Spirited Away 2 escrita por otempora


Capítulo 30
O beijo da morte




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- E agora? Onde estamos? – Chihiro perguntou desorientada. Estava se sentindo fraca e exausta, quase desejando voltar para seu próprio mundo. Queria sentar-se e conseguir pensar, sua cabeça doía terrivelmente.


O olhar de Boh perscrutou o ambiente ao redor, suas sobrancelhas se arquearam num súbito entendimento.


- Vamos ver o que Haku fez antes de fechar o portal. – explicou num tom de voz calmo. Aparentemente, parecia inalterado pelo que haviam visto até agora. Porém, mudanças minúsculas haviam se operado nele. Havia uma linha de tensão em sua testa, que dava a impressão de ter sido talhada ali. Seu rosto trazia uma expressão grave e indeterminada, como se estivesse ainda tentando se decidir a respeito de alguma coisa. A nobreza presente, agora mais do que nunca, em seu queixo, nariz e olhos, que traziam uma profundidade semi-oculta anteriormente. Chihiro notara tudo isso. Queria poder ficar a sós com ele para que pudessem conversar. Bou era sempre paciente com ela.


Desejava esquentar-se em seus braços e ter a certeza de que ali estaria segura. Mas temia não saber o que viria do futuro. E isso trouxe de volta aquela dor, pois quase lhe doía ver aquele Boh surpreendentemente belo e altivo. A dureza na linha do maxilar; como se o seu Boh estivesse escapando.


Segurou a mão na frente do peito, tentando diminuir aqueles sentimentos. Havia ainda um longo caminho a trilhar e ela deveria ser forte.


Soltou um suspiro pesado, o qual atraiu a atenção de Boh. Que tinha todos os sentidos em alerta e de súbito, quando seus olhos se encontraram ele relaxou perceptivelmente. Os ombros caíram um pouco e um minúsculo sorriso se assomava a seus lábios.    


- Esta quase acabando. – disse complacente. A voz tomada de suavidade compreendendo o que a menina sentia.


- Como sabe? – perguntou com estranheza.


- Posso sentir. – voltou novamente seu rosto para frente, o sorriso sumindo de sua boca. 


Retornou ao estado meditativo, o semblante belo e distante. Como se estivesse contemplando algo privado. Sem virar-se para a menina aproximou sua mão da dela, enlaçando os dedos nos seus.


- Estão quase chegando. 


A expectativa dos dois era quase palpável na respiração contida. Uma mulher velha e encurvada corria desajeitada, tropeçando na barra do vestido já sujo de terra e grama. Mesmo ofegante, não parou nenhum segundo. Trazia um embrulho no braço o qual carregava com extremo cuidado, como um bem muito precioso.


- É Zeniba, ela está levando a minha irmã. – explicou Boh.


Um estrondo suplantou sua voz. Chihiro olhou para o céu procurando algum sinal de chuva, contudo, o céu estava limpo acima deles, a não ser por uma espécie de negrume que começava a tomá-lo em lugares distantes se aproximando a uma velocidade considerável.


Logo atrás, apareceram duas figuras altas e vestidas com longas capas escuras. Avançavam rapidamente com expressões temerosas. Um deles tropeçou e caiu estatelado na grama, seu companheiro, mais alto e com cabelos compridos, ajudou-o a se erguer, dizendo algumas palavras em voz baixa, seguida por um assentimento do que havia caído. Aguardaram impacientes e ansiosos.


Não precisaram esperar muito tempo... Chihiro tremeu com a ainda distante visão de todas aquelas cópias de Sem Rosto.


Eram seis, mas agrupados daquela maneira numa massa agrupada, grande e exalando podridão, pareciam ser muitos mais. E mais fortes que os dois minúsculos homens que os aguardavam eretos.


- Vocês vão conseguir derrotá-los? – perguntou a menina sem conseguir se conter.


Agarrou o braço de Boh num momento de desespero, sem saber o que iria acontecer. Queria acreditar que tudo ficaria bem, a evidência material estava diante dela. Encarando-a com uma expressão impenetrável que a irritava.


Aquela barreira se desfez num segundo, quando reparou verdadeiramente em Chihiro. O rosto ficou desfigurado, triste e contorcido por uma dor antiga e que ela não podia compreender. Não tinha mais aqueles traços altivos e imperiosos, os ombros caíram de maneira perceptível.


Era novamente um jovem magro e cansado demais.


