Capitulo 11

Onde tem milho tem galinha

Jake

Se você é um semideus provavelmente tem muitos problemas quando dorme, os sonhos e pesadelos que você tem geralmente não são só sonhos e pesadelos, podem ser vistas do futuro, passado, presente ou então alguma conexão com algo que esteja acontecendo naquele momento. Infelizmente naquela noite eu não tive um sonho e sim um pesadelo, e ele não era nada legal.
Eu estava parado sentado em uma terra úmida e fria, aos meus lados grandes sebes subiam até onde eu não podia enxergar, o céu atingia o assombroso tom de grafite, sem nuvens ou estrela, só o céu negro, um caminho se estendia as minhas costas e na minha frente, eu não sabia o que fazer, quando tentei me levantar a terra me agarrou, minhas pernas pesavam igual chumbo e já estavam enterradas até meus tornozelos, tentei gritar mas a voz não saia, então eu ouvi uma algo, mas não eram meus gritos, também não havia ninguém perto falando algo que eu enxergasse. Era uma voz fria, maligna, sonolenta e poderosa ao mesmo tempo, era Gaia sussurrando em meus ouvidos.

–Ora ora, o que temos aqui ? Jake o filho da primavera ! – A cada sílaba sussurrada em minha mente meu corpo adormecia aos poucos, me sentia novamente no mundo inferior porém aquilo era confortante de um jeito amedrontador – Não foi você quem recusou esta missão ? O que te fez se intrometer nos meus planos queridinho ?

–Não tente me confundir Gaia – Eu disse mas a força já não estava mais comigo – Me deixe acordar !

–Não fale assim querido semideus, nem nos falamos direito ainda – Já estava enterrado até a cintura – Você não deveria estar aqui, mas os deuses te controlam, sua mãe te controla, os deuses são grandes manipuladores, você não queria estar aqui, nem deveria, quem aquele filho de Atena acha que é para te tratar daquele jeito ?

–Eu e Atlantis já nos entendemos.

–Mas não é o que parece, pelo que vejo nos sonhos de Atlantis ele só fez isso para agradar aquele bode inútil, veja – Uma névoa rodopiou na minha frente mostrando todos nós dormindo, ela foi se aproximando de Atlantis como uma câmera de TV até estarmos dentro de seus pensamentos, eu via ele com uma coroa de louros beijando e se abraçando com Cassie, algumas pessoas estavam felizes ao seu lado como Bilo e outras que eu nunca vira na minha vida, uma espada jazia caída no cão, era a minha espada, meu presente divino – Está vendo, ele te vê como um derrotado, ele não te quer por perto, ao contrario dele eu queria ver sua glória – A névoa agora não mostrava mais os pensamentos de Atlantis e sim meus pensamentos mais íntimos, eu estava sentado em um trono, Cassie e Jennie uma de cada lado, todos estávamos vestidos com túnicas e ouro, meus pais também estavam sentados em cadeiras luxuosas, éramos servidos por varias pessoas e com uma olhada mais atenta me dei conta de que via os deuses olimpianos do jeito que eu os imaginava, eles nos serviam, eu estava os usando, e junto com Atena eu via Atlantis que comia frutas caídas no chão – Está vendo ? Eu posso te proporcionar tudo isso, só basta você aceitar minha oferta querido Jake.

Eu estava muito cansado, a terra já me cobria até o pescoço, meus olhos pesavam muito, eu sabia que tudo aquilo não era verdade, que Gaia estava apenas me iludindo, mas aquilo era tentador, era aconchegante demais, eu estava me deixando levar pelo mal, estava prestes a dizer sim quando algo fantástico aconteceu, eu senti a terra me dando forças, ela me empurrava de volta,cordas se enroscavam em meu corpo e quando eu estava inteiramente fora da terra uma flor gigantesca e dourada brilhava em meus pés, o sono já não estava mais comigo e eu conseguia entender muito bem o que Gaia estava fazendo.

–Esqueça Gaia, você quase conseguiu me levar mas eu nunca vou me juntar a você, eu vou ajudar a te destruir !

–Vamos ver garoto, nós nos falaremos de novo, e quando nos falarmos você não escapara .

Eu chutei a terra e sai correndo para frente, achei estranho não acordar daquele pesadelo mas ao chegar no fundo do corredor entendi porque Gaia me deixara presenciar mais alguns segundos daquele sonho, ela queria me dar a visão de seu plano maligno, em uma grande clareira vários monstros, deuses, semideuses e humanos se reuniam, chamas queimavam ardentemente em tons de roxo e laranja, no centro de tudo a terra borbulhava literalmente como se fosse uma panela fervente de lama, dela uma grande estatua de bronze se levantava, era uma mulher, seus cabelos caiam cobrindo os seios e sua cintura já estava quase vendo a luz da noite, pelo tamanho que sua barriga formava a estatua estava grávida, e por tudo na minha vida eu não queria saber o que ela iria parir. Com um grande impulso eu sai daquela visão mas infelizmente não acordei e fui para outro sonho.
Pelo menos esse não era muito ruim. Eu estava em um campo inteiramente florido, o sol esquentava minha pele, tudo estava calmo, passarinhos cantavam e poucas nuvens flutuavam naquele lindo céu azul, uma mulher muito linda veio andando em minha direção, era Perséfone, minha mãe.

