Spirited Away 2 escrita por otempora


Capítulo 28
Indulgência




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- Não posso.


- Como assim, não pode? Eu assinei aquele contrato que claramente dizia...


- Você é um dragão, Haku. E o seu coração pertence a mim.


Yubaba sabia que estava jogando sujo, mas nada lhe faria desistir daquele garoto. Ele era muito perigoso e por isso tomara as devidas providências para que ele nunca conseguisse se rebelar. Iria quebrar o contrato, porém aquilo era só o que ela conseguia pensar, no momento.


- Você prometeu... – suplicou, tentando apelar para seu melhor instinto.


Ele estava tão frágil, parecia a ponto de desabar. Os olhos caídos, ele não tinha mais forças para lutar. Boh estava assustado diante daquele desconhecido, Haku sempre apresentara uma máscara de indiferença e implacabilidade. Insensível diante de coisas belas. 


Chihiro prendeu a respiração. Agora, mais do que das outras vezes, o desejo de tocá-lo a possuía. Como se pudesse fazer alguma diferença. De alguma forma, se sentia aliviada por ele ter planos de manter sua promessa; faziam-na pensar que todos aqueles anos não haviam sido uma mentira. E na frente dele, nunca conseguiria afirmar que não o amava, como havia dito antes. Prendendo-se num muro frágil demais para que pudesse ser mantido, pois a lembrança dele ainda estava presente. E nunca se fora...


- Não pode fazer nada contra mim, dragão. Não posso abrir mão de tamanho talento. Você é meu. – seus olhos brilharam malevolamente.


O corpo de Haku tomou uma aura vermelha, as mãos se fecharam em punhos apertados. Pareceu maior do que realmente era.  


- Sabe que não pode fazer nada. – ela disse, mas no fundo estava assustada com a fúria repentina que o tomara.


Sombras agonizantes surgiram nas paredes. Elas gritavam em seu inferno; tudo ficou quente demais e ela teve que largar a caneta de ouro que usava. Os vidros explodiram em estilhaços mínimos, caindo para o lado de fora, permitindo que uma corrente de ar frio entrasse, deixando a velha respirar. Ela limpou o suor da testa.


- Basta! Agora basta!


Uma massa escura surgiu em sua mão. Haku não lhe deu atenção, começando a incendiar a mesa na frente da qual ela estava e alguns papéis em cima do móvel.


- Haku! – Yubaba gritou.  


E começou a apertá-lo, chegando a o perfurar com suas unhas longas demais. O garoto começou a sentir uma dor lacerante tomava seu peito. Queria gritar, rasgar as suas carnes e arrancar seu coração, para que pudesse parar de sentir aquilo. Mas não tinha um coração, dera-o como parte do contrato, nunca achara que iria fazer falta. Contudo, agora sabia. Pois nunca iria conseguir amar Chihiro inteiramente sem aquilo. Não poderia partir sem ele.


- Está sentindo isso, Haku? – ela o apertou mais. E a agonia tornou-se insuportável para ele.


- Pare! – ele suplicou, em frangalhos no chão. As sombras haviam sumido e penetrado em seu corpo, deixando uma palidez mortal, os braços e as pernas abandonados feito uma boneca de trapos.


- Diga o que quero ouvir. E eu farei.


Haku não respondeu, não sabia se teria forças para agüentar uma nova investida. Ou, se poderia, apesar do alívio não ter mais a possibilidade da liberdade. De seu coração. Amargurou novamente a perda, como se fosse necessário o martírio. Como se aquela massa comprimida entre os dedos daquela bruxa já não lhe provocasse dor o suficiente.


- O tempo esta acabando. – alertou ela. – E de uma forma ou outra, vou ter o que eu quero. – acrescentou em voz baixa. 


- Bou. – Chihiro gemeu involuntariamente, não conseguia mais ver aquilo.


- Sabe que não posso fazer nada, Chihiro. – disse. E puxou a para seu peito, comprimindo o corpo frágil e trêmulo da menina em seus braços.


Mas ela ainda pode ouvir o grito sobre humano que o menino dragão soltou.


- Diga! – Yubaba repetia. – Diga logo!


E Haku desistiu.


Porque não conseguia raciocinar naquela agonia. E queria simplesmente que tudo cessasse por um mísero segundo, para que pudesse pensar em uma maneira de se livrar disso.


