Mais Do Que Você Imagina escrita por RoBerTA


Capítulo 8
Sob o luar, duplamente


Notas iniciais do capítulo

E aí meus feijãozinhos mágicos?? O que acharam da nova capa?
Boa leitura ^^
BjxxxX ♥



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Márcia olha por cima das lentes redondas de seu óculos antiquado.

— Senhorita Mason, Senhor Gall. — Ela nos cumprimenta com um aceno de cabeça, correspondente a cada nome enunciado. Estão atrasados.

Minha cara cai lá embaixo.

— O quê?!

Eric me puxa para trás de si, ignorando deliberadamente meu olhar fulminante.

— Aconteceu um pequeno imprevisto. Um esquilo foi atropelado no caminho, e não resistimos a doce criaturinha. Precisávamos ampará-lo!

Inclino minha cabeça para a direita, em total descrença. Um esquilo atropelado, sério? Essa era a melhor desculpa que ele poderia inventar? Por que não disse de uma vez que tinha uma baleia encalhada no meio do asfalto, e precisamos chamar o guincho para removê-la? Humph!

— Oh! Ele está bem?

Olho incrédula para a secretária da escola, que parece realmente acreditar nessa historinha ridícula. Seus olhos estão marejados. MAREJADOS!

— Sim, — o traste suspira melancolicamente — nós evitamos que ele fosse morto por um carro que estava prestes a passar por cima dele. Novamente. Seria seu fim! E então ele esfregou a cabecinha na Chris, e saiu correndo. Aquela criaturinha!

Ele o quê?! Ah, sério, acho que vou ter um derrame aqui. Ou me engasgar com a minha indignação.

— Oh! — Márcia repete. Sério, que pobre-iludida-solteirona-e-pé-no-saco. Ela limpa pequenas lágrimas — inúteis e sem noção — que nem consigo enxergar. Lágrimas imaginárias. Legal. — Então podem ir, não tem problema. Vocês, jovens, são tão doces!

Cadê a sacolinha de supermercado para eu vomitar dentro?

Antes que eu diga algo sarcástico e ácido, sou puxada por Eric, que me reboca até o corredor.

— Esquilo? Sério? Da próxima vez diz que fomos comprar leite em Nárnia. É mais criativo.

— Nossa, você é sempre tão doce. Não tem medo de azedar não?

— Ha. Ha. Que piada magnífica.

Puxo Caolha para mim, mas ele não a solta. Começa então um cabo de guerra.

Pobre Caolha.

— Me. Dá. Ela!

— Ok.

Hã?

Tudo acontece muito rápido. Ela a solta, bem na hora em que iria puxá-la para mim novamente. A gravidade, que parece ter algo contra a minha pessoa, faz com que eu vá para trás e para o chão, ao mesmo tempo, e com tudo.

Caio de bunda.

Certo, agora perguntem: onde?!

Em um balde. Sério. Em um balde cheio de algum líquido identificável.

Sinto meu bumbum molhado e começo a praguejar injúrias, praticamente vendo escarlate.

— Ahhh! Eu vou acabar com a tua raça!

Seus olhos se arregalam, e por um milésimo de segundo, penso que ele se sente culpado, mas então — mas então! — uma risada estrondosa ganha vida através de sua garganta, enquanto seu peito vibra. Meu ódio aumenta.

— Idiota! Besta! Estúpido! Filho da...

— Psiu, é feio falar mal da mãe dos outros. — Mas ele não parece aborrecido.

— ...minha boa vizinha!

Argh.

— Você é um imã para desastres, né?

E você é um imã para idiotice, né? — Pergunto irônica.

Ele ri de novo.

— Ótimo, — grunhi, enquanto tentava levantar, inutilmente — ME AJUDA, SEU RETARDADO!

Ele suspira, meio que sem fôlego por achar graça da desgraça alheia, e vem até mim. Pega minha mão esquerda entre as suas — Caolha está na direita, o olho vesgo, agora completamente virado para fora de sua cabeça — e me puxa.

Um barulho esquisito ganha vida quando me desprendo do balde. O frio faz com que eu me arrepie quando o vento que adentra por uma janela aberta, entra em contato com minha pele molhada.

De repente Eric me olha preocupado.

— Você está molhada.

Certo, e gnomos habitam meu banheiro.

— Não diga. — Falo entre dentes, com aquele sorrisinho, corre diabo, porque quando eu te pegar, não sobra nem pra caldo.

— Vem, eu sei onde tem roupas sequinhas.

Antes que eu concorde ou discorde, sou puxada para um lugar, que se não me engano, é onde ficam os achados e perdidos.

