Mais Do Que Você Imagina escrita por RoBerTA


Capítulo 9
Prazer, Christina Azarada Mason


Notas iniciais do capítulo

Eei, eu amei os reviews, e já vou respondê-los, agorinha mesmo. ^^
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P.S. Vocês preferem capítulos longos ou curtos??



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Devia existir uma escala de vontade de ir para a escola.

A minha ultrapassaria o zero, e entraria no negativo.

Descobri que meu dia ia ser uma droga quando caí da cama, e bati a cabeça na quina da minha mesinha de cabeceira. Sorte que meu cabelo cobria, porque devia ter uma enorme contusão. Admira-me que não sangrei até a morte.

Depois que fiz o maior escândalo, percebi que no meio da noite, que havia sido terrivelmente quente, eu tirei minha blusa. Apoiei-me na cortina para levantar do chão, e isso fez com que ela se abrisse. Um Eric com uma expressão preocupada estava apoiado na janela aberta. Ele abriu a boca, provavelmente para perguntar se eu estava bem. Mas então arregalou os olhos, quando me olhou melhor.

Fechei a cortina na hora.

Mas isso foi só o prefácio do que estava por vir.

Resolvi tomar um banho matinal para melhorar a dor na cabeça, e caí no box. Quando fechei o chuveiro, com uma baita dor na bunda, levei um choque do registro, ou seja lá como se chama aquilo.

Depois de muitos palavrões, saí e me sequei. Coloquei uma blusa branca e um short. Hoje teria Educação Física. Maravilha, não?

Quando fui fazer chapinha, queimei minha orelha. Depois tropecei nos tênis, que estava procurando há uns cinco minutos. Quando desci, não avistei ninguém. Fora papai e Scooby, que dormia de barriga para cima e língua para fora, em cima da almofada do sofá. Duvido que tenha tamanha ousadia com mamãe por perto.

— Ei, filha. Você vai para a escola? — Não sabia o que dizer diante de tal questionamento.

— Hnm, sim? Por que não iria? — Pergunto, mau humor ao auge, enquanto pegava um iogurte na geladeira.

— Talvez porque o ônibus está passando? — Congelo, e aprumo a audição. De fato, era possível ouvi-lo passando naquele instante em frente à nossa casa.

Fecho os olhos, com força, tentando, inutilmente, respirar fundo.

— Por que ninguém me disse que eu estava atrasada?

— Com todas aquelas pragas que você lançou sobre o mundo, duas vezes, ninguém estava disposto a te encarar.

— Vocês ouviram? — Tenho a decência de ficar envergonhada. Papai termina o nó da gravata, e passa a mão em Scooby, no caminho até mim.

— Acho que a rua inteira ouviu. Mas está com sorte hoje. Preciso resolver algo, e sua escola fica no caminho. Carona?

— Sim. — Suspiro, enquanto pego uma colher da secadora de louças. — Aceito. Obrigada, pai.

— Sem problemas. Só não demore muito, ok? Vou estar no carro, esperando.

— Sim, só vou comer isso, escovar os dentes, e já estou indo. Faço bem rapidinho, prometo.

E cumpro minha promessa. Depois de ter escovado os dentes, praticamente corro até o carro. Só então, quando estou pondo o cinto, pergunto-me se não seria inteligente ter ficado em casa. Mas era tarde demais, papai já havia saído da garagem.

Fico ouvindo algumas músicas no rádio do carro, trocando toda hora, até à escola. Ele para em frente ao portão, e me despeço com um beijo no rosto.

— Té! — Grito, enquanto me apresso. Assim que passei do portão, o sinal soou. Pelo menos não me atrasei.

— Ei, você está bem? — Jimmy vem até mim, me olhando de cima a baixo, como que se para verificar se não faltava nenhum pedaço.

— Ótima. Ah, e obrigada por me esperar. — Saio apressada, e ignoro ele me chamar. De repente me sinto um pouco culpada, por ser sempre tão chata. Mas no dia de hoje, ninguém tinha o direito de apontar o dedo para mim.

— Ei. — Digo, quando chego até Calli, que está se dirigindo para dentro da escola.

— Ei. — Ela devolve, mas receosa. Fica um pouco longe, também. Bufo.

— O que foi? Tem um chifre na minha testa?