Chihiro percebeu com quem ele se parecia com aquelas maneiras tensas e alertas. A fronte soberba e irreal.


Era com Haku. Seria por isso que aquilo a irritava tanto? Teria tanto medo de perdê-lo?


Sabia que a resposta era positiva. Embora essa não fosse a pergunta que deveria fazer. Talvez isso só traísse o medo que possuía de que Haku retornasse a vida.


E Bou há uma pouca distância lutava ao lado dele. Indagou-se o que ele estaria sentindo... se estaria orgulhoso de si mesmo por Haku considerá-lo dessa maneira. Ou se o odiava.


Eram sentimentos tão contraditórios e frágeis! Retirou-se deliberadamente destas abstrações. Convenceu-se de que estava pensando coisas absurdas e que deveria ignorá-las.


Lançou um olhar preocupado para o improvisado campo de batalha, onde os dois estavam. Sendo açoitados pelos golpes daqueles seres que não deveriam existir. A lógica deixou de existir por alguns instantes. Os dois recuaram em movimentos iguais e labaredas de fogo escaparam de seus corpos. Haku e Boh os controlavam, formando um único e poderoso dragão, que os unia, cernes diferentes, que, como dois domadores controlavam o fogo. Chihiro, por um momento duvidou que fossem dois, os gestos das mãos perfeitamente sincronizados, as pernas abertas em posição de luta, à direita na frente da esquerda.


Mas os cabelos de Haku se agitaram açoitado o ar, numa dança agressiva e particular. E a magia se desfez e Chihiro saiu de seu estupor. Pois Haku agora a dominava, era o mais forte e Boh inexperiente somente o ajudava a manter aquele fogo forte.


Não era uma competição entre iguais para averiguar quem era o melhor. Eles tentavam salvar suas vidas e pareciam estar conseguindo. As cópias de Sem Rosto estavam acuadas em um anel de fogo que as detinha. Eles temiam o fogo, Chihiro notou pela primeira vez.


Não ousavam atravessar aquela linha imposta. Faziam sons animalescos, urrando entre si. Tentando achar alguma saída. O desespero imprimido em suas máscaras. Eles, que provocavam a morte teriam medo dela? Não tinham um rosto para que ela lhes roubasse, nem um coração, o que poderiam temer ao encontrar o reino da morte? O sofrimento eterno? Eles se divertiam com ele!


Teria restado alguma parte inerente de Sem Rosto neles? Ele não era mau. A menina acreditava nisso.


Lembrou-se do pedido que ele lhe fizera. Seria algum dia capaz de cumpri-lo? Não conseguia acreditar que fosse capaz...


- Chihiro? – Boh lhe chamou.


Ela voltou-se para ele e seu coração ficou apertado novamente. Sentiu vontade de chorar.


- Está se sentindo bem?


- Você vai ficar bem? – ela perguntou interrompendo-o. Sem saber como se despedir.


- Sim, eu vou para o mundo humano com Zeniba. – respondeu entendendo errado o sentido de sua indagação. - Está acontecendo agora... – disse desviando a atenção da menina.  


De fato, eles se aproximavam da saída. O rio transbordando enquanto as cópias tentavam atravessá-lo. Elas haviam se livrado do fogo, o qual cessara pouco depois que Haku saíra correndo atrás de Zeniba e Boh.


O homem dava instruções apressadas em voz alta a Boh; a respiração ofegante fazia-o outro ter dificuldade para entender, contudo ele assentiu sob o olhar severo de Haku. Iria fazer o que era mandado, não tinha mais disposição para discutir.


Guiou sua tia até a saída, lançando um olhar preocupado para verificar se sua irmã estava bem. E partiram.


Haku viu-se sozinho, mesmo assim, tinha aquela força inerente, quase irradiando de sua pele. Mal sabia que Chihiro estava ao seu lado ao alcance de sua mão, mas não poderia tocá-la. Pois apesar de sua proximidade, nunca estivera tão distante.


Cruzou os braços num gesto de desafio para seus atacantes, usou as energias restantes para trancar o portal e, fraco, tentou se manter de pé. Cerrou as pálpebras fortemente, cambaleando. Estava pronto para partir.


Num último momento, soltou um murmúrio:


- Chihiro.


Uma sombra escura começou a envolvê-lo. Os braços incorpóreos se estreitando em torno dele, apoiando-o nesses últimos instantes. Uma boca se aproximou da de Haku dando-lhe um beijo de despedida, engolfando-o em sua escuridão, até que não restasse nada.


  


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