Once Upon a Time escrita por Susan Salvatore
Algum tempo depois, nossos soluços cessaram.
– Não sente medo? – perguntei, sussurrando.
– Estou apavorada até os ossos – disse ela, instantaneamente.
Silêncio.
Por fim, recuperei minha dignidade. Todas as nossas lágrimas secaram e ela não disse mais nenhuma palavra. Será possível que está com medo, Mikaelson? Levantei-me, limpando a sujeira de minhas roupas. Sujo; era assim que me sentia. Olhei para trás apenas uma vez e ela me seguia.
Perguntei-me se conseguia esconder dela todo o nojo que sentia de mim mesmo. Que tipo de criatura vil se alimenta da única pessoa no mundo com coragem suficiente para amá-lo? Corria-me por dentro saber que ela provavelmente nunca me perdoaria. Eu não era digno de seu perdão. Eu, e somente eu, tentara matá-la e a única coisa que ela fez foi tentar me acordar. Acordar para o que eu estava fazendo. Eu acordei.
Soltei um suspiro doloroso.
Abri a porta de nosso apartamento, completamente invadido por inúmeras gotas de sangue. Sangue da minha Elena. Sentei na cama, e não sei como, mas consegui reunir orgulho suficiente para encará-la nos olhos.
– Hei, aqui – falei baixinho, mordendo meu pulso.
– O que está fazendo? – respondeu, dando alguns passos para trás.
– Isso vai curar seus ferimentos.
– Não – disse ela por fim – Eu quero todas as cicatrizes.
– Você não para de sangrar. Vai acabar morrendo – respondi, incerto – E... Não acho que vá esquecer disso algum dia.
– Eu...
– Por favor, Elena.
Sabe doía, ah, doía como o inferno. Mas, porra, eu era um vampiro! O que ela esperava?
– Como queira – disse ela por fim, abaixando os olhos.
– Tome... É fácil.
– Hm... É...Gostoso? – perguntou, tentando disfarçar sua evidente inocência.
– É sim – respondi, sem conseguir controlar um sorriso.
Minha pequena Elena. Era tão doce, tão inocente. Era uma menina ainda e certamente não estava preparada para carregar esse peso nos ombros. Afaguei seu rosto e ela piscou lentamente para mim. Quando terminou, estava extremamente sonolenta.
– Dorme bebê. Eu te protejo – falei, colocando-a no meu colo.
Não devia, mas isso tranqüilizou sua respiração vagarosamente. E seu coração também.
...
Quando despertou, ela chamou por mim.
– Sim?
– Eu... Eu quero que me conte tudo... Sobre você, o que é... – ela disse um pouco tímida.
– Tem certeza? – perguntei, arqueando as sobrancelhas.
– Absoluta.
– Bem... Eu sou um vampiro...
– Eu percebi – disse Elena, sorrindo só um pouquinho. E aquele micro sorriso aqueceu meu coração e me levou em frente. – E isso quer dizer que você é super forte e rápido, e essas coisas.
– Mas não sou um vampiro comum. Sim, existem milhares de vampiros. Mas eu sou diferente. Eu e minha família, exceto minha mãe falecida, somos vampiros Originais. O que significa que somos muito mais fortes que qualquer vampiro. E... Nós criamos aqueles milhares de vampiros comuns. Podemos controlá-los. A eles... e aos humanos.
– Você já fez isso comigo? – perguntou ela, calmamente.
– Uma vez. – respondi, atordoado.
– Por quê?
– Sabe aqueles meus amigos italianos? Os Salvatore? Eles são vampiros. E há muito tempo eles se apaixonaram por uma garota muito parecida com você. Então eles enlouqueceram e te atacaram. Compeli-os a nunca mais chegarem perto de você – o que explica a relutância deles em falar contigo – e... Compeli você a esquecer o ataque. Você estava muito machucada. Sangrava muito. Eu não resisti e acabei provando... Fiz você esquecer isso também.
– Ah.
– Está brava?
– Mais ou menos. Quero dizer, óbvio que eu queria saber a verdade. Mas entendo que você não queria contar. Acho até que não existisse maneira não assustadora de contar. E entendo que fez o que fez para me proteger. Você... Você me ama.
– Você nem imagina o quanto.