— Não. Mas tem um aviso de morte estampado na tua cara. A última vez que te vi assim, Eric foi parar na enfermaria, quando você acertou os países baixos dele.

— Bons tempos aqueles. — Dou um sorriso macabro, que faz com que Calli tome ainda mais distância.

— Certo. Estou realmente ficando com medo agora.

— Que isso, amiguinha. Sabe que te estimo muito. — Digo com uma voz melosa, enquanto passo o braço ao redor de seu pescoço. Sinto-a retrair-se minimamente.

— Fico muito grata. — Ela murmura.

Vamos para a sala de aula. Agora teria história. A aula segue normal, chata até. Uma hora o professor chama minha atenção, me acusando de “perturbar a paz” quando acertei o estojo na cara de Eric, que não parava de jogar bolinhas de papel no meu cabelo. Fora isso, a aula decorreu normal, no que diz respeito à normalidade.

No intervalo, fui com a minha “panelinha” até um banco debaixo de uma árvore enorme, nosso lugar habitual.

— Então, vocês vão, certo? — Daniel pergunta, um pouco feliz demais. Tento interpretar sua pergunta, mas me sinto definitivamente perdida.

— Vão aonde, cara pálida? — Indago, enquanto desembrulhava meu cupcake. Cortesia da vó Tereza. Que me recebeu com um top laranja-te-cegarei-para-a-eternidade-perpétua. E eu fiquei estática e entrando-em-colapso-nervos-pré-derrame-cerebral.

— Na festa do pijama, hoje à noite. Você vai, certo? — Ah, caramba. Daniel estreita os olhos, esperando por uma reação minha. Lembro-me da ameaça nitidamente. Não estava afim de reprovar em matemática.

— Certo, eu vou. Mas Vai ter que aturar meu mau humor.

— Querida, a gente aprendeu a conviver com esse teu mau humor desde o tempo dos dinossauros. Agora sai da minha frene, está tapando minha visão. — Calli diz, enquanto fica se remexendo inquieta, tentando ver algo atrás de mim. Enquanto saía da frente, olhei o que ela tanto bisbilhotava. Era John, o parceiro dela no trabalho de português. Ele estava sentado contra um tronco, lendo um livro de aspecto surrado, e armado de fones de ouvido. Parecia alheio ao resto do mundo. E aos olhares escaldantes da minha amiga. O “filho” travesti deles, estava meio que sentado/jogado ao lado do rapaz. O Miojo.

No fim, Caolha até que não era o pior nome. Tinha de piores.

— Você vai acabar dissecando ele com o olhar. — Bea falou brincando, e recebeu um dedo médio em resposta.

— Ah, — os olhos de Calli ficaram brilhantes — como eu queria aquele pedaço de filé no meu quartinho. Hnm...

Todo mundo riu dela, mas ela nem ligou. Continuou olhando sonhadora para John, que por fim pareceu perceber estar sendo alvo de olhares, e a encarou. Seu rosto ficou vermelho, e ela ficou de costas para ele, parecendo envergonhada.

— Senhorita Callilda, com vergonha?! — Daniel exclama, o que a faz ficar ainda mais vermelha. Toda a atenção agora está nela, menos a minha, que ainda está em seu colírio. John dá o mínimo dos fantasmas dos meios sorrisos. Que vai tão logo quanto veio. Em seguida volta para seu livro.

— Cala a boca, Daniel. Seu nerd fajuto!

O que não era mentira. Que outro nerd era tão festeiro quanto ele?!

— Ei, — despenteou seus cabelos, que agora pareciam um ninho de passarinho — fica assim não, pentelha. Sabe que eu te adoro.

— Sei. — Ela cruzou os braços, braba. Mas não convenceu ninguém.

Quando estava dando a última mordida naquela delícia, o sinal anunciou o fim do intervalo.

— Educação física. Sinônimo de alguém, por favor, me mate.

— Não fica assim não, não deve ser tão ruim assim.

— Ah, claro Bea. Porque não é você que está com toda essa maldita falta de sorte acumulada.

— Credo, que negativa.

Mostrei a língua, no caminho para o ginásio. Fomos para o vestiário, mas resolvi não trocar de roupa. Eu iria logo para casa, e cairia no chuveiro de cara. Droga, isso soou meio como um presságio com duplo sentido. Merda.