Mas não havia tempo, sentia que iria desfalecer e a tortura continuaria infindável até que ele dissesse as palavras; era o que pensava naquele segundo em que a dor parecia esticar seus músculos até o limite da resistência. Ele não conseguia ver que Yubaba não agüentaria manter aquilo por muito mais, que ela sabia que era quase impossível que o menino se rendesse diante de sua força. Estava pronta para deixá-lo partir, para o mais longe possível. Para que não precisasse vê-lo e encarar-se no espelho mais tarde, repreendendo suas ações benévolas. “Ele é mais forte que minha vontade.” – estava pronta para dizer a si mesma que havia perdido; que não adiantaria apelar contra aquela força de vontade férrea.


Sabia que seus dedos iriam amolecer num ato de contrição involuntário. Preferia desistir a ter que ver o ódio fervendo nos olhos do dragão. Pois ele era só um menino, lembrou-se. Um menino frágil, assim como seu Bou. Seu pequeno bebê que estava dormindo no quarto contiguo ao escritório, se recusando a falar com sua própria mãe. A escuridão cercando-o por todos os lados. Sentiria algum dia a mesma coisa que Haku?


Ela nunca desejou abdicar o amor de seu bebê, porém tudo parecia afastá-lo cada vez mais. O que eram todas aquelas jóias ou o ouro?


Não importava tanto se raciocinasse claramente.


Finalmente a mulher conseguia escutar, um arrepio repentino tomou seu corpo quando ouviu o grito agonizante de Haku. Preparou-se para desfazer o aperto, suavizando-o no início, imaginando como contaria para ele que estaria livre.


- Eu sou seu! – Haku gritou. Yubaba encarou-o, assustada com o que havia acabado de ouvir.


Ele simplesmente cedeu. Não acreditou como ele havia feito isso. Estava pronta para deixá-lo partir. Iria encontrar outro dragão, mesmo que o treinamento demorasse e o aprendiz não fosse tão bom...


Deveria parar de divagar desta maneira.


Haku havia se entregado e ela apertava o coração dele com mais força, estava nervosa demais.


- Por que ela está fazendo isso? – Boh murmurou, pensando no quanto a mãe estava sendo cruel.


O coração foi cair no tapete, Yubaba largara-o como se estivesse pegando fogo, o calor insuportável atingindo suas mãos enrugadas.


Agora Haku conseguia respirar, o fogo parara. Ele ofegava, sem ponderar o que tinha feito. Só refletia no ar invadindo seus pulmões e que não havia mais dor.


- Sabe o que acabou de fazer? – a velha perguntou, aqueles sentimentos ainda não a haviam abandonado. Sua voz estava embargada e transparecia escárnio.  


A promessa de Haku havia sido marcada, ele pertencia a Yubaba, estavam ligados inexoravelmente. Os elos não poderiam ser mais rompidos.


Haku encarou a mulher, sem entender.


- O que esta dizendo? – indagou com a voz fraca. – Era o que você queria...


Ela refletiu durante alguns segundos, o semblante duro feito mármore não deixou transparecer nada.


- Iria permitir que partisse. – a tonalidade de voz permanecia impassível. Ela não olhou para Haku. Queria que ele saísse de sua sala para que pudesse desabar sozinha. Contudo, ele permanecia estirado naquele chão, sem encarar nada em especial. Tentando encontrar um sentido para suas palavras, um que não fosse a obviedade de que ela estava sendo piedosa.


Ela suspirou. Já havia agüentado demais por hoje.


- Não minta para mim! – Haku gritou depois de suas considerações. A raiva fervilhava naquela frase. Não conseguira racionar com a possibilidade de ela estar sendo sincera.


- Saia daqui, menino! – exigiu. Não necessitava provar nada a ele.


Estava esgotada, queria chorar como uma garotinha nos braços da mãe. Porém só teria o conforto da cama vazia. Teria que lidar novamente com aquela solidão que se apossava dela nas noites frias.


Pegou aquela massa quente do chão e devolveu-o a caixa de madeira, a qual antes ocupava. Trancando-a, escondendo a chave entre suas vestes.


- Basta! – ela gritava. – Suma!


Expulsou Haku de seu escritório com mágica. Ele não podia lutar contra ela, no fim das contas, agora era mais forte.


Curvou-se na poltrona e fechou os olhos para não ter de ver o aposento. Não conseguiu ter paz, ainda via a imagem de Haku se contorcendo. Seus olhos feito bolas de gude, transmitindo o ódio germinado por ela mesma.


A mão procurou o peito para sentir o coração.


“E se fosse Bou?” – era a pergunta que sobrepujava os outros anseios. “E se fosse o meu bebê?”


Boh puxou Chihiro para fora da sala. Deu as costas para Yubaba sem virar-se para trás.  


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