Eu subo as escadas rapidamente e entro no quarto de Léo. Tiro as cobertas de sua cama e volto a descer as escadas. Chego a sala e coloco o cobertor sobre Léo. Não quero que a mãe dele acorde e o encontre nu no sofá, mas também não quero acorda-lo, porque se o fizer ele nunca me deixaria ir embora. Dou um leve beijo em sua testa e coloco meus sapatos. Saio na ponta dos pés pela porta.

Chego em casa bem rápido. Como já é de se esperar, minha mãe não está em casa. Tomo um copo de suco e paro para olhar que horas são. Dez e meia da manhã. Acho que a essa hora a mãe de Léo já deve ter acordado, e encontrado o filho deitado no sofá. Imagino a cara dele quando descobrir que eu fui embora sem avisa-lo. Principalmente depois da noite passada. Tento parar de pensar nisso.

Vou até o quarto de minha mãe e procuro sua caixa de documentos. Eu a encontro escondida entre meus antigos trabalhos de escola. Levo a caixa a sua cama e me sento ao lado das coisas que vou tirando. Encontro quatro pastas. Uma para cada pessoa que aquele assassino matou. Junto ao perfil da pessoa, tudo o que foi encontrado na cena do crime. Nas primeiras três, nada foi encontrado. Nenhuma digital, marca de sapato, sangue, DNA... Nada. Nada mesmo. Em tudo é a mesma coisa. Cena do crime limpa de qualquer coisa que incrimine alguém. Olhos arrancados após a morte. Golpes sem piedade, normalmente na carótida. Há fotos dos rostos, dos lugares, do sangue...

Começo a passar mal no final do quarto caso. Eu não vou parar de lê-los, claro. Engulo seco e abro a pasta de Victoria.

Victória Smith. 17 anos.

A vitima possui visivelmente um corte fundo e longo na carótida, o que foi a causa da morte. Há dois golpes pós-mortem em seu braço esquerdo. Os dois golpes foram causados pela mesma arma. A pericia diz que a arma do tal crime é uma faca e oito centímetros, fina e não cerrilhada. O assassino tem conhecimento da anatomia humana.

Limpo os olhos. Não consigo deixar de pensar nela sorridente, saltitando por ai como ela sempre fazia quando estava feliz. Respiro fundo e volto a ler.

A vitima foi encontrada no quintal da propriedade de Robert e Susan White, quando o filho do casal, Marcus White, realizava uma festa. Testemunhas dizem ter ouvido gritos quando a energia caiu, nenhuma presenciou o ataque. Os olhos da garota foram arrancados por uma arma circular. Na autópsia, Dr. Derrew encontrou o DNA de outra pessoa, misturado ao da vitima.

Eu li a ultima frase três vezes para entender e ter certeza se entendi. Passo as fotos do cadáver de Victoria e tento ler o resto. Sinto um cheiro estranho assim que leio a palavra seguinte. Começo a tossir. Fumaça entra no quarto da minha mãe. Arranco a folha sobre o DNA de outra pessoa dos relatórios e a enfio no bolso. Cubro o rosto com a mão. Vou até a porta e a abro. Meu corredor está em chamas. Fecho a porta num impulso e corro até a janela. Meus pulmões estão queimando. Abro a janela e jogo meu corpo para fora. Na parede do lado de fora da minha casa, tenho aquelas estruturas onde você pode cultivar alguma planta trepadeira ou coisa parecida. Parece um tipo de cerca ou coisa assim. Eu desço por ela e acabo caindo na grama. Ando o mais longe que consigo da fumaça. Me recosto em uma arvore ou coisa parecida. Meu corpo se contrai. A dor em meus pulmões é agonizante. Tusso e, com os olhos ardendo vislumbro uma pessoa. Ela está a frente da minha casa, observando as chamas. Joga algo no fogo. Não consigo distinguir o que é.

Não sei se era a fumaça ou coisa assim, mas eu sei quem é pessoa que vi ali. Acho que sei. Ele tira o celular do bolso e faz uma voz falsamente desesperada. "Alô? Tem uma casa pegando fogo!" Ele se empenha muito em fazer a voz. Ele passa o meu endereço e desliga o telefone. Assiste enquanto a casa queima. Estuda tudo com os olhos. Meu sangue gela no segundo em que ele me vê. Seus olhos se arregalam momentaneamente, mas ele logo volta a olhar seu trabalho. Escuto sirenes e não me lembro de mais nada depois disso. Apenas o rosto de Marcus mudando de expressão pra quando os bombeiros chegarem.