Olho desconfiada ao meu redor, e meu cérebro grita que esse pequeno desvio da detenção, vai custar caro.

— Tcharam! — E estende uma bermuda.

Horrível.

Metade xadrez, e a outra, listrada.

Com cores entre amarelo banana, azul encanação, verde milho, marrom lama, rosa te seguei, e laranja intoxicável.

Fora a purpurina, as tachinhas, as lantejoulas, e — acreditem se puderem — um sininho no cinto bregamente branco. De crochê.

— Tá me zoando? Isso é uma piada? Você não acha que eu vou pôr isso aí, né?!

Respiro de modo compassado, tentando me acalmar, e ignorar minha bunda pingando. Deus, essa frase soou terrível.

— Mas é uma gracinha! — Ele finge inocência.

Sim, decerto que sim. Não posso culpar o pobre coitado que perdeu essa coisa acidentalmente.

— Bom, ou é isso, ou ficar molhada. Ou... — ele morde o lábio, me olhando de cima a baixo — ...pode ficar só de calcinha. Juro que não me importo.

Arranco a bermuda-arco-íris de suas mãos, e fico atrás de um balcão.

— Vira! — Mando carrancuda.

— Sério? — Ele pergunta meio que indignado. Mais essa agora.

— Sim!

— Ok!

Quando se vira, substituo rapidamente minha bermuda — linda — por essa outra — horrorosa.

— Pronto.

Olho para mim mesma, e quero morrer.

Acho que nunca vesti algo tão ridículo assim antes.

— Ficou maneira. Sinto sua vontade de rir de suas palavras.

— Pode rir. — Digo de mau humor. E ele o faz. E como faz! Nessa altura, meu bom humor seria capaz de intoxicar uma cidade inteira.

Meus passos são rápidos, enquanto me dirijo à sala que nos foi designada. Caolha e bermuda molhada na mão, empurro a porta que estava meio aberta.

Entro, e dou de cara com um punhado de crianças, com uns sete anos talvez.

— Oh, crianças. — Eric diz atrás de mim, enquanto as olha assustado, como se tivesse diante de uma multidão irada de zumbis.

— Ué, você só é paternal com bonecas de plástico?

Ele engole em seco, e entra na sala, me deixando para trás com a minha provocação não recíproca.

— Hnm, oi? — Sua voz parece vacilante.

— Ei, vocês! — Olhamos ao mesmo tempo para um garoto de óculos e coberto de espinhas, que exibe uma carranca de mau humor dos diabos. E como isso o deixava feio. De repente fiquei ciente do meu humor do cão constante. Isso queria dizer que eu era feia em tempo integral? Precisava perguntar isso para alguém. — Devem ser os infelizes que vão me substituir. Eu vou logo avisando. Eles são uns capetas!

Com isso sai praticamente correndo da sala, deixando aquele monte de crianças — que não tinham nada de capetas — com dois adolescentes perdidos, atordoados, sem saber o que fazer.

Como Eric não abria a boca, resolvi assumir a situação.

— E então seus lindinhos!? Quem quer brincar!?

***

— ERIC!

— O QUÊ?!

— ME AJUDA!

— NÃO DÁ! ESTOU OCUPADO, NÃO ESTÁ VENDO?!

De fato, não estava vendo. Na verdade, não estava vendo nada. Aqueles diabinhos fizeram uma merda com meu cabelo, passando ele ao redor da minha cabeça, e eu não via nada. Deus, devo ter mais nós que fios de cabelo!

Tateei até chegar a uma mesa, e então senti algo gelado e gelatinoso atingir meu peito em cheio.

Tinta.

O cheiro chegava até minhas narinas, e fazia com que elas ardessem.

Consegui tirar meu cabelo do rosto, e então uma bola me atingiu na cara, e desabei no chão.

— Ai! — Gemo, enquanto tento me levantar, mas um diabinho que se acha o Indiana Jones passa a droga daquela corda ao meu redor — novamente.

— ERIC!!!

Sinto-o chegar por trás, e tirar aquela coisa estúpida de mim.

— Meu Deus, eu não aguento mais isso. — Diz enquanto sacode os cabelos, fazendo com que caia um monte de purpurina no chão.

— Nem eu. — Digo sem forças.

Como se Deus tivesse se apiedado de nós, a porta se abriu naquele instante, e Márcia entra, olhando para o chão antes de pisar.

— Crianças! — Seu tom é repreensor, mas soa como se tivesse sido dito milhares de outras vezes. — Arrumem suas coisas. E vocês — ela aponta para nós — arrumem isso tudo, e então podem ir para casa.

Ela está saindo, mas corro até alcançá-la.

— Márcia! Pelo amor de Deus, me diz que eu não vou ter que ficar com eles todos os dias, durante três semanas!

