Entrei no meu quarto com a respiração pesada. Annie estava lá, arrumando minha cama, e me encarou preocupada. Perguntei, quase me esquecendo que tinha feito aquele pedido durante a manhã.

       – Annie, você preparou o que te pedi hoje pela manhã? – Ela parecia desapontada, mas assentiu. – Ótimo. Poderia me trazer suas roupas?

       Ela saiu do quarto e voltou um tempo depois, carregando as roupas de sempre. Vesti-as e agradeci Annie. Sai do quarto com a cabeça baixa, o capuz cobrindo meu rosto.

       Encontrei tudo pronto para mim próximo aos portões pelos quais eu saí pela primeira vez. Antes que eu pudesse montar no cavalo e partir uma voz grave me chamou.

       Não me contive e me virei, encontrando Gale. Ele parecia confuso, ou indeciso, mas por fim não fez nada, apenas ficou me encarando. Me pronunciei.

       – Não sei o que isso parece, mas no momento não posso explicar. Vou entender se quiser dizer isso para alguém, mas poderia esperar até que eu volte?

       – Não vou dizer nada para ninguém. Mas talvez queira companhia? – Pensei por um instante. Eu tinha dito a Annie que queria ir sozinha, mas eu já não tinha tanta certeza.

       – Claro, mas creio que só tenhamos um cavalo.

       – Se não for problema para você, não me importo de dividi-lo.

       Concordei e montei no cavalo, me sentindo feliz por ele não ter perguntado aonde estávamos indo. Saímos do castelo, seguindo num galope rápido para o vilarejo.

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       O vilarejo estava ainda mais movimentado do que na primeira vez em que estive ali. Passei a olhar cada telhado e beco, procurando o rosto branco e os olhos negros brilhantes.

       Encontrei o que tentou me roubar no primeiro dia, Marvel, se não me engano. Empurrei Gale para um beco, esperando que ele não tivesse me visto.

       Gale fez um som abafado e se virou, assustado. Me virei e encontrei quem eu procurava, rondado Gale.

       – Alto, de aparência forte, com uma expressão um tanto... assustadora. – Ela parou entre ele e eu. – Perfeito pra Irmandade. – Ele ficou confuso, encarando-a, principalmente as armas embainhadas.

       – Preciso falar com você.

       – Não suponho que seja para me apresentar membros para a Irmandade. – Ela apoiou a mão no punho de caveira da espada e ficou me encarando.

        – O que você sabe sobre Snow? Sobre algum plano dele?

        – Ah, isso! Eu fui até o castelo para conversar com você, mas tudo que consegui foi conversar com seu amigo Finnick. – Ela parou, segurando o pingente dessa vez. – Digamos que eu fiz algo muito estúpido. Tão estúpido quanto Marvel quando tentou te roubar.

        Parei, pensando no que ela poderia ter feito de tão ruim assim. Ela continuou antes que eu chegasse a uma conclusão.

        – Se algo acontecer por fim vai ser minha culpa. Eu o ajudei, afinal.

        Algo começou a se formar em minha mente. A lembrança dela encolhida sobre a cama, com aquele sorriso único. Perguntei, continuando a pensar.

        – Aquela vez, no quarto da minha mãe, o que você levou? – Ela hesitou, torcendo o nariz por um instante.

        – Acho que agora eu tenho que contar. Era um documento. Não sei o que tinha escrito, não o li, mas era um documento, aparentemente importante para os planos dele.

        – E quais são os planos dele? – Eu sentia algo estranho por Narrow naquele instante. Raiva, muita raiva, pelo que tinha feito.

        – Até o instante, tudo que descobrimos é que ele quer governar. Ou, ao menos, é o que parece. Mas ele tem dois problemas no caminho. Você e sua irmã. – Cerrei os punhos enquanto ela falava. Quando ela se calou, toda a raiva escapou.

        – Por que você o ajudou então? Ele prometeu alguma coisa, sua...sua... – Eu me joguei nela, tentando acertá-la de alguma forma. Tudo que ela fez foi segurar meus dois pulsos com apenas uma das mãos e me encarar com uma expressão indiferente.

        – Eu não faria isso se não tivesse certeza de que tenho vantagem, coisa que , no caso, você não tem. Agora se recomponha. Sei que está com raiva, mas tenho uma proposta.

        – Que seria? – Puxei meus pulsos, que ela sequer tentou prender novamente.

        – Podemos protegê-las. A você e sua irmã. Porém, duvido que sua mãe gostaria disso, portanto, podemos proteger o castelo por fora.

        Respirei fundo, refletindo. Olhei Gale, que parecia considerar a oferta por mim. Respondi com a voz controlada.

         – Não, os guardas podem nos defender. Mas se quiser parar o próprio Snow, seria ótimo. – Ela deu aquele sorriso único, fazendo um arrepio me dominar.

         – Posso tentar, mas sem promessas. Até lá, espero que o grande aqui possa te proteger. – Ela sorriu para Gale, que ficou um pouco desconfortável.

         – Muito bem, temos que ir agora. – Ela parou antes de correr para o telhado, como sei que faria.

         – Alteza, você já pensou em lutar? – Eu a olhei por um instante, confusa. – Acho que gostaria de usar um arco um dia. Talvez quando tudo isso passar eu te mostre algo.

         E então ela sorriu novamente e correu para o telhado, deixando Gale perplexo, e eu com uma faísca da ideia de usar um arco na mente.