–Sabia que se juntaria a esta missão meu filho.

–Se você não tivesse me obrigado talvez eu não estivesse aqui neste momento correndo risco de vida.

–Pare de ser dramático, puxou ao seu pai ? – Ela me perguntou com o dedo do queixo e um rosto pensativo – Não me lembro dele ser tão dramático assim ...

–Você me trouxe aqui para discutir a quem eu puxei ? – Perguntei, estava começando a ficar nervoso.

–Não, eu só te trouxe aqui para um breve aviso – Ela pausou e me olhou profundamente, sabia que vinha palavras difíceis, naquele momento aquele lindo campo não me parecia mais tão florido e bonito – O destino prepara coisas que não podemos mudar, lembrem-se disso – Ela falou aquilo como se não estivesse falando só comigo – E pode parecer mas pessoas boas sempre estão com a gente e nunca nos abandonam.

–O que você está querendo dizer ?

–Não tenho mais tempo para te explicar, cuide-se filhinho, e não ouse cair em batalha – Ela sorriu para mim e começou a se desmanchar em pétalas coloridas – E quase que me esqueço, as plantas gostam muito de você nessa época !

E assim ela se desfez naquela brisa calorenta, não demorou muito para que eu acordasse o que não foi muito agradável pois eu não acho legal acordar com sons de luta principalmente quando você está no meio. Todos acordamos ao som de uma grande explosão, era o som de bolas de canhão atingindo a terra ao nosso redor, levantamos assustados, não sabíamos o que estava acontecendo, quando consegui me livrar do sono achei que ainda estava dormindo porque aquilo era um terrível pesadelo, estávamos no meio de uma guerra.

–O que é isso ? – Eu gritei sacando minha espada da bainha que dormira ao meu lado – Estamos em guerra ?

–Não – Atlantis também estava assustado e pelos seus cabelos bagunçados percebi que também havia acabado de acordar, mas seus olhos já viravam em varias direções afim de entender o que estava acontecendo – Acho que estamos no meio de uma guerra !

–No meio de uma guerra ? – Jennie perguntou.

Olhei para todos e vi que acordamos juntos com essa bagunça, Sam e Jennie se acolhiam atrás de Atlantis, Cassie já tinha seu arco preparado e sua aljava nas costas, mas eu não via Bilo.

–Onde o Bilo está ? – Perguntei.

–Ele foi investigar, disse que seria a ultima coisa que faria antes de voltarem para o acampamento e nos deixar sozinhos – Me respondeu Atlantis.

–Mas isso não é perigoso ? – Não acredito que Atlantis ainda estava chateado com a decisão de Bilo – Como você mandou ele fazer isso ?

–Eu não mandei ele fazer nada, ele simplesmente falou que ia e foi !

–Isso é culpa nossa, se não tivéssemos feito chilique na hora que ele disse que iria abandonar a missão ele não teria ficado com peso na consciência e nem teria feito isso ! – A voz de Cassie estava esganiçada, ela estava muito nervosa.

–Precisamos fazer alguma coisa, não podemos ficar aqui parados correndo o risco de ser acertados por uma bola de canhão ! – Eu gritei para Atlantis.

–Eu já sei disso, todos sabem ! – Ele também parecia nervoso, todos estávamos nervosos – Só estou terminando de pensar em alguns detalhes – Ele olhava para o céu e via a direção em que as bolas voavam – Quando eu gritar já todos me sigam, o milharal vai nos esconder ! – Paramos esperando mais alguma instrução mas antes mesmo de alguém perguntar alguma coisa Atlantis gritou – Já !

Ele correu para o meio do milharal e fomos atrás dele, Atlantis estava na frente nos liderando, Sam estava atrás e tampava os ouvidos, Cassie corria com o arco armado em seguida e Jennie estava na minha frente, seus cabelos negros estavam se enchendo de fios e folhas do milharal, percebi que estávamos correndo para o lado que estava atacando assim teríamos menos chances de morrer com bolas de canhão perdidas.
Assim que pulamos para fora do milharal nos deparamos com uma cena no mínimo muito engraçada, havia uma pequena casinha de madeira mas muito bem cuidada, um grande celeiro e varias galinhas gigantescas correndo de um lado para o outro. Com um olhar mais atento percebi que não eram galinhas gigantes mas sim mulheres galinhas, da cabeça até a cintura eram senhoras gordas e feias, da cintura para baixo eram galinhas penosas com pés amarelos, seus braços tinham garras e asinhas pequenas brotavam de suas costas, elas corriam e gritavam de um lado para o outro, algumas carregavam e disparavam os canhões e outras apenas corriam, devia ter uma dúzia delas.

