Spirited Away 2 escrita por otempora


Capítulo 29
A fragrância de uma lembrança




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Estavam sendo transportados para um lugar diferente. A neve caia abundante, mesmo assim eles conseguiam andar facilmente por aquela paisagem alva. Chihiro notou com alívio que haviam saído do claustrofóbico escritório de Yubaba.


Agarrara-se em Boh por causa do frio intenso, tentava segurar os flocos em suas mãos, mas eles derretiam muito rapidamente. Sem saber o motivo, soltou uma risada que soou melancólica aos ouvidos dele. Mesmo assim, conseguia divisar algum brilho de felicidade, ela adorava a neve.


Pegou Boh olhando-a com uma expressão estranha, um misto de admiração e algo que não conseguia definir.


Ele não dizia nada. Continuava imóvel como uma estátua, analisando os traços da menina com cuidado. A linha do maxilar tesa demais; a boca se contraindo numa linha como se não tivesse certeza se deveria falar o que pensava. Seus olhos brilhantes escondidos atrás daqueles óculos quadrados. Chihiro estendeu a mão para eles, livrando o rosto de Boh da armação que escondia parte de sua beleza. E o que encontrou lá ao se voltar para os olhos foi uma visão que penetrou em seu coração, parou de respirar. O frio não existia mais. Somente aquela sensação angustiante como se ele fosse desaparecer.


- Por que está chorando? – perguntou assustado com sua súbita mudança de humor. Ergueu o polegar secando a lágrima que rolou pela face da menina.  


- Tenho a impressão de que tudo isso é um sonho... que se eu fechar os olhos você vá desaparecer.


Bou não comentou. Lançou um olhar dolorido para o monte de neve a sua esquerda. Respirou pesadamente.


- Não deve ficar pensando nisso. - bronqueou. De repente, para ele ficou insuportável olhar para o negrume dos olhos arregalados de Chihiro. Tomou os óculos da mão dela, como uma máscara terrivelmente necessária para a ocasião. Temia que aquelas lembranças tivessem-na afetado de alguma maneira. Reprimiu seus anseios egoístas. Era hora de agir. Não deveria deixar-se levar por seu coração dessa maneira. – Temos que ir embora, Chihiro. – apressou-se. Fugindo de si mesmo. Tentando encontrar uma saída para que não tivesse que confrontar os sentimentos de Chihiro frente a aquela revelação.


Depositou um beijo na bochecha dela, foi o máximo que se permitiu. Uma sombra de afeição. E se afastou, sentindo-se surpreendentemente vazio. Como se não tivesse suportado sentir o que sentia, virou o rosto, mirando uma árvore coberta de neve. Não conseguiu manter seus olhos longe da fronte de Chihiro. Da maneira um imã o estivesse puxando. E encontrou uma garotinha assustada, pálida e fraca. Os olhos dilatados numa espécie de terror, como se estivesse pressentindo uma partida não planejava. Diziam adeus silenciosamente. – Temos pouco tempo! - Como se estivesse prevendo que algo terrível estivesse os esperando quando emergissem daquelas lembranças.


Sobreveio uma necessidade latente de tocá-la, para confirmar se era real e não uma aparição produzida por sua mente. Um eco fraco da verdadeira Chihiro, que estaria vivendo sua vida em algum outro lugar, feliz e a salvo.


Ela suspirou e o encanto se desfez, o brilho fervoroso que emanava de sua pele se desfez, como se precisasse de uma máxima concentração para produzir aquele encanto. “Não seja tolo, Bou.” – disse a si mesmo. Tentando recuperar a seqüência das ações, recordar corretamente as expressões, os gestos e as palavras de Chihiro. Descobriu-se incapaz de fazê-lo.


Durante aqueles fugazes instantes procurava respostas no rosto da garota. E ela nada falava. Exasperado passou a mão em seus cabelos. Não entendendo com clareza o que estava sentindo.


Segurou Chihiro pelos ombros como se ela tencionasse escapar. Deparou-se somente com bondade e aflição.


- Não deve ficar pensando nessas coisas. – repetiu para deixar a mensagem clara. Alertando a Chihiro e a si mesmo.


Não conseguia livrar-se daquela sensação que a garota lhe passara. A aflição de que se separariam em breve. Tentou memorizar o semblante dela, prendendo-se em cada traço da fisionomia.


- Temos que ir. – disse com pressa. Não conseguindo refrear suas ações contraditórias. Virou-se pronto para partir, quando uma voz minúscula o chamou. Imaginou se não era somente um sussurro do vento cortante que os fazia tremer.


- Bou. – somente um nome. Uma única palavra que o fez estancar.


- Sim? – murmurou sem esperar resposta.


Mãos pequenas tocaram-lhe as costas, seguindo para sua cintura e enlaçaram-se na frente de seu corpo. A cabeça da menina pousou em seu dorso.


