Infiltradas escrita por Matheus


Capítulo 2
O Jantar




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Na sala de jantar, a ponta da mesa estava vazia, provavelmente era o lugar guardado para o senhor Zhuang, o pai. E lá estava o Lyko, logo no primeiro lugar ao lado de onde sentaria seu pai. De cabelos longos, com aquele penteado que lembrava um senhor do fogo, aquelas vestes vermelhas provavelmente feitas pelos melhores artesãos da nação e com aquela pose que me dava nojo. Orgulhoso, arrogante e prepotente.

Ao seu lado sentava sua mãe, e ao lado de sua mãe sentava sua irmã. As duas conversavam em voz baixa. Minha mãe sentava de frente para Zhenni e percebi que havia um lugar reservado para mim ao lado de minha mãe e de frente para ele. Ele olhava o copo, com tédio, e não levantou o olhar quando eu sentei.

Logo depois a porta se abriu e entrou o senhor Zhuang, seguido de uma moça. Ele era um senhor gordo, de cabelo longo, preso dobrado no topo da cabeça. A moça que entrou com ele era alta, de cabelos lisos e pretos que formavam uma franja, oque acentuava o seu ar de tédio apesar do sorriso ao ver Yoko que foi até ela exclamando:

–Mai! - Yoko foi até a porta e a abraçou – É bom te ver, seja bem-vinda.

–É bom te ver também Yoko.

O senhor Zhuang sentou-se na ponta como eu esperava. Após cumprimentar a todos e ouvir comentários da senhora Zhenni, de como estava crescida, Mai sentou-se ao lado da minha mãe, de frente para Yoko. No jantar foram servidas comidas, obviamente, tradicionais da nação do fogo, muito apimentadas, diferentemente do meu gosto. A conversa durante o jantar se concentrou entre os membros da família e a convidada, conversavam sobre lugares, pessoas e momentos que eu não conhecia, não prestei muita atenção.

Foi durante a sobremesa, feita com nozes vermelhas, que o assunto ficou mais sério. Depois de conversar sobre a carreira política do pai da Mai, o senhor Zhuang pergunta a ela:

–Um tema muito curioso e que nunca sai de pauta: Vocês acham que o avatar vai voltar, para ameaçar a nação do fogo?

–Meu pai diz que o ciclo deve ter quebrado e ele não nascerá mais. - Disse Mai. E o senhor Zhuang me perguntou:

–O que você acha Kayla?

–É, pode ter sido isso... O último foi o avatar Roku não é?

–De que se tem conhecimento, sim, da nação fogo. - Zhuang continuou – Mas em minha opinião ele renasceu entre os nômades do ar e morreu junto com os outros. E agora, também renasceu na tribo da água. Pode estar formando um exército, esperando o momento certo para atacar a nação do fogo! Aqueles índios sabem lutar!

Percebi que o assunto não seria nada agradável para nós. Enquanto o senhor Zhuang falava percebi que atrás dele, acima da lareira, havia uma pintura do rosto do senhor do fogo. Ele tomou mais um gole de vinho e continuou:

–Por isso eu acho que a nação do fogo deveria parar de subestimá-los e planejar logo um ataque a eles. Dizimar toda aquela raça. Menos o avatar, que se for morto reencarnará no reino da terra, e começará tudo de novo... Não queremos mais um fracasso como em Ba sing se. Aquela raça não faria falta no mundo, assim como os nômades do ar não fazem falta hoje! Vocês concordam?

–Sinceramente, senhor Zhuang - Mai falou - nunca me envolvi muito com assuntos como esses, nem formulei opiniões sobre. Mas você teria muito oque conversar com o meu pai.

Então o senhor Zhuang olhou para nós, eu não conseguiria formular uma resposta tão boa quanto a Mai. E pensar que terei que viver com alguém que deseja a morte da minha tribo. Que pensa ser o correto. Que discute isso com os convidados em um jantar, como se a vida de todos que eu amo não fossem nada além de obstáculos à poderosa nação do fogo. Ele come e bebe como um porco, enquanto discute planos para matar populações inteiras e acha isso normal! Deve ser normal nessa nação. Eu sentia muito ódio, como também sentia nojo dele. Sempre calculava minha expressão em frente deles, mas desta vez não sei se eu não demostrava. Ele olhava pra minha mãe, esperando uma resposta. Ele só queria que alguém concordasse com ele. Minha mãe hesitou. Sei que era tão difícil pra ela como era pra mim ela olhava pra mesa quando começou a falar:

–Eu... Bem eu também não pensei sobre o assunto, eu... – ela tinha um sorriso nervoso no rosto, e então olhou pro senhor Zhuang - Eu... Concordo com o senhor.

–E você Zilá? Partilha da nossa opinião, minha e da sua mãe? – Agora eu tive certeza, ele só queria que mais alguém concordasse com ele para alimentar o seu orgulho, mas eu não pude. Fiz cara de enjoo, larguei a colher na mesa, fazendo barulho e levei as mãos à boca.

–Desculpe, parece que a sobremesa não me fez bem. Com licença... – Levantei-me e corri direção à porta do corredor. Num último olhar, vi que senhora Zhenni parecia espantada, o senhor Zhuang apenas erguia as sobrancelhas, não sei se ele acreditou ou não - Desculpem-me!

Saí e bati passos até a porta do banheiro, bati a porta e fui silenciosamente para o meu quarto, que era em frente. De lá podia ouvi-los falar.

A senhora Zhenni disse:

–Óra, me desculpem, será que ela é alérgica?

A Yoko:

– Espero que não, aquele nosso tio não morreu disso?

O Lyko:

–Não, foi uma fruta silvestre do reino da terra.

O senhor Zhuang:

–E a fruta estava envenenada!