Calli precisou me empurrar para que eu me mexesse. Estava lá, nossa turminha da pesada reunida. A primeira pessoa que vi foi Eric, lançando a mim um dos seus típicos-meios-sorrisos-destinados-a-Chris-garota-a-qual-me-amarro-em-infernizar.

Aquele momento de alucinação de ontem entre nós me atingiu como um tapa na cara. Forcei meus olhos para longe dele. Senti Calli ao mesmo tempo tentar se esconder em mim.

Descobri ser John o motivo, encarando-a abertamente, com uma expressão inescrutável. Calli voltou seus olhos cinzentos para seus tênis All Star, um azul, e o outro roxo. Seu rosto estava rosa, do tom de seu cabelo.

— Calli? — Aproximei-me de seu ouvido. — O que foi? — Indaguei, apesar de já saber previamente a resposta. Amigas são para isso. Infernizar ou ajudar.

— Nada não. — Ela mente muito mal, mas dou um desconto. Não é só porque meu dia estava uma porcaria, que precisava arrastar alguém pra fossa comigo.

O professor, super musculoso, era alvo de vários olhares de cobiça. Eu não fazia parte desse grupinho seleto, apesar de achar ele um gato. E meu Deus, que bronzeado era aquele?!

Seus olhos castanhos pararam em mim, e pareciam sorrir. Não era muito velho, uns vinte e cinco anos, talvez. Ele me disse certa vez que eu era sua aluna preferida. O cara vivia flertando comigo. Eu sempre parecia não saber onde tinha ido parar minha capacidade de falar. Mas deve ser brincadeira dele. Certo?

— Hoje vocês vão praticar uma série de jogos, para desenferrujar. — Algumas meninas soltam suspiros exagerados. — Aproveitem, porque o resto do ano, vou pegar bem mais pesado.

Então a turma é dividida em dois times. Logo vou para o time A, não pelas minhas habilidades físicas, que são deploráveis, e sim pelo fato do Eric ser o capitão do time.

— Ei Doçura. Você fica bem de azul.

Por um minuto, fico boiando. Não vestia uma única peça de roupa azul. Mas então me lembrei da cor do sutiã dessa manhã.

— Argh. Vai pro inferno, Eric.

— Você vem junto? — E complementa com um sorriso sacana. Piso em seu pé quando passo por ele.

Bom, até que não começou tão ruim assim. Primeiro teve um futebol misto. Eu consegui passar a bola uma hora para o Daniel, que fez um gol. E consegui também impedir um gol. Depois teve vôlei, e as coisas começaram a piorar. Uma hora me joguei para pegar a bola, e calculei mal o movimento. Caí quase de cara, sorte que amorteci o impacto com as mãos. Meu querido professor Jude ajudou-me a levantar, e acho que não precisava fazer tanto uso das mãos assim. Pelo canto do olho, vi Eric estreitar os olhos em nossa direção. Nunca entendi essa birra dele com nosso professor.

— Obrigada. — Digo sem jeito, e ajeito a blusa. A aula prossegue, a caio de novo, mas de bunda dessa vez. Consegui tropeçar no meu próprio pé. Maravilha. Dessa vez levanto sozinha, e bem rápido.

Depois do maravilhoso jogo de vôlei, começa o basquete.

É ali onde sinto minha vida acabar.

Não sou baixinha, mas também não sou uma girafa. E só fico comendo mosca naquela partida. De repente ouço alguém chamar meu nome. Olho confusa para Carlos, meu colega de time, e então percebo o que ele queria.

Avisar que ia passar a bola.

Mal tive tempo de arregalar os olhos, e então a enorme coisa redonda e laranja atingiu meu nariz em cheio.

Caí de joelhos, amaldiçoando tudo que o que me vinha à mente. Até as melancias eu xinguei. Cobri meu rosto com a mão, e senti o sangue escorrendo, bem devagar. Já podia ver as gotinhas que atingiam minha camisa branca. Perfeito.

Gemi de dor. Será que havia quebrado? Não, se não estaria doendo bem mais. Na oitava série, quando apostei uma corrida com Eric, tropecei em um paralelepípedo solto na rua, e caí. Quebrei o braço esquerdo. Eu sabia como era a dor de algo quebrado.