— Só nas quintas. — E dá uma piscadinha antes de sair.

Não sofremos mais nenhum abuso depois que ela veio aqui, e os diabinhos arrumaram seus pertences como se fossem anjinhos. Há! Eu que sei os quão não angelicais eles podem se tornar.

Então Márcia veio os pegar, e os levou para fora, provavelmente seus pais vieram lhes buscar.

Eu adoraria ter umas palavrinhas com eles...

E eu e Eric?

Bom, limpamos.

Limpamos muito. Quando por fim tirei a última mancha de tinta do chão, a mesma verde vômito que estava estampada na minha blusa agora arruinada.

— Meu Deus, que dia. — Ele diz exausto enquanto se joga no chão mesmo, acomodando todo seu peso. Parece um ovo numa frigideira, todo esparramado.

— Nem me fala. A chata-Márcia disse que vamos ter que tomar conta deles toda quinta-feira.

Estremeço com o pensamento, e Eric parece fazer o mesmo.

— Pensa pelo lado positivo, é só na quinta. Podia ser todos os dias.

— Senhor Positivo, nem vem com essas positividades para cima de mim, que eu te capo. Agora levanta, que meu corpo necessita de um banho quente.

— Em conjunto? — Ele pergunta esperançosamente.

— Individual. — Corto o barato dele.

Sou eu quem leva Caolha para casa. Combinamos de nos reversar, ela dormindo um dia na casa de cada um.

Já no meio do caminho, me sinto exausta. Sento no meio da calçada, vendo as sombras dançar à minha frente, anunciando que o dia estava para anoitecer. Uau, que detenção mais demorada. Lembre-me de nunca mais irritar o Professor Borges.

— Ei, Piradinha, e aquela pressa?

— Ela pode esperar.

— Pressa esperando. Você é tão poética, que me deu vontade de ir ao banheiro.

Faço cara feia pra ele.

— Então vai.

Eric suspira, e senta ao meu lado. Ficamos um tempo assim, em silêncio, olhando enquanto as sombras eram dizimadas pelas horas.

Já está descansada?

— Nossa, — digo irritada, enquanto me levanto e sacudo aquela bermuda horrível — você é chato pra chuchu hein.

— Own, você me acha um chuchu? Vem cá, minha beterraba azul.

Saio correndo, com ele me perseguindo. Vejo o telhado da minha casa, banhado pela luz do luar, acompanhada pela dos postes.

Apresso os passos, e então percebo que ele não está realmente se esforçando muito. Se quisesse, já teria me alcançado.

Paro abruptamente, já na frente do gramado da minha casa, e isso faz com que Eric tombe em mim, fazendo com que ambos caiamos na grama fofa.

Fico por baixo, e me viro com dificuldade, até ficar cara a cara com ele. Metade de seu rosto é um mistério negro para mim, enquanto a outra metade, está um pouco ocultada pelas sombras.

Sinto meu peito subir e descer descompassadamente, e aperto Caolha com força, para conter um nervosismo que desconheço a origem.

Sua respiração faz cócegas em meu rosto, e sinto aquele cheiro, tão igual ao da lua que nos observa ao longe.

Eric tinha cheiro de luar.

Seus olhos me mantinham presa ao chão, roubando o papel da gravidade. Mesmo não os vendo, eu sentia seu peso sobre mim, me deixando arfante.

Esse era o tipo de situação que eu tentava evitar a todo custo. Onde perdia o comando sobre meu corpo. Minha mente gritava ruidosamente para empurrar Eric, levantar com o resto de dignidade que ainda me sobrara, e ir para casa. Mas meu corpo, esse teimava em imitar uma gelatina.

Fui tirada de meus devaneios quando o senti se aproximar de mim, e então era quase inexistente o espaço entre nós. Fechei os olhos, esperando pelo que viria a seguir.

E que nunca veio.

Seu corpo se distanciou do meu, me deixando à deriva da dúvida e confusão. Arrepiei-me sob o vento gélido que tomou seu lugar.

— Bom, acho que estou precisando do meu banho individual.

Ele diz casualmente, mas nem sequer ao menos olha na minha direção quando o fala.

Afasta-se, e vejo-o entrar em sua casa. Sacudo a cabeça, e digo a mim mesma para ignorar. Apenas ignorar.

Não dizem que a ignorância é uma bênção?

Levanto, mas sem um fragmento de dignidade, eu vou para minha casa. Mas antes de entrar, paro na soleira da porta, e olho para a lua que parece me encarar, com toda sua abundância.

— Te odeio. — Digo, testando o gosto que essas palavras possuem.

Pode existir gosto de vazio?


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