O ataque começara.

Sanctus, pelo que parece, havia ordenado um ataque surpresa a Bellone. Demônios, de todas as espécies, estavam atacando a cidade e a estavam devastando.

Olhei pela janela aterrorizada.

Muitas pessoas não sabiam o porquê disso tudo e haviam sido tiradas de suas vidas normais por uma estupidez sem tamanho.

Lojas e barracas haviam sido devastadas e as pessoas morriam uma a uma. Vi uma mulher ser arrastada enquanto era destroçada por três demônios.

Uma garotinha, de uns quatro anos, foi arrancada dos braços da mãe e foi obrigada a assistir enquanto dois demônios a decapitavam.

Depois, eles pegaram a menininha e arrancaram membro por membro, fazendo a pequena gritar em agonia. Seus gritos foram encerrados quando uma garra cortou seu corpo ao meio.

Gritei em desespero e tentei sair do quarto, mas fui barrada por alguém na porta.

Dante segurou meus ombros e me encarou firmemente.

Eu não iria a lugar algum.

– Me solta! – Gritei. – Não posso deixa-los assim. É tudo minha culpa!

– Não vai adiantar de nada tentar ajuda-los estando morta. Precisamos sair daqui.

– O que? – Exclamei. Ele não podia estar falando sério. – Dante, essas pessoas estão morrendo por nossa causa!

– Kyrie! – Ele retrucou impaciente! – Falando sério, não dou a mínima para a sua vida. Mas não estou a fim de virar saco de pancadas do Garoto. Acha mesmo que se eu tivesse opção, eu não iria ajuda-los? Mas precisamos ficar vivos! Não entende? Só nós temos a chave para acabar com Sanctus e somos o que ele quer no momento!

Lágrimas vieram aos meus olhos quando percebi que ele estava certo. Todos os membros do meu corpo lutavam contra eu deixar aquelas pessoas morrerem, mas ainda assim, não tinha jeito de salva-las. Um navio não se explode duas vezes...

Dante meu deu exatamente dois minutos para trocar de roupa. Nem vi direito as peças que escolhi. Meus olhos estavam embaçados com tantas lágrimas.

Coloquei as mesmas roupas antes do ataque, que estavam limpas. Vesti meus tênis e sai correndo, seguindo Dante.

Estávamos em uma espécie de subterrâneo de uma fábrica abandonada em Bellone, mas não me certifiquei do que se trataria a fábrica.

Subimos os últimos lances de escada, até que quase tropecei em uma figura parada minha frente.

Lady nos encarava eufórica, como se um desafio desses a animasse.

Eu poderia mata-la agora mesmo.

– Isso não é justo! – Gritei. – Eles estão morrendo por nossa culpa, e não vamos fazer nada?

– Ei! – Lady retrucou. – Não nos coloque nesse meio. Quem explodiu a droga dos navios foi você, meu amor. Então, tecnicamente, a culpa é sua.

Obriguei-me a respirar fundo antes de prosseguir.

– Certamente. Então, já que a culpa é minha, posso fazer as honras?

Não esperei uma resposta. Afastei Dante com um empurrão e corri para fora, a fim de ajudar no que eu podia.

Poderia fazer exatamente como eu fiz em Fortuna, recrutando os cidadãos para dentro da fortaleza do castelo.

Quando virei para procurar a saída daquela droga, uma mão forte agarrou meu ombro, mas não a ponto de me machucar.

Olhos azuis gélidos encaravam meu rosto, com longos cabelos louros emoldurando a cena.

A boca de Trish era uma linha fina de raiva, mas mesmo quando eu a olhei, ela não me soltou.

– Não seja idiota, garota. Acha que vai conseguir enfrentar uma legião de demônios sozinha? Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar.

A raiva explodiu dentro de mim. Com um tapa, afastei a sua mão, mas isso deve ter sido uma picada de mosquito para ela.

Olhei em seus olhos gélidos e gritei:

– Quer saber? Eu nunca deveria ter procurado vocês! Deveria ter ficado em Fortuna e morrido mutilada por aqueles demônios. Fiz isso por desespero! E olhe agora meus atos: Estou devastando uma cidade!

Comecei a soluçar desesperada. A dor estava me consumindo e eu não podia acreditar que em dezoito anos já havia sacrificado mais da metade de minha cota: Meus pais, meu irmão, as três cidades de Broken Island...

Trish respirou fundo, segurando meu ombro com menos força dessa vez.

– Kyrie – Ela disse calma e devagar. – Às vezes, em nossa vida, precisamos fazer sacrifícios. Nem tudo está perdido. Já estava planejado, com a sua explosão ou não. Com o sequestro de Nero ou não. Isso já estava previsto. Ele havia planejado isso há muito tempo.

– Dante é a prova viva disso. Ele perdeu tudo, e mesmo assim, continua lutando. Vergil morreu lutando, e mesmo assim, deixou uma prole que ainda continua lutando por ele. Duvido que Nero esteja parado ou quieto. Ele não vai se deixar sacrificar facilmente. Precisamos nos preparar para a guerra. Isso é apenas a primeira cartada de Sanctus.