Senti uma mão tocar meu braço delicadamente. Eric me fitava muito preocupado, e quando Carlos chegou perto, recebeu um olhar fulminante de meu vizinho, então tratou de escapulir logo dali.

— Piradinha, você está bem?

Não, eu não estou bem. E estou sangrando, seu idiota! Era o que eu queria dizer, ou melhor, gritar. Mas segurei minha língua e neguei com a cabeça, apenas uma leve inclinada.

— Vem, vou te levar à enfermaria. — Deixei que ele me erguesse em seus braços torneados, apesar de o nariz estar sangrando, e não as pernas.

— Deixa que eu levo ela. — Ouvi a voz do professor.

— Não. Eu levo. — Eric soou quase ameaçador, e por um instante, Jude pareceu recuar. Então estreitou os olhos, claramente não gostando de ser intimidado por um aluno. Mas acabou cedendo, com um dar de ombros.

— Vá e fique com ela. Acompanhe-a até em casa depois. Vocês são vizinhos, certo?

— Sim.

Eu tinha vontade de gritar, por frustração. Aqui estava eu, nariz sangrando e azar sanguinário. E eles debatendo. Legal.

Soltei um barulho um pouco pré-histórico, e eles pareceram perceber que estavam perdendo tempo.

— Vão.

E fomos.

Agora o sangue quase não escorria mais, e ele andava rapidamente, comigo em seus braços. Nenhuma palavra foi compartilhada, e então estávamos na enfermaria.

Como eu havia previsto, nada quebrado. Sorte a minha. É, talvez eu não fosse tão azarada assim. Márcia estava lá, e quando viu meu estado lamentável, disse que eu não preciso ir à detenção hoje. Uma luz em meio a tantas trevas.

— Eu deixei a minha mochila lá no vestiário. Você pode ir pegá-la? — Pergunto a Eric, mas sem encará-lo. Seguro um saco de gelo contra meu nariz, só para o caso de sangrar novamente. Não estava doendo nem nada, mas antes aumentar do que minimizar a situação.

— Tudo bem, já volto.

Fiquei olhando através da janela enquanto o esperava. Um pássaro voava, formando círculos no céu azul. Sumia e aparecia por entre as nuvens. Suspirei, maravilhada.

— Como será que deve ser voar? — Perguntei baixinho, para mim mesma. Devia ser o paraíso.

— Aposto que a sensação é a mesma de amar. Quando você está apaixonado, é como se estivesse voando, e a pessoa fosse seu pedacinho de chão.

Pulo de susto, sem ter percebido Eric se aproximar. Ele estende minha mochila, e a pego, receosa, ainda com suas palavras em minha mente.

— Então voar deve ser um saco. — Digo, quando estou mais recomposta, e já de pé. Seu olhar está curioso.

— E por que você acha isso?

Respiro fundo, passando por ele.

— Porque amar é a pior burrice que alguém pode cometer. Se entregar para alguém. Se ferrar. Sofrer.

Compartilhamos um longo olhar, até que o quebro saindo sem esperá-lo. Sinto-o me seguir, mas não viro para vê-lo. O ônibus já estava esperando, e a aula terminaria em uns cinco minutos. Subimos no monstro, e eu fui para meu lugar habitual. Mas dessa vez Eric não foi para o fundão, ele sentou-se ao meu lado. Quando viu o ponto de interrogação pairando sobre mim, ergueu a sobrancelha.

— Eu preciso me assegurar de que você não tenha uma hemorragia nasal.

— Ha, que vizinho atencioso o meu.

— Ao seu dispor. — E faz uma mesura sentado.

Ficamos em silêncio, o que era muito agradável, além de me economizar grosserias.

O sinal soou, e com ele os alunos se dispersaram, parecendo extremamente felizes por ser sexta-feira. Vi Adelina de relance, com aqueles pulinhos infantis e entusiasmados. Ela se atirou em um garoto, que logo descobri ser Rafael. Partilharam um longo e demorado beijo, enquanto eram alvos de olhares. Muitas garotas nem disfarçavam o interesse pelo garoto, mas aposto que não iriam querer se meter com a minha prima, se a conhecessem bem. Depois os dois pombinhos subiram na moto dele, e sumiram no limite do horizonte.

Eric me flagrou observando-os.

