(...) "Descobri de onde o sangue vinha."

“O que é isso mãe? A Senhora vai me responder agora!”

Naquele momento eu não consegui mais conter minha raiva. Ela rolou os olhos e sua visão ao invés de ser o teto passou a ser meu corpo. Ela não disse nada. Sua boca estava aberta em uma pequena fenda na qual ela estava usando para respirar. O assoalho estava manchado e a porta aberta. Levantei-me para fechá-la, voltei para perto dela e me agachei. O som das nossas respirações ocupava a sala.

Sentei-me com as mãos na cabeça tentando compreender tudo. Sua calcinha estava toda manchada de sangue. Massageei minhas têmporas, pensei mais um pouco em tudo que vinha acontecendo. E foi ai que todas as peças se encaixaram.

Hoje quando eu a vi entrando na casa do homem sorrindo. Todas as noites que ela chegava tarde. A comida que passou a ser melhor e passou a vir em maior quantidade. O seu trabalho que passou a ser muito longe daqui, na suposta agência de lavadeiras. O ônibus da agência que ninguém nunca tinha visto; isso se ele realmente existia. Ah Meu Deus.

“Foi ele quem fez isso com você? Foi aquele homem de hoje de manhã?”

Ela arregalou os olhos e me lançou um olhar ao mesmo tempo assustado e confuso.

“É mãe, eu vi você entrando na casa dele hoje.” Ela sussurrou alguma coisa que não entendi. “Eu saí da escola mais cedo hoje. Achei que você só tinha ido pegar a roupa suja, mas pelo visto você fez mais do que isso não foi?”

“Todas as noites que você chegava tarde e desarrumada, todas as desculpas que você deu. O dinheiro a mais que você estava ganhando, os alimentos melhores, todas as mentiras que você contou. Todas as vezes que você traiu meu pai. MEU PAI! Como você pôde?”

Ela simplesmente gemeu. Encostei-me na parede, abracei meus joelhos e comecei a chorar sem parar. Tudo isso era culpa daquela amiga dela Mandy, que havia a convencido a fazer o que ela estava fazendo. Isso se ela não estava se prostituindo por vontade própria. Continuei chorando. Senti-me como se estivesse me afogando. O mundo girava mais devagar. Minha mente funcionava mais devagar. Olhei para o corpo imóvel de minha mãe ali jogado no chão. Toquei seu braço, ela gemeu e se encolheu, contorcendo-se toda.

Eu estava quase com medo dela. Mas não medo do que ela poderia fazer comigo e sim medo do que ela tinha feito com ela mesma. Eu não a reconhecia mais, ela era totalmente estranha. Meus pensamentos foram direcionados para meu pai. O que ele iria pensar disso tudo que aconteceu? Como ele iria agir? Será que ele ainda conseguiria falar com a minha mãe? Será que ele teria pena dela?

Minha mente impressionou-me quando várias perguntas foram formadas a partir de uma palavra. As lágrimas não se prendiam mais aos meus olhos e eu não conseguia controlá-las. Parei de esfregar minha mão em meu rosto e deixei-as escorrerem livremente.

“Me Desculpe.” Ela sussurrou um pouco mais alto para que eu pudesse entender.

Ela utilizou toda a força que tinha para alcançar o bolso do vestido jogado ao seu lado e dele tirou um envelope branco amarelado. Estendeu-o para mim. Cheguei perto dela e peguei o envelope, coloquei-o do meu lado. Outra lágrima escorreu por seu rosto e dessa vez eu sequei-a.

“Me Desculpe.”Ela sussurrou novamente.

“Tudo bem mãe. Está tudo bem.” Nós duas sabíamos que nada estava bem.

Comecei a afagar seus cabelos louros que já tinham mechas brancas e estava perdendo o brilho e a cor, ficando cada vez mais platinado. Daqui a pouco ficaria branco. Resolvi terminar de limpá-la e colocar os remédios. Encharquei o pano novamente e continuei a esfregá-lo em sua perna e nos arranhões da mesma. Queria que pudéssemos ter mais remédios ou que eu soubesse o que fazer com os poucos que em casa tínhamos, que na verdade eram somente algumas folhas e ervas medicinais que eram cultivadas pela minha mãe em uns pequenos vasinhos que tínhamos lá atrás.

Tentei ajudá-la a se levantar, mas ela estava com muita dor e toda vez que eu a tocava ela se encolhia e gemia. Fui até seu quarto e peguei roupas limpas e uma toalha. Voltei para a sala e minha mãe estava com o olhar concentrado na janela, na verdade parecia mais perdido. Eu tirei o restante de suas roupas, e percebi que seu corpo estava coberto por vários hematomas espalhados pelo mesmo. Ela estava muito magra, sua coluna e suas costelas eram visíveis, e por causa de sua pele branca, muitas veias apareciam por seu corpo. Seus lábios estavam secos e descascando. Ela estava lutando para ficar acordada, para ficar viva.

Limpei-a com a água com ervas e depois a sequei com a toalha. Tive que tomar muito cuidado, pois cada vez que eu a tocava ela se contorcia o que somente a machucava cada vez mais. Eu sabia que ela estava por um fio, eu só não queria acreditar, e não iria deixar que ela... Partisse. Rasguei uma toalha em pequenos pedaços, mergulhei-os na água gelada e coloquei cada um deles em cima de um dos hematomas. Gastei duas toalhas para cobrir todos.

Assim que ela estava limpa e seca, peguei o envelope jogado no chão. Ela fez um esforço extra e estendeu seu braço, colocando sua mão em cima da carta, impedindo-me de abri-la.

“Água.” Ela disse baixinho.

“Volto já.”

Levei o balde, a toalha e as roupas sujas para a cozinha, joguei as roupas e a toalha fora. Esvaziei o balde e guardei-o. Peguei um copo de água para mim, e um para ela. Tomei o meu antes de sair, pensando em tudo o que havia acontecido naquele dia. Desde quando eu conversei com Mary, desde que eu me escondi atrás da árvore para ver o homem que a partir de hoje ocupa o cargo de ser humano mais desprezível que conheço; que acabou com a vida de minha mãe e consequentemente com a minha. Pensei até naquele menino estranho que eu encontrei hoje. Como que era o nome dele? James... Jimmy... Justin... Parei de pensar nele e voltei a me concentrar no que realmente importa. Minha mãe.

Mas quando cheguei à sala não pude acreditar no que via. Derrubei o copo no chão.