juntos para a cozinha, aonde um almoço simples esperava na mesa.

– Você ainda não comeu?

– Claro que não, querido! Estava esperando você.

– Ashley... Você sabe que não pode ficar sem comer. E o nosso filho?

– Ele está bem, Tommy! Fique sossegado, eu comi o bastante no café da manhã, e belisquei enquanto cozinhava. E não se preocupe, mesmo que eu demorasse um pouco para almoçar, nosso filho estaria bem! Se eu continuar comendo assim, vamos criar um bezerro, e não um neném!

Ambos riram, e começaram a almoçar. O marido pensou em contar para a companheira sobre o que vira na floresta, mas achou arriscado: Ashley não compartilhava muito de seus ideais, e era bem provável que o vetasse de voltar lá.

– Querida, será que você poderia me preparar uma marmita?

– Uma marmita? Para realizar as entregas?

– Não, hoje vou voltar a mata. Preciso achar um bom lugar para lenhar, então meu pai cuidará das entregas hoje. Ele deve estar por vir, falando nisso. Deixe-o entrar e pegar as toras, certo?

– Certo, querido. Você quer algo especial na marmita? Ou as sobras do almoço?

– Não, pode colocar bastante carne.

– Bem, terei de fritar, então. Dá tempo?

– Frite apenas algumas. Não há necessidade de fritar todas. – Ashley o olhou, pasma. – Digo, quero alguns bifes crus para poder colocar sob os ombros. Estão doloridos.

Arrependeu-se de mentir novamente. Principalmente porque a esposa o conhecia bem demais, e percebeu, no olhar sentido da pequena, que ela desconfiava da veracidade de sua fala. Desviou o olhar e foi para a entrada, no pretexto de esperar o pai. Aproveitou para separar o machado, e também um lençol limpo. Guardou-os no mochilão que costumava levar para a mata, tendo a certeza de que a mulher se ocupava na cozinha.

Quando, finalmente, pegou a cuia com os bifes, pôs-se a correr. O pai ainda não chegara, mas não era um problema. Estava muito preocupado com a raposa, e Ashley estava avisada, então não poderia dar nada errado.

Correu até o local aonde vira o sangue. De lá, começou a rodear, olhar sob os arbustos, embaixo das raízes, atrás de grandes pedras, ou em qualquer lugar que, supôs ele, coubesse uma raposa ferida. Achou, na trilha, um rastro de sangue. Não tinha reparado antes, mas era seco e escuro, quase imperceptível, mas estava ali. Teve de passar a mão para certificar-se que não era terra, e começou a seguir a trilha.

Não foi exatamente um caminho fácil. Por vezes, o sangue misturava-se de tal forma com a terra, que por longos trechos nada podia ser visto. Além disso, não parecia ter um sentido lógico. Obviamente, afinal um animal ferido provavelmente estaria cambaleando, correndo e mancando, o que deixava a trilha totalmente irregular. Mas, antes de chegar ao fim, já entendeu aonde iria parar. Viu, a frente, um grande buraco numa árvore velha e larga. Provavelmente, a toca.

Aproximou-se cautelosamente, e viu que, de fato, estava certo. Lá estava, deitada de costas para ele, a raposa. Seus pelos alaranjados estavam manchados de sangue, mais do que deveriam, pensou Tommy. O corte não fora tão profundo. Mas viu um vulto atrás do animal, e logo percebeu que era uma hiena. Estava dilacerando o cadáver da raposa. Num instinto, soltou uma exclamação, que atraiu a atenção do carnívoro. Mas essa não era a pior parte. De dentro, saiu uma outra hiena, com o que parecia ser uma bola de pelos na boca: Tinha um filhote de raposa nos dentes.

Tommy pensou em pegar o machado, mas logo voltou a si. Não faria sentido, matar uma hiena para salvar uma raposa morta. Sem movimentos bruscos, pegou do mochilão a cuida de barro, que continha os bifes que Ashley preparara para ele. Arremessou alguns para o lado oposto, o mais forte que pôde, e ambas as hienas correram atrás. Aproveitou essa hora para ir até a toca. Quando chegou lá, viu o cadáver da raposa, que supôs ser a mãe, e ao lado, o neném que acabara de ser largado pela segunda hiena. Mais ao fundo, um outro filhote morto, e no fim do tronco, um terceiro. Olhou com pesar para o buraco na árvore, e sentiu uma imensa vontade de chorar.

Teve o cuidado de jogar mais alguns bifes para as hienas, que se entretinham com as carnes, e então, achou que deveria voltar. E assim o teria feito, se não tivesse ouvido um grunhido. Quando olhou na direção do som, viu que o terceiro filhote estava vivo. Surpreso, enfiou-se na toca, pegou-o pelo cangote e aninhou-o no braço, deixando a cuia aos seus pés. Afagou-o um pouco, sorrindo. “Ah, seu pequeno sortudo...” Pensou Tommy. Mas, logo foi trazido de volta a realidade, vendo que as hienas se aproximavam, rosnando a sua maneira hilária. Não havia muito a se fazer. O rapaz enfiou o filhote na mochila, e deu um forte pontapé na cuia, que voou longe, espalhando bifes fritos e crus pela terra. Ashley teria de perdoa-lo pela louça espatifada, mas era sua vida ou a cuia. Correu, enquanto os caninos se divertiam com a chuva de bifes. Correu o máximo que pode, sentindo o seu novo tesouro se mover incomodamente às suas costas.


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Notas finais do capítulo

Bom, acho que ficou um pouco corridão, mas é a vida.



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