– Nem todas as pessoas morreram, Kyrie. Fortuna foi a primeira e Bellone, a última, mas mesmo assim, muitos se salvaram. Estão fugindo para o continente, sobrevivendo como podem, assim como nós. Mas temos uma vantagem. Se salvarmos Nero, e ele fechar o portal, o plano do velhote vai por água abaixo e tudo acaba. Mas precisamos de reforços. Ajuda. Amigos. Compreende? Não vai ser fácil tirar o menino de lá. Os portões não vão estar guardados por soldadinhos de chumbo. Sanctus não vai lutar sozinho.

Enxugando minhas lágrimas, eu compreendi. Precisávamos continuar lutando, pois éramos os únicos que sabiam como derrotar o velho. Mas se ele nos pegasse, tudo estaria perdido. Ou não...

Uma ideia maluca se formava em minha mente. Maluca, insana e letal. Mas ainda assim...

– Trish – Comecei com uma hesitação. – Tudo bem. Mesmo que consigamos recrutar amigos, preparar um plano e entrar em ação... Como iríamos saber onde Nero está sendo mantido? Acha que iria ser em um local fácil? Quando procurei vocês, imaginei que todos sabiam onde Sanctus estaria mantendo Nero. Mas nem vocês sabiam. Agora, tudo o que estamos fazendo é estragando seus planos iniciais e fugindo dele. E a nossa missão inicial?

Uma expressão confusa passou pelo rosto imaculado da garota-demônio, mas ela pareceu entender os princípios de minha ideia. Assim eu imaginava.

– Kyrie, o que quer dizer? Que não sabemos onde Nero está, é isso?

– Certamente.

– Bem, isso nós já te dissemos desde o início, não está lembrada?

– Claro que sim. Mas, o que eu quero dizer Trish, é que... Bem, mesmo que tenhamos todos os recursos possíveis para enfrentar Sanctus... Como faríamos isso? Como vamos descobrir onde ele está e o pior... Onde Nero está sendo mantido?

A expressão de Trish estava parecida com a de quem engole sapos.

– Obviamente vai ser difícil, mas...

– Mas eu posso ajudar vocês nisso. – Sorri.

Ela ergueu uma de suas sobrancelhas perfeitas.

– E como, uma humana, poderia descobrir a localização de um ser supremo do mal?

– Fácil. Eu me entrego.

Trish gargalhou longamente.

– Ah, é? Meu Deus! Kyrie, eu sei que a sua vida está meio difícil ultimamente, mas...

– Você não está entendendo – Eu ri junto com ela. Mas por dentro, estava mais uma pilha de nervos. – A questão é a seguinte: Vocês não tem nada a perder comigo lá dentro. Se eu morrer, morri. Mas Nero ainda poderá ter uma chance.

– Na hora em que eu for “sequestrada” por Sanctus e seu exército, eu saberia a localização. Exata. Tenho certeza de que depois do que fiz, ele não iria me matar imediatamente. Iria querer me matar pessoalmente, com todos os sofrimentos possíveis. Está me entendendo?

Ela não ria mais. Observava-me com um olhar de espanto, e por incrível que pareça, consegui ver respeito em seus olhos.

– Deixe-me ver se entendi, garota. Você quer ser sequestrada por Sanctus, pois estamos sem tempo e quebrar a cabeça seria uma perda de tempo, vendo que Nero está com os dias contados. Mas então, com você lá dentro, você descobriria a localização dele. E, se conseguisse sair, poderia voltar a nós e nos dar a localização exata, certo?

Assenti, meus olhos brilhando com expectativa.

– Se eu morrer, morri. Vocês ainda irão lutar com Sanctus e Nero ainda vai ser salvo, mas se eu conseguir escapar... Pode ser mais certeiro. E eu ainda poderia arriscar e trazer Nero comigo...

– Bem, aí já é difícil demais, não acha? Ele deve estar totalmente inacessível, e eu nem sei se você vai vê-lo diretamente quando estiver lá. Mas vai saber a localização. Contanto que escape... Mas, se você morrer, vamos voltar a estaca zero. A menos que...

– A menos que...?

– Que rastreemos você. Uma vez, em uma missão, Dante colocou um chip rastreador no cérebro de Lady, para não a perdemos caso fosse atacada ou morta. Foi uma experiência, e foi feita uma única vez, mas deu certo.

– Então...?

– Já que você quer seguir com esse plano maluco, tudo bem. Mas e se soubéssemos da localização ao mesmo tempo em que você? Poderíamos atacar, com os recursos, e ele teria menos chance de se defender. Pois não iria saber.

– Isso! – Exclamei. – Enquanto estou sendo levada, vocês olham os caminhos pelo chip rastreador. E quando eu chegar lá, já irão sabe onde exatamente estou.

– E com isso, faremos o ataque surpresa. Mas, terá que ter um pouco de paciência. Se as coisas ficarem feias para o seu lado, iremos até lá imediatamente. Mas, se não... Vamos recrutar os recursos pelo mundo e atacar com honra.

Rimos juntas e Trish segurou a minha mão. Em seus olhos, um brilho de simpatia fraternal brilhava e eu pude perceber que ela não era tão má assim.

– Você tem muita coragem, menina. – Ela reconheceu.

Apertei a sua mão.

– Aprendi da pior forma.