Spirited Away 2 escrita por otempora


Capítulo 36
O coração consumido de Kohaku




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Chihiro puxou a cabeça de Haku para seu colo, as lágrimas que ele derramou atravessando o tecido, penetrando dolorosamente em sua pele; escutou o suspiro de alívio diante de suas ações. Nunca acreditou que ele fosse verdadeiramente mau; estava consolada depois daquela história que Haku contara. Até podia permitir certa felicidade, que era abalada por toda a melancolia e fatiga.


Passou lentamente os dedos pelo cabelo dele, tomando o cuidado para não desarrumá-lo.


Mas logo deixou suas mãos caírem moles ao lado de seu corpo. Restava ainda uma dúvida que pesava em seu peito.


Haku notou a mudança em sua atitude, erguendo o corpo pesadamente.


- O que foi, Chihiro? – a maneira que ele a olhava, quase a fez perder a linha de raciocínio. Ela respirou profundamente, baixando a vista. 


- Preciso saber de uma coisa, Haku.


Ele assumiu uma postura que ela desconhecia nele, as costas ficaram eretas, o maxilar se retesou; assumindo uma posição quase solene. Os olhos perscrutaram seu rosto demoradamente antes que assentisse lentamente, uma majestade única emanando de seu ser, as lágrimas brilhantes que ele não secara presas em seus traços bem formados, fazendo-o brilhar numa áurea divina e inalcançável. Chihiro, naquele momento, pensou que ele pudesse estar longe demais dela, inatingível em seu esplendor. Algo que ela, minúscula e comum, nunca poderia alcançar.


Pois a beleza dele tocou em seu coração, provocando-lhe uma dor que ela não conseguiu conter. Era demais para ela...


Por um momento, enquanto a seriedade daquele rosto permanecia inalterável. Chihiro refletiu que ele nunca poderia entendê-la.


E então a voz de Boh soou tão clara a seus ouvidos que era como se ele estivesse naquele aposento, não prestou atenção no que ele dizia, só naquele som esquecido nos cantos da sua mente, procurou-o com os olhos em vão. Notou que se passara tanto tempo desde que o vira pela última vez e que havia feito coisas tão erradas...


Sua consciência soou como um despertador pela primeira vez naquele dia. Seu coração se tornando pesado demais para que pudesse agüentá-lo. O “eu te amo” que deveria ter dito fazendo pressão em sua garganta. A porta batendo ecoando repetidas vezes na sua mente, indicando que ele se fora. Sentiu um frio repentino.  


- Está se sentindo bem? – Haku perguntou.


Não, ela não estava. Pois subitamente havia entendido que algo de muito ruim acontecera com Boh.


Lutou para controlar as lágrimas que ardiam, teimando em sair. A respiração tornou-se entrecortada pelos soluços. A vergonha tomando conta dela.


Não havia conseguido se refrear diante de Haku...


E o pior, tinha certeza que era isso que Boh já esperava. Sabia que, por vezes, era a causa de sua infelicidade. Mesmo que ele nunca houvesse dito nada, nunca tivesse tentado detê-la por qualquer atitude que pudesse tomar.


Tentou com todas as suas forças desviar seu pensamento daquilo. Precisava ser racional... saber a verdade. Guardar sua traição numa caixa reservada de seu coração, para que pudesse sofrer e pensar sobre isso mais tarde. Quando não tivesse problemas tão urgentes para resolver.


Gradativamente, foi se acalmando. Respirando normalmente, sem que a dor penetrante parasse cada vez em que seus pulmões se enchiam de ar.


Olhou para o entorno, registrando cada detalhe do grande aposento, as paredes com um tom azul claro, todos os adornos transparentes, o que lhe causou uma impressão estranha. A única e gigantesca cama, bem no centro, os lençóis propositalmente da mesma cor das paredes, gerando desorientação.


E depois dessa detalhada análise, quando não mais poderia protelar as necessidades momentâneas da verdade. Curvou o corpo para trás, deixando seu corpo recostar-se por alguns segundos nos travesseiros macios.


Haku tentou tomar as mãos de Chihiro novamente, mas ela não permitiu. Algo deveria ter acontecido em sua mente durante aqueles longos minutos em que ficara calada, mais pálida que o normal. Temeu, somente por segundos que suas memórias daquela experiência houvessem retornado.