— Você ainda acha que amar é uma burrice?

— Sim. — Sussurro. Claro que era. Por que não seria? Todos meus namorados me fizeram sofrer. E quando estava me apaixonando, o garoto não prestava. Dividiu meu coração em dois. O antes e o depois. Ainda dói.

Balancei minha cabeça, para expulsar tais pensamentos.

Vi Jimmy entrar no ônibus, e quase me engasguei. Como não havia notado antes?

Vestia-se como o vovô Toni. E até parecia um padre, nerd, sei lá o que. Definitivamente parecia um senhor de idade. Até seu modo de andar parecia diferente. Mais centrado, mais maduro. Na mesma hora obtive a resposta da pergunta que nem havia chegado a fazer.

Bianca.

Ele estava disposto a mudar por ela. E quer saber? No final acabaria magoado, como sua tola irmã.

Fiquei olhando para fora da janela até chegar em casa. Atirei um obrigada por cima do ombro para Eric, a contragosto.

Tive que explicar o pequeno incidente no almoço, e depois subi para meu quarto. Assegurando-me de que a cortina estava fechada tirei a blusa arruinada pelo sangue. Coloquei meu celular despertar, e joguei-me sobre a cama, ansiando por um cochilo.

Acordei com o celular fazendo barulho.

Acho que a bolada estava começando a fazer efeito.

Meio grogue pelo sono, o peguei, mas não era o alarme, e sim Calli.

— Alô? — Minha voz parece uma gororoba, enquanto afundo a cabeça no travesseiro para falar.

— Ei, minha amiga linda!

— O que você quer de mim? — Digo na lata, e a sinto hesitar no outro lado da linha.

— Você vai à festa hoje à noite, né?

Droga, a maldita festa. Era tudo o que eu não precisava no momento.

— Não sei.

— Mas Chris, eu preciso de você! O John vai estar lá. Por favorzinho?!

Ela faz uso daquela voz que ninguém resiste, e acabo concordando, a muito custo.

— Passo para te pegar em uma hora! Ah, e coloque um pijama bem sexy! Beijos gata, tchau!

E desliga. Enterro ainda mais a cabeça. Fico assim por uns dez minutos, até que resolvo levantar.

Abro meu guarda-roupa, e só tem um pijama que posso usar. Pelo menos limpo e novo. Uma regata rosa pink com bolinhas pretas, e a bermuda toda preta. O tecido é superfino e delicado. A minha sorte é que não estava frio. Na verdade, estava bem calor.

O coloco, e depois ponho uma blusa de mangas e uma saia de pregas, tudo por cima do pijama mesmo. Pego minha bolsa, e vou encarar o espelho.

Até que não aparentava ter levado a bolada. Na verdade, fora a marca da fronha na metade da cara, eu não estava nada mal. Meus cabelos haviam voltado aos seus cachos naturais nas pontas. Em cima ainda persistia um pouco do efeito da chapinha. Meditei se fazia de novo ou não, mas no fim acabei não fazendo, por causa da preguiça. Não passei maquiagem nem nada, e calcei uma sapatilha.

Quando desci, vi meus pais conversando sobre o trabalho na sala. Nenhum sinal de Jimmy. Scooby, deitado no tapete, encarava aquela almofada de hoje mais cedo, com cobiça.

— Ei, eu vou dormir na casa da Calli hoje, tudo bem?

Ficaram me olhando um pouco, pensando.

— Você devia ter perguntado antes. — É minha mãe quem diz.

— Eu sei, desculpe. É que meu dia está sendo terrível e acabei me esquecendo. Mas posso, né? — Pergunto pidona.

O triste é que não sinto nadica de nada de remorso por mentir.

— Pode, — ela suspira — precisa que eu te leve?

— Não, a Calli vem me buscar.

Ambos franzem o cenho, preocupados. Calli tinha um fusca que inicialmente era branco, mas com o tempo acabou virando um “arco-íris”, com todos aqueles adesivos e desenhos por ele todo.

— Ok. Que horas você volta amanhã?

— Acho que de tarde. — Nesse momento uma buzina soa lá de fora. — Acho melhor eu ir. Beijos!

E saio correndo. Jogo-me dentro do fusquinha, que tem um cheiro forte de perfume.

— Oi. — Digo sem fôlego.