– Eu também te amo.
Lentamente, ela se aproximou de mim – um pouco acanhada. Passou a mão em meus cabelos, observando milimetricamente minha expressão. Acariciou meu rosto e sorriu fazendo isso. Então se aproximou vagarosamente de mim e beijou-me com ternura. Ela estava tentando encontrar o cara por quem se apaixonara no meio do monstro que a atacara. Passei o braço por sua cintura e coloquei-a de frente para mim em meu colo.
– Me mostre seu mundo - pediu Elena.
Peguei sua mão e fui atrás da – aparentemente – única chance de reconquistar a garota que amava.
...
Mostrei a ela tudo que eu era. Veloz. Forte. Praticamente imortal – e ela não gostou nada de como eu provei isso. E mostrei como podia sobreviver de bolsas de sangue.
– Mas fazendo isso você não está prejudicando as pessoas que precisam desse sangue? – ela perguntou, com ar de reprovação.
– Eu sou uma pessoa que precisa desse sangue – respondi, ficando irritado. Ora, o que ela acha que eu podia fazer? Eu nem gostava de bolsas de sangue! Mas não, ela com certeza não ia achar nada fofinho eu começar a morder pescoços por aí só pra mostrar como é.
– Mas...
– É claro, eu posso morder as pessoas. O que dá no mesmo. Qual você prefere? – disse, sarcástico.
Ela fechou a cara.
– Preferia que não fizesse isso.
– E eu preferia que você nunca morresse, mas olha só: você vai um dia.
– Está me ameaçando? – perguntou ela, calmamente.
– Estou te contando que algumas coisas são imutáveis.
Ficamos em silêncio por alguns minutos. Então ela me surpreendeu.
– A parte boa disso é que nunca vou perder você – falou, de costas para mim.
Havia um aviso implícito ali. Se posso dizer algo que resumia Elena é que ela nunca foi uma mentirosa. Não, ela nunca me perderia e do fundo do coração dela – e do meu – isso era uma das coisas imutáveis. Porém...
– Sabia que você é meu primeiro namorado? – ela disparou a falar, ainda sem olhar para mim – E dono do meu primeiro beijo. Eu nunca tive ninguém, ninguém mesmo. Eu nem tenho pais. Só um tutor e um irmão meio adotivo. Eles eram minha vida, só que ela nunca estava completa. Faltava a... Luz, posso chamar assim. Eu nunca nem quis amar alguém. E aí eu conheci você. Sabe, nunca me senti como uma adolescente, acho que nasci adulta – ela riu e eu sorri – Mas com você, não, com você eu era a mais inocente das garotas. O amor que eu cultivei por você era e é a coisa mais surpreendente desse mundo. É tão... forte.
Meu coração estremeceu. E foi só nesse momento que eu pude entender que a intensidade dos sentimentos dela chegava a ser maior do que a dos meus. Eu também era sua vida e era só por minha causa que seu sorriso existia. Antes que ela dissesse sequer mais uma palavra, eu a beijei.
Mas, veja, Elena estava de costas porque ela chorava.
– Eu não vou conseguir falar se você ficar perto de mim. Você me distrai – falou, tentando por um sorriso no rosto.
– Elena, o que há? – perguntei, preocupado.
– Só escute.
– Está... Está bem – disse, sentando-me no gramado do jardim que nos encontrávamos.
– Você sempre será a coisa mais importante para mim. Por favor, entenda a importância das minhas palavras porque algumas coisas são inexplicáveis. Eu sempre vou amar você incondicionalmente.
– Mas? – eu disse, começando a entender o rumo das coisas.
– Mas não posso ficar com você. Entenda que eu estou me torturando agora. Ah, Kol, eu te amo demais! – falou, soluçando incontrolavelmente - Mas você é mau, Kol. Eu não te acho um monstro, mas você é mau. E se eu pudesse conviver com isso, eu juro que nem me importaria. Mas você mata pessoas, você... Faz isso para sobreviver e de certa forma sou grata porque, hoje, sua vida é muito mais importante que a minha. Só que eu não posso viver no seu mundo, amor. Eu não consigo suportar o peso que seria viver com isso.
– Eu não seria capaz de pedir isso – falei, abrançando-a.
Então ela desmoronou. Tremia em meus braços, apertando-me a seu redor. Elena não queria me deixar, eu pude ver isso. Ela estava arrancando o próprio coração ao fazer isso. E o meu... Bem, não vamos falar de meu coração agora. Só sei que vê-la assim, tentando ficar comigo e esquecer do que eu era, me fez perceber algo terrível: eu não podia deixá-la ficar comigo.
– Não posso, não posso, não consigo – disse ela, desesperada.
– Mas você tem, não é? – respondi, enxugando suas lágrimas – Bebê, você é só uma garota.
– A sua garota.
– A minha garota – disse, sorrindo – Mas você não consegue suportar. É um mundo muito sombrio e sua beleza – continuei, colocando a mão em seu coração – iria se despedaçar ao meu lado.
– Eu amo você.
– Eu também te amo, minha Elena.
Nós nos beijamos pela última vez. Não foi bonito ou agradável, só foi triste. O amor que tínhamos um pelo outro, tentou, ali mesmo, sobreviver. Porém, juntos, nós o sobrepujamos.
Ah, você provavelmente está imaginando porque eu estava tão condescendente com a destruição de meu coração. Veja, eu não podia obrigá-la a aguentar. Era muito. Eu mesmo sofri tanto com a descoberta do que eu era. Jamais poderia pedir a ela que suportasse. Elena, inteligente como ela era, finalmente tinha percebido que eu significava morte. Eu era a morte. Podia ser muito difícil amar a Morte, mas permanecer ao seu lado era impossível, percebi. Bem, ao meu lado.
– Eu sempre vou querer você, Kol. – ela disse, pressentindo o adeus inevitável.
– Você sempre será a minha garota – falei, beijando sua testa.
O calor de seu corpo permaneceu comigo muito depois de eu ter ido embora. É claro, ela não teria forças para dar um passo para longe de mim, então fiz isso por ela. Fiz a única coisa que, do fundo de minha alma – se é que eu tenho uma -, tinha prometido jamais fazer. Eu me separei dela.
Veja, só algumas horas depois, no meio do nada em que eu me encontrava, é que a ficha caiu.
E a dor era tudo que eu tinha
Alguma vez já sentiu seu coração sendo arrancado? Bem, eu já. E não era nada comparado com aquilo. Toda a minha felicidade foi substituída por uma depressão iminente. O cheiro dela ainda permanecia em minhas roupas. E, se agora eu já estava mal, quando ele sumisse, estaria muito pior.
Elena me amou. Com todas a suas forças, ela me amou. Depositou em mim todas suas esperanças, todos seus sentimentos. Tornei-me a coisa mais importante para ela e estar comigo era, sem dúvida nenhuma, o único lugar para onde ela devia retornar. Lembranças de nosso primeiro beijo irromperam em minha mente. Aquela luz cálida e dourada que para sempre envolveria nosso amor aqueceu novamente meu coração. Eu me tornara seu sol, a coisa que ela mais gostava em todo mundo. Ah, pobre menina. Como devia ter doído perceber que seu sol era envolto por trevas.
Ah, ela tentou. Realmente tentou. Ouviu e tentou ver o melhor de mim. Colocou sua última ficha nisso. Mas ela não conseguiu vencer.
E eu amei Elena com devoção, com paixão e com adoração. Tudo nela me atraía e me agradava. Com ela, eu podia deixar de ser um monstro. Com ela, me sentia humano de novo. Proteger ela era minha maior alegria. Beijá-la era como estar no céu. O som da sua risada me confortava e me tirava da escuridão. Seu amor me incendiava e eu me sentia protegido com ele. Senti-la em meus braços fazia-me esquecer de tudo de ruim que eu já fizera. Sua voz era como uma eterna música de ninar, que sempre me levava à um mundo de sonhos. O dia em que a conheci foi o dia em que, pela primeira vez, meu coração não bateu só para bombear sangue. Quase sorri quando a verdade caiu sobre mim: eu a amava mais do que um dia amara Tatia. Elena nascera para mim, tinha certeza. Ela era minha alma gêmea.
Não, mais do que isso. Percebi que Elena era minha alma. E ela havia sido arrancada de mim.
Se dizer adeus à ela era dizer adeus à minha vida, então eu estava amaldiçoado por ser imortal.
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