Precisava que Chihiro ficasse perto de si; do contrário, nunca conseguiria ser livre completamente. Numa vida eterna, na qual seria obrigado a fazer coisas que não desejava. Coisas que lhe magoariam profundamente por possuir um coração.


Chihiro nunca poderia saber que estava ajudando o inimigo, nunca o perdoaria.


Foi com apreensão que viu seus olhos escurecidos o fitarem; como se soubessem de algo e sofressem por conhecer a verdade que ele tentou com todas as suas forças esconder.


- Haku... – ela começou. Mas ele não permitiu que prosseguisse.


- O que aconteceu, Chihiro? Não está se sentindo bem? – segurou o queixo dela entre seus dedos, para que ela não pudesse escapar. Pelo que sabia, Chihiro nunca conseguiu mentir. – Olhe para mim. – seu pedido chegava a ser brusco, mas fez com que ela não desviasse seus orbes quase negros de seu rosto.


- Só estou preocupada... – percebeu, pelo tom de voz hesitante, que Chihiro estava tentando abstraí-lo do que pensava.


- Chihiro, sabe que pode me falar o que for preciso.


Ela estranhou a escolha de palavras de Haku.


- Por que matou Zeniba? – soltou sem pensar. O coração começou a disparar contra sua caixa torácica.


O olhar que Haku lhe destinou a fez estremecer, era tão gélido. Passou as mãos pelos braços, num gesto de proteção. Ouvindo-o respirar profundamente e depois trazer suas mãos para a face, impedindo-a de ver sua expressão.


- Eu... eu sinto tanto. – a maneira que ele falava era digna de compaixão. Ele se balançava para frente e para trás seguidamente. – Não tinha um coração que me ajudasse a ponderar, que me fizesse parar. Primeiro vi a sua energia e a de Boh sumindo repentinamente, não soube o que fazer... Você não aparecia novamente e eu passei a ficar apreensivo. Sabia que haviam estado na casa de Zeniba antes de irem para aquela caverna horrorosa... Fui até lá. Não pode imaginar o que aconteceu. Primeiro, comecei a indagar sobre o paradeiro dos dois e ela dizia que não iria responder. É uma velha muito obstinada... – comentou. – Pensou que fosse fazer algum mal a vocês.


“Mas você não pode imaginar. – prosseguiu ele. – Eu senti meu coração mais próximo de mim do que esteve durante todos os longos anos em que vivi sem ele. Estava ali... simplesmente ao alcance das minhas mãos. Tão perto. Isso nunca justificaria o que fiz. Mas, Chihiro. Ele estava ali e Zeniba não queria dá-lo para mim. Dizendo que eu era um monstro e não poderia ter um coração para recuperar... O que fiz foi tão errado. E eu sinto tanto; agora posso sentir, de verdade, o que eu tenho feito durante todo esse tempo.”


Fechou os olhos, aguardando a sentença que a garota lhe imputaria. Ouviu Chihiro suspirar pesadamente, e se mover, com evidente incômodo naquela cama. Ele balançou a cabeça e virou-se para ela, tomando as pequenas mãos entre as suas.  


- Não diga para que fique longe de você. Não posso mais fazer isso, Chihiro. – ele dizia a verdade, quase implorava pela permanência da garota. – Preciso de você...


Ah, se sua consciência não a atormentasse tanto! Se aquela dor não retornasse pungente, batendo naquela ferida tão recente.


- Ficamos tanto tempo separados... não pode partir agora. – ele argumentava, trazendo de volta todos aqueles anos de abandono que Chihiro sofrera, aguardando a chegada dele. E Haku nunca apareceu.


Ele não imaginava o quanto lhe doía ouvir aquelas coisas. Haku dizer que ela precisava ficar, quando primeiramente foi ele quem a deixou.


- Deixe-me em paz. – pediu. Não agüentaria mais olhar nos olhos deles, não agora.


- Mas Chihiro.


- Me deixe sozinha, Kohaku.


Haku assentiu lentamente. Levantou-se com um cuidado excessivo, procurando vestígios de raiva na expressão de Chihiro, sem conseguir ter a certeza do que a incomodava. Deu as costas para ela, batendo a porta do seu quarto.


Um barulho que ficou ecoando inúmeras vezes na mente de Chihiro, como um lembrete de Boh.


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