Seu coração acelerou com aquele simples contato. Chihiro estremecia por causa do frio e ele murmurou um feitiço para que se esquentassem. O calor instantâneo preencheu seus corpos. E mesmo assim ninguém se movia. Estavam presos involuntariamente naquela posição de dois amantes. Ele grande e desajeitado abraçado por uma quase criança de olhos graves que agora se fechavam, entregando-se a aquele momento.


- Não me abandone dessa maneira. – ele pensou ter escutado. Não podia ter certeza, com o som de seu coração martelando-lhe nos ouvidos.   


- Temos que ir. – a voz de Chihiro agora estava mais alta do que o vento uivante. Suspirando pesarosa por ter de continuar.


Largou-o deixando um rastro quente como a fragrância de seu toque, que esfriava rápido demais. Seguiu-a para dentro de uma cabana. Ele recordou-se de todos aqueles amuletos dependurados precariamente nas paredes do lado de dentro. A pintura sempre de uma cor triste e indefinida, os móveis gastos e escassos.


Lá dentro estava o igualmente idoso e sujo Kamaji. Remexendo em seus ralos cabelos.


- Ele foi despedido logo que você partiu. Yubaba descobriu que ele tinha te ajudado. E havia surgido outro aracnídeo procurando por emprego. Não era tão bom quanto Kamaji... – deixou o resto da fala em suspense.


Vinha uma figura de Haku saindo das sombras. Ele andava nervosamente cobrindo o aposento com suas passadas compridas. Os cabelos haviam crescido balançando soltos em suas costas. Ele era lindo e sombrio, parecia inumano. As mãos se agitavam em gestos impulsivos e vigorosos. Seu corpo era de uma palidez mortal, os músculos evidentes e tensionados. O conjunto era grosseiro.


- Tem que haver alguma forma... – murmurava para si mesmo.


- Já disse que não há meios bons de fazer com que você se liberte. – Kamaji estava tenso e respondia com aborrecimento.     


- Preciso sair daqui, Kamaji! – disse com vigor. Os olhos de passarinho com um brilho fantasmagórico. – Eu fiz uma promessa a Chihiro.


- Já pensou que milhares de coisas podem ter acontecido com aquela menina? E se ela estiver casada? Ou pior, morta?


Haku estremeceu.


- Mesmo assim, eu cumpri a minha parte. Não a culparia por seguir sua vida depois de tantos anos. Porém, preciso vê-la somente mais uma vez, ter certeza de que está bem. – bateu com o punho direito na palma da mão esquerda. Uma expressão dolorida surgiu em seu rosto. – Sei... – parou respirando profundamente, tentando se controlar para encontrar as palavras. – Sei que você não me deve nada. Mas é minha única esperança; nunca lhe pediria isso se não estivesse desesperado. – ele balançou a cabeça, odiando sua fragilidade. A testa franzida dando-lhe um ar severo. – Preciso que você me ajude. Conte o que tem escondido de mim durante todos esses anos. Corro risco de vida aqui neste mundo. Yubaba não me deixará escapar. Tenho que conseguir meu coração de volta.


Kamaji acenou com a cabeça um tanto estupefato. Ajustou os óculos escuros que caíam em seu nariz.


- Não entende o quanto isso poderia prejudicar a você ou a todos ao seu redor, Kohaku? – suspirou, encarando as chamas crepitantes, que parecia estremecer diante das palavras do ancião. Até o fogo tinha medo da menção daquilo. – Seria a perdição.


- Não me importo! – retrucou ansioso e indiferente. – Não tenho mais saídas.


- Não queria compactuar com essa coisa suja, Nigihayami Kohaku. Sempre há uma saída! – insistiu.


- Vai me contar, Kamaji. – a voz de Haku era extremamente sedutora. Incitava o velho. Tranqüilizava-o de que nada mal iria ocorrer.


Haku aproximou-se deixando seu rosto quase tocar no de Kamaji.


- Conte.


- O que ele está fazendo? – Chihiro perguntou assustada com o poder que emanava de Haku.


- Esta o enfeitiçando. Kamaji não vai resistir e irá contar o que Haku quer saber.


- Você deve morrer, Haku. – a voz de Kamaji elevou-se, estranha e esganiçada. – Deve fazer a passagem e garantir que irá retornar. Finja que está morto. Yubaba jogará fora um coração sem função. Tome-o de volta.


- Há algum perigo nisso?


Kamaji empalideceu visivelmente, o suor brilhava em sua pele macilenta.


- O caos.  


Chihiro e Boh recuaram assombrados demais para que pudessem falar. Um cheiro estranho tomava o ar, que já estava pesado. Kamaji foi livrado daquela atração irresistível. Ele cobria o rosto com as mãos, envergonhado demais. Os soluços foram o único barulho escutado, o fogo estava fraco. O cheiro podre o diminuía.


- Não faça isso. – suplicou Kamaji. Era velho e não tinha poder algum.


- Adeus.


Haku deu as costas, seus longos cabelos agitados numa nuvem sedosa atrás dele. Bateu a porta num estrondo sem se preocupar com o que deixava para trás.     


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