Spirited Away 2 escrita por otempora


Capítulo 31
Ato de Proteção




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/32823/chapter/31

Eles permaneceram deitados no chão sob um colchão de folhas macias e novas que preenchiam todos os espaços que porventura pudessem estar vazios. Era início de outono, mesmo assim, a árvore próxima a eles estava com os galhos completamente nus.


Chihiro aproximou seu corpo um pouco mais ao de Boh. Ele passou os dedos distraidamente por seus cabelos e sua caixa torácica se elevou, devido a uma respiração mais profunda.


Não tinham o desejo de falar. Desejavam esquecer, tinham medo do que estava por vir. O futuro era incerto demais e eles não tinham mais forças para caminhar.


Boh tomou a mão da menina e verificando que era muito menor que a sua, deixou ambas caírem em sua barriga. Brincou com os dedos de Chihiro, num gesto que passava despreocupação. Impressão traída por seu rosto sombrio, linhas de cansaço marcada embaixo de seus olhos amendoados, mordia os lábios com tal força que o perfurou, sem notar o sangue.


- Temos que ir. – a voz saiu mais grave do que ele se recordava.


A cabeça da garota balançou em seu peito. Ele não fez menção de se erguer. Cerrou as pálpebras para tentar enxergar tudo com clareza, mas imagens difusas e rápidas dominavam sua mente, não conseguia extrair delas uma sequência lógica. Somente o absurdo de que Haku havia enganado-os.


E isso era a verdade, mesmo que fosse num mundo estranho e sem coerência. Não podia defendê-lo, não desta vez. Não podia e não culparia a si próprio pelos erros que ele cometera.


Ergueu a mão para conter o choro que lhe acometeu. Era estranho ver-se subitamente livre de todas aquelas pesadas correntes que o prendiam, como se seus braços e pernas, desajeitados, não acompanhassem seu movimento.


Sentia-se estranhamente frágil e indefeso sem aquelas correias, pois era nelas que se sustentava, usando o artefato errado para ser seu apoio. Agora necessitava aprender a viver sem elas.


Uma vida na qual Haku não era mais seu ídolo, onde não tinha nenhuma figura em que se espelhar. Estava sozinho.


Mãos minúsculas tocavam-no, um contato cálido que se assemelhava ao do vento. Limpando suas lágrimas, sussurrando palavras calmantes que ele não conseguia entender, mas que lhe traziam uma sensação quente. Fazendo lembrar-se da presença. Recordando-o de um carinho, o qual imaginava ter perdido no turbilhão confuso que foram as últimas horas – ou segundos? Não tinha certeza.


Chihiro permanecia ali, os olhos arregalados demais, semelhantes aos de uma coruja e ainda assim, bela. Pois o sol brilhava em torno de seus cabelos escuros e bagunçados, fazendo parecer que acordara de um sonho ruim.


- Temos que ser fortes. – falou com determinação. Seu nariz torcendo-se para a expressão de Boh.


Levantou-se de um salto, como se sua energia tivesse sido renovada durante aquele pequeno descanso. Ficou de costas e ele pode entender o esforço por trás daquela alegria súbita. Ela voltou-se para ele com um sorriso pronto, incitando-o a se erguer.


Juntou suas forças para aquele simples movimento, tinha medo de cair. Não desejava se mostrar fraco diante dela, não agora.


- Eu sei. – falou alto, reparando o quanto sua voz estava mudada. Pensou durante alguns segundos, olhando no entorno. – Creio que estamos perto da casa de Zeniba. Não faço ideia de como viemos parar aqui, mas nós vamos ter de caminhar. Não consigo transformar-me em dragão. 


Chihiro tomou a sua mão e deixou ser conduzida em silêncio. A floresta estava estranhamente quieta pelas trilhas que pegavam sem alguma demonstração de indecisão de Boh. Ele enveredava pelos caminhos iguais com uma inquietude lhe pesando no peito. Detectava fagulhas de energia nas proximidades, mas não podia afirmar com certeza se era algo perigoso.


Franziu a testa para a impressão que tinha. Parecia que estavam se escondendo, não queriam ser identificados. Tentou descartar esse pensamento como algo absurdo, apesar de seu lado racional argumentar a lógica irrefutável de que só poderia estar certo.


A garota estremeceu ao seu lado, odiando a quietude que os cercava, tornando o espaço escuro e claustrofóbico.


- Tem alguma coisa errada. – comentou para tentar romper aquele efeito da atmosfera. O som era quase um grito: ofensivo e desesperador.