–O que é isso ? – Cassie perguntou.

–A bela ideia do nosso amigo Einstein aqui – Já tinha me entendido com Atlantis mas não resisti a chama-lo daquele jeito, ainda mais naquele momento tenso em que estávamos.

–Intrusos, matem-nos !

Depois desse grito estrangulado e amedrontador de uma das galinhas mutantes três delas correram em nossa direção, Cassie disparou três flechas em suas cabeças as transformando em poeira.

–Eu não gosto de harpias – Disse Atlantis partindo para cima das outras quatro harpias que corriam em nossa direção também as transformando em pó.

–Tudo bem se vocês quiserem acabar com todas, eu não me importo – Eu disse, frase que arrancou um leve sorriso de Jennie e Sam.

Logo Atlantis e Cassie tinham dizimado as galinhas saltitantes, o silêncio dominou o local por alguns minutos, Eu Jennie e Sam fizemos uma revista no estábulo enquanto Atlantis e Cassie olhavam a casa, eu que nos dividi assim, Cassie era uma garota interessante mas Atlantis gostava bastante dela, era o que parecia.
Entramos nos estábulos e eu vi uma das coisas mais fantásticas que já vi em toda minha vida, primeiramente eu fiquei abismado como aquele lugar estava limpo e arrumado e depois eu me encantei com as criaturas que ali descansavam, em dois ninhos separados varias pedras preciosas como ouro, prata e diamantes serviam de berço para dois grifos lustrosos com penas vermelhas e pelagem dourada, e no ninho do meio um cavalo com asas e cabeça de águia dormia.

–Que coisas lindas – Os olhos de Jennie brilhavam – O que eles são ?

–Os dois com corpo de leão e cabeças de águia são grifos – Eu havia visto fotos e algumas explicações sobre eles nos meus poucos dias no acampamento – Agora o outro eu não sei o que é, mas parece aquele bicho que aparece em um dos filmes do Harry Potter .

–Tem uma inscrição ali – Sam apontou para uma grande placa de bronze que de tão polida quase nos cegava, o que dificultava ainda mais nossa leitura já que somos disléxicos, com um pouco de dificuldade eu li para as garotas – Égua e Grifo ao se unir e acasalar / Fazem sua cria curiosa sorte compartilhar / Cavalo com cascos e cauda ao meio é / O resto Águia, com garras e unhas até / Como Cavalo ele gosta no verão / De pastar em prados imersos na cerração / Voar ainda como Águia lhe apraz / Sobre as nuvens como os sonhos é capaz / Com tal Besta quedei-me encantado / O Hipogrifo, assim ele é chamado – Depois de ler aquilo me virei para as garotas e disse – Caracas, me senti igual a Cassie agora.

Elas riram silenciosamente para não acordar os animais, não sabíamos se eram perigosos, saímos do estábulo e logo Atlantis e Cassie também saíram.

–E ai, aproveitaram o tempo sozinhos ? – Perguntei sorrindo o que fez as bochechas de Atlantis corar e Cassie me olhar severamente.

–Tomem meninas – Cassie ainda me lançava aquele olhar assassino enquanto entregava uma espada de bronze para cada uma das meninas, fiquei com medo dela usar aquilo em mim.

–Obrigado Cassie – As duas amigas disseram em uníssono.

–E vocês acharam o que ? – Atlantis perguntou.

–Achamos três animais voadores incríveis lá no estábulo, vocês precisam ver – Jennie parecia bem animada com os animais voadores.

–Que bom, veremos eles assim que acharmos o Bilo e descobrirmos o que aquelas harpias estavam atacando.

–Tudo bem ! – Dessa vez todos dissemos juntos.

Estávamos indo para o outro lado ver o que as harpias estavam atacando quando três grandes cachorros negros saíram do meio do milharal, seus olhos vermelhos igual sangue exibiam raiva e vontade de dilacerar algo, o menor tinha o tamanho de um rinoceronte pequeno e a coisa mais amedrontadora foi ver Bilo ensanguentado na boca do cachorro do meio que parecia sorrir.

–Me desculpem – Bilo disse entre gemidos de dor – Eu fiz o meu melhor.

Essas foram as ultimas palavras de Bilo que se transformou em terra que escorreu da boca do cão infernal, as ultimas coisas que me lembro foram dos gritos de dor de Atlantis, o choro de Cassie e unhas demoníacas se cravando em meus ombros.