— Ei. — Ela devolve.

Ficamos conversando sobre tudo e nada no caminho, até ela estacionar junto com vários outros carros na casa onde a festa já estava acontecendo.

A casa é afastada da cidade, e isso até que era bom. A música pulsava dela, fazendo-a parecer viva, como se cada batida fosse de seu coração. Isso é, se casa tivesse coração.

Tirei a roupa-disfarce dentro do carro, e pulei para fora. Calli estava com uma bermuda azul marinho larguinha, e sua blusa era solta, bege, com um Garfield preguiçoso na frente. Isso sem falar de suas meias listradas de várias cores, e a pantufa, do Frajola. Ou seja, ela estava sendo simplesmente muito Calli.

— Pronta?

Concordo, e vamos até a casa, cujas luzes começavam a irritar meus olhos. Tudo muito claro. Uma loucura.

Mas loucura mesmo, estava lá dentro.

Festa do Pijama. O nome parecia inocente, mas nada daquela festa era inocente. Corpos se esfregando, bebidas sendo distribuídas. Gente quase seminua. E isso era só o começo.

Comecei a me sentir doente e a querer ir embora, mas então vi Calli, cujos olhos brilhavam para um John apoiado contra uma parede. Porém ela pareceu murchar quando viu que ele estava conversando com uma garota loira, que não parava de “dar ênfase” em seu degote.

— Droga. — Minha amiga resmunga. — Eu sou muito idiota mesmo.

Entretanto, eu discordava completamente. Assim que John a viu, ele sorriu com os olhos. A garota loira ficou aborrecida quando percebeu ter sido esquecida. Ele simplesmente a deixou lá, e veio até nós.

Parando em frente à Calli, que parecia à beira de um colapso, ele olhou dentro de seus olhos, com seus dois buracos negros. Sabe que eles combinavam na cor dos olhos? Preto e cinza.

Quando se inclinou para ela, devido a sua estatura extremamente pequena, uma mecha do cabelo escuro dele saiu do lugar, e uma cicatriz ficou a mostra. Se possível, aquilo o deixou ainda mais charmoso. Eu compreendia porque ela gostava tanto dele. Um garoto fechado, bonito e misterioso. E se Calli tinha um defeito, além do excesso de cores, era a curiosidade.

— Quer dançar? Ele perguntou ao pé de seu ouvido com a voz rouca.

Calli arregalou os olhos e balançou a cabeça freneticamente, concordando. Ele pareceu achar graça e sorriu, enquanto pegava sua mão e a levava para outro lugar, provavelmente onde as pessoas estavam dançando.

Uau, eu nunca tinha o visto dar um sorriso como aquele, desde que o conhecia.

Amor. Parecia uma doença, tipo uma gripe. E todo mundo aparentava estar contagiado. Acho que eu era imune.

Com esse pensamento, me misturei na multidão, procurando algum rosto conhecido. Ninguém.

Comecei a ficar impaciente, quando senti uma mão no meu braço, tentando me chamar atenção.

— Ei, gatinha. Quer dançar? — Precisei pensar um pouco para discernir as palavras. O garoto estava visivelmente bêbado. Eu o conhecia de vista, mas nem seu nome sabia.

— Não, com licença.

Ele me puxou de novo, dessa vez mais forte.

— Me solta, está me machucando!

Então alguma coisa o empurrou. Eric. Vestido com uma camisa bege e uma calça xadrez em tons de azul. Parecia furioso.

— Se você encostar mais um dedo nela, vai perder a mão, entendeu?

Uau, alguém parecia bêbado. O outro bêbado, saiu quase correndo, assustado. Virei-me para Eric,

— Eu não pedi sua ajuda.

Uma série de emoções cruzou seu rosto, mas então ele apenas balançou a cabeça e se perdeu na multidão. Minha irritação chegou ao ápice naquela hora.

Vi uma bebida com uma cor bastante chamativa, e resolvi experimentar. Tinha um gosto exótico, e me fez querer dançar. Pular. Sorrir.

De repente uma alegria maluca e muito bem-vinda se apoderou de mim.

Arranjei outra dose, e já não conseguia pensar direito.

E então outra.

E outra...


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo já está pronto, ou seja, com muito mimo eu posso postá-lo rapidinho ^^
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BjxxxxxxxxxX