Susana.

Tranquei a porta do meu quarto, voltando ao meu refúgio. Escorei as costas na porta, não suportando mais aquele peso em meu peito. Escorreguei até sentar no chão. Sentia-me sufocada. O choro não era suficiente para extravasar a dor, ela parecia expandir-se dentro de mim, parecia querer explodir meu peito, impedindo-me de respirar.

As lágrimas rolavam abundantes, meus olhos estavam inchados e vermelhos, minhas pernas estavam fracas, sentia-me frágil, não conseguia ficar de pé, não conseguia erguer-me desse sofrimento.

E quanto mais eu pensava em Caspian mais piorava. Mas eu não podia evitar. O amo tanto... Tanto...

Não o culpo por estar noivo. Eu, de certa forma, entendo. Ele é o rei e seu povo espera por um herdeiro, além disso, eu jamais retornaria, não é?

Então por que Aslam me trouxe de volta quando estava certo de que eu não voltaria mais? Por que permite que Caspian e eu soframos tanto? Por que?

Solucei. Narnia precisa de mim, eu preciso ficar, mas... Mas não suporto vê-lo com outra. Com certeza Caspian e meus irmãos vão resolver o problema. Queria tanto poder ficar ao lado de Caspian... Se ele romper com a Estrela, que garantia teria ele que eu ficaria em Narnia?

O que eu faço, Aslam, o que eu faço...?

[…]

Quando dei por mim, já estava abrindo os olhos. Acordei com a luz do sol contra meu rosto, percebi que dormi ali mesmo, no chão atrás da porta. Levantei-me devagar para evitar possíveis dores, sentia meu rosto inchado e com o rastro seco das lágrimas que passaram por ali.

Tomei um banho, ficando na banheira por um longo tempo. Coloquei um vestido limpo, penteei os cabelos, passei o perfume de lavanda e pus um colar simples no pescoço.

Respirei fundo e destranquei a porta. Saí pelo corredor para tomar o café da manhã. Jake, Lúcia, Edmundo e Eustáquio já estavam sentados a mesa, conversando.

-Bom dia, Su – cumprimentaram-me.

-Bom dia. - sorri fraco, sentando ao lado de Lúcia.

Logo depois a Estrela chegou, sentando-se ao lado esquerdo da cabeceira. Ela sorria largamente, feliz. Em seguida chegou Pedro acompanhado de Caspian. Caspian sentou-se na cabeceira e meu irmão à sua direita.

Caspian olhou-me e não pude impedir-me de olhá-lo também. Sem perceber, ficamos trocando olhares, e Lilliandil percebeu, ela reclamou cutucando indelicadamente o braço de Caspian. Tratei logo de desviar o olhar.

As servas serviram o café da manhã e todos comemos em silêncio.

Caspian.

Dormi muito mal a noite inteira, mas pude acordar tranquilo por ter tomado a decisão de fazer a coisa que já devia ter feito antes mesmo de Susana retornar.

Vi como ela estava abatida hoje, o rosto um pouco inchado por causa do choro. Isso me partiu o coração mais uma vez, mas me contive à vontade de abraçá-la, alegrando-me por saber que faltava pouco para que finalmente pudéssemos ficar juntos.

Ao fim do café, Lúcia e Susana se retiraram do salão, Pedro e Jacob estavam conversando e eu pedi que Lilliandil me acompanhasse até meu gabinete.

-Você vai estar esperando sobre o altar com uma roupa maravilhosa, e eu vou chegar numa carruagem linda, toda vestida de branco. Quero um vestido magnífico! Ninguém nesse reino esquecerá, e nosso casamento será comentado até nos reinos vizinhos...! - tagarelava ela.

-Lillandil... - tentei, mas ela não parou de falar.

-Estaremos magníficos! - continuou. - Você e eu. Faço questão de que os Antigos Reis estejam presentes, aí sim a festa será completa...

-Lilliandil. - falei mais firme, irritado por ver o modo como ela queria provocar Susana.