- Estou com a mesma sensação. – respondeu depois de um longo tempo. Em que os dois pares de pés faziam barulho muito alto ao pisar em galhos e folhas secas. – Não quero nem imaginar o que vai acontecer se formos pegos aqui desta forma.


Seu comentário provocou um novo tremor em Chihiro, dessa vez mais fraco. Ele espiou-a sutilmente, observando a palidez em seu rosto. A coragem havia lhe abandonado, voltara a ser uma pessoa comum e assustada, no corpo de uma criança.   


- Vou te proteger.


Ela sorriu e por mínimos e fugazes instantes seu rosto se iluminou.


- Não precisa se preocupar dessa maneira. Estarei do seu lado, Bou. – disse seu nome de uma maneira tão doce, que a vontade de beijá-la o tomou.


Capturar seus lábios num beijo eterno e despreocupado; podiam passar horas olhando dentro dos orbes do outro, somente mergulhados sem temer se afogar. Queria ter apreciado com ela tempos mais calmos.  


- Mesmo que estejamos longe. – ela acrescentou como uma previsão. E o brilho de seu rosto esmaeceu e tornou-se triste. Estancou. Segurando a face de Boh entre suas mãos, acariciando as linhas do maxilar que a pinicavam pela barba por fazer. – Não tenha medo de dizer adeus. – disse o que ambos evitavam com todas as forças durante aquele tempo.


- Não quero ter que ver você partir novamente, Chihiro...


Ela grudou seus lábios aos dele, calando-o. Diminuindo aqueles anseios, desejando que ele ficasse protegido durante o tempo em que se distanciariam, pois isso se tornara uma verdade. Tinha certeza dela, no fundo de seu coração.


Naquele infinito instante estavam próximos. Chihiro tocou o prendedor de cabelo que Boh fizera há anos atrás. O tempo lutava contra eles e isso os fazia inexoravelmente separados, mas algo ocorrera.


Seu amuleto brilhou, transmitindo-lhe força, preparando-a para a beligerância que viria.


Boh afastou-se de Chihiro, com um olhar feroz. Pareceu ter crescido durante aqueles segundos, as feições nobres surgindo novamente, dessa vez não era a Haku que ele se assemelhava. Era a sua própria majestade surgindo.


Chihiro permanecia minúscula, ainda menor perto dele. As feições estranhas fazendo-a se assemelhar a uma fada. Uma fosforescência especial emanando de seu corpo.


Estavam indo de encontro ao destino.


Com as energias repostas foram de encontro à velha cabana de Zeniba, sem recear o que pudessem encontrar.


- Eu te amo. – Boh sussurrou nos limites da floresta. As árvores absorveram suas palavras amorosas, brotou uma vida diferente nas folhas. Uma existência que não conheciam antes; uma força intrínseca naquelas simples três palavras. Pássaros ousaram se aventurar a por as cabeças para fora dos ninhos, a soltar notas ainda fracas e melancólicas, chorando o sol perdido.


Um vento agitou os seres, um sopro de vida e frescor. Não veio a luz, mas a tudo que deixavam para trás era permitido viver. Permitido resistir. O mal não tocaria mas aquele lugar.


A porta da casa da velha estava aberta, na certa aguardando. A cortina moveu-se, balançada por algo que não conseguiam ver.


- Em frente. – disseram ambos.


Zeniba apareceu encurvada no umbral da porta. Os braços estendidos para que pudesse recebê-los. Como uma mãe que tivera seus filhos afastados de si por um longo tempo, que agora não tinha mais forças e nem a juventude. Desejava que eles dessem tudo de si e que tivessem paz. Um futuro melhor que o dela própria.


Queria dar uma última benção antes de partir, olhar no rosto dos dois e conseguir ver que estavam crescidos, que não precisaram e não precisariam mais dela. Contudo, tinha mais uma coisa a dizer.


O sorriso de Chihiro sumiu. Ela avançou descuidadamente, sabendo que havia algo errado.


Zeniba não queria partir, não ainda. Precisava falar a eles, devia aguentar um pouco mais somente. Depois seria permitido descansar. Mãos seguravam-na, mas sua voz não saía, estava presa em sua garganta. Boh estava a sua frente, chorando. Ela quis secar suas lágrimas, dizer que amava seu menino. Não tinha voz. Não podia salvá-lo. Desesperou-se, mas não conseguia chorar. Prostrada e inútil. Sempre fora assim.


Nunca pode fazer nada por aqueles que gostava.


Não tinha mais sentido permanecer. Iria desejar que tudo desse certo.


Eles estão em casa... – foi seu último pensamento congruente.


Num suspiro ela se esvaiu...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Spirited Away 2" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.