E Mai:

–É... É um caso bem diferente.

E minha mãe:

–Vou ver se ela está bem...

Ouvi a cadeira ser arrastada e então seus passos em direção à porta. Ouvi abrir a porta do banheiro, fechar, e entrar no meu quarto. Eu estava sentada na cama, chorando. Ela sentou-se ao meu lado, e me abraçou.

–Desculpe por isso, Kayla... – Sua voz falhava, estava prestes a chorar também.

–Ele que dobre a língua para falar do meu povo! Mãe, é isso que vamos suportar todos os dias?

Ela olhou para o teto com os olhos lacrimejados. Depois de um tempo respondeu:

–Que poderíamos fazer agora...? Não teríamos recursos para voltar para a tribo da água e acho que nem seríamos bem vindas lá. Sabe, parece que o resto da família não partilha das opiniões do pai e tem de apenas concordar, como eu infelizmente tive de fazer. Quando você se casar vocês mudarão de casa e você não verá com frequência o senhor Zhuang.

–Isso não basta!

–Fale baixo Kayla, eles podem nos ouvir.

–Isso não basta. - Repeti mais baixo. – Se me casar, terei de conviver com eles. Odeio a ideia de ter que viver nesta terra, ainda mais depois disso que eu ouvi hoje. Você ainda acha que vale a pena? E se desse mãe, e se fosse possível desistir de tudo isso e voltar pra tribo da água? Você iria?

–Se fosse possível Kayla, apenas se fosse possível, e não é. - Ela retomara a severidade habitual na fala. – Vou dizer a eles que você está bem, mas que pedirei um chá para a empregada.

Após dizer isso, ela saiu. Na bolsa, fui pegar um lenço para secar as lágrimas e então veio um vento forte da janela. Fui fechar, mas a temperatura do vento estava tão agradável que me debrucei na janela. “Talvez seja o começo de uma tempestade”, eu pensei. Por mais escuro que estivesse pude ver que o céu estava nublado, pois não havia estrelas. No horizonte, via fracamente a silhueta de colinas distantes e por um segundo me imaginei lá. Sem nações, sem guerras, sem compromissos e tradições, apenas a natureza. Se minha mãe resolvesse desistir e fugir eu não pensaria duas vezes...

Um vento muito forte adentra o quarto, fazendo meus cabelos e a cortina balançarem. Um papel passa por mim e sai pela janela. “Que papel é ess... A carta do pai!”. Eu havia deixado a carta do meu pai em algum lugar onde o vento pode levar. Vi a carta pousando na grama e receei ela estar molhada pelo sereno. Precisava pegar logo, antes que molhasse, então olhei pela janela a distancia do chão e também percebi que era grande o bastante pra eu passar. Pulei pela janela e corri até a carta, antes que voasse de novo. Aliviei-me quando, ao pega-la, percebi que estava intacta.

Novamente um vento forte soprou, fazendo toda a vegetação balançar. Eu olhei a casa. Por vezes os meus cabelos passavam pela frente do rosto. Virei-me e olhei para as colinas, no horizonte. Se eu quisesse eu podia ir embora, já estava ali. Era só correr por entre as árvores e quando alguém notasse minha falta eu já estaria longe o bastante. Fiquei um momento ali, decidindo, olhava para a casa e para o horizonte, o vento não parara de soprar.

Entrei na casa pela porta de traz. Na cozinha encontre a Yoko e a empregada.

–Este vestido é feito com a melhor lã, das melhores ovelhas da nação do fogo. - Ela gritava com a empregada, segurando um vestido vermelho- Feito pelos melhores estilistas! Você tem ideia de quantas yuans custa um vestido desse? Um ano do seu salário não pagaria.

Então ela notou minha presença e, mudando totalmente de expressão, sorriu para mim e disse:

–Oi Zilá, precisa de alguma coisa?

–Só vim buscar um chá, ainda não estou muito bem. – Respondi.

–Já lhe sirvo – Disse a empregada.

–E da próxima vez, serviçal, lave com cuidado. – Após dizer isso, Yoko se retirou, deixando seu vestido na mesa. Tive a impressão de que ela seria menos gentil se eu não estivesse ali.

–Isso é tão falso quanto o sorriso que ela traz no rosto- Eu disse, pegando o vestido que a empregada olhava com tristeza. Então ela se virou e me deu uma bandeja.

–Aqui está seu chá. – Ela disse.

– Obrigada, Izume. – Disse-lhe, e saí.

No corredor em direção ao meu quarto passei por Lyko. Ele me olhou e eu olhei para ele. Nunca havíamos conversado, mas eu já o odiava. Ele passou e também foi para a cozinha. Fui para meu quarto, e logo que entrei, minha mãe apareceu.

–Você fica muito no quarto, eles podem estranhar, vamos para a sala.

–E ter mais uma conversa agradável com o senhor Zhuang? Mãe, eu os odeio. –Respondi.

–Odeia? Odeia quem? – Disse a senhora Zhenni que apareceu atrás de minha mãe, que deixara a porta aberta.

–Ninguém... ela odeia oque. –Minha mãe respondeu, com um sorriso- Ela falava que odeia nozes vermelhas, senhora Zhenni.

Eu apenas mexi a cabeça positivamente.

–Ah, claro, me desculpe pela sobremesa, eu não sabia... Você já está melhor querida?

–Sim, sim. A Izume me fez um chá.

–Ótimo, então... Boa noite. –E continuou seu caminho em direção ao quarto.

Minha mãe me lançou um olhar de reprovação.

–Melhor você ficar aí, boa noite Zilá.

–Boa noite mãe. - Então eu a abracei. Apesar de ter estranhado aquela afetividade repentina, ela apertou o abraço.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo: A Fuga



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