-Será perfeito! Vou convidar as Rainhas para serem minhas madrinhas. Tenho certeza de que elas vão adorar fazer parte de uma festa tão grandiosa! Depois, quem sabe, se eles ainda estiverem por aqui, presenciaram também o nascimento de nossos filhos. Já estou até vendo! Quero três, dois meninos e uma menina, será fabuloso...!

-Não haverá casamento. - falei de uma vez, só então ela parou de falar e encarou-me.

-O que disse? Perdeu o juízo, Caspian?!

-Sim. - falei. - Eu perdi quando decidi tornar você minha noiva. Mas eu recuperei o juízo perdido e estou aqui lhe dizendo claramente que não... Haverá... Casamento. - falei, firme.

-Não pode fazer isso comigo! O que pensa que eu sou?! Você deu sua palavra ao meu pai! Os convites já foram enviados, se desmanchar o noivado agora causará um escândalo enorme! Sua imagem de bom moço será manchada, tenho certeza que você não quer isso.

-O que não quero é continuar com esse noivado. Seu pai não poderá fazer nada, muito menos você. Esse noivado está acabado. Não temos mais nenhum compromisso. - continuei firme. Ela estava transtornada.

-É por causa dela, não é? - disse. - Por causa de sua querida Susana... - fez cara de nojo ao falar o nome dela. - A mesma mulher que deixou você mesmo sabendo que você estava apaixonado por ela... É tudo culpa dela... Se ela não tivesse voltado você não estaria rompendo o noivado, tenho certeza...

-Eu amo Susana, você mesma disse que sabe disso e eu nunca escondi.

-Se você acha que vai se livrar de mim assim tão fácil, está muito enganado...

-Está ameaçando o rei? - perguntei, estreitando os olhos. Ela vacilou. - Com apenas poucas palavras posso banir você desse castelo e de Narnia. Meça suas palavras.

-Ela não vai ficar com você. - insistiu. - Posso agora mesmo ir até ela colocá-la no seu lugar e mostrar que você é meu.

-Colocá-la no seu lugar? Quem você pensa que é para tanto? - debochei.

-Sou mais capaz que ela de fazer você feliz. - garantiu. - Posso provar isso a você, é só trancar a porta... - sussurrou, aproximando seu rosto do meu, colocando seus braços em volta de meu pescoço.

Retribuí, aproximando meu rosto do dela. Quando nossos lábios estavam bem perto, segurei seu braço firmemente, assustando-a e afastando-a de mim.

-Nunca gostei dessa vulgaridade, sua oferecida. - falei, firme. - Pertenço apenas a Susana e só ela será capaz de me fazer feliz. Apenas ela. Você só me desperta desprezo, pena... - soltei seu braço violentamente, não ao ponto de machucá-la, mas ela recuou dois passos. - Arrume suas coisas. Você voltará para aquela Ilha o mais rápido possível. - falei, já caminhando para a porta, mas antes de sair parei, e voltei-me para ela. - Ah, e não tente nenhuma gracinha, lembre-se que sou um Rei e Susana uma Rainha, uma loucura sua pode ser suficiente para exilá-la.

Então saí, deixando-a sozinha ali. Tirando um peso enorme das minhas costas.

Susana.

Lúcia, Jake, Eustáquio e eu estávamos na biblioteca. Eles estavam proporcionando-me momentos preciosos, distraindo-me e fazendo-me rir. Jake estava escolhendo um livro numa prateleira próxima, Eustáquio estava sentado, concentrado em um livro que parecia muito interessante só pelo título. Lúcia estava sentada ao meu lado, nós estávamos lendo o mesmo livro de Crônicas que eu lia naquele dia em que tudo virou de ponta cabeça. O livro estava interessante o suficiente para me fazer retomar a leitura mesmo depois de tudo.

Percebi que alguém adentrou o lugar, mas não desviei a atenção. Pelo menos até Lúcia erguer o olhar e correr os olhos da pessoa a mim, percebi que Jake e Eustáquio também prestavam atenção, então ergui o olhar para quem estava parado a minha frente.

Ao olhar, encontrei uma loura enraivecida que postara-se do outro lado da mesa, fulminando-me com o olhar.