Once Upon a Time escrita por Susan Salvatore


Capítulo 8
Conto de terror




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Ela gritou desesperadamente.

E para uma garota que aparentava ser tão frágil, ela me surpreendeu saindo correndo. Talvez ela fosse forte, afinal. Mas, veja, Elena não devia ter corrido. Aquilo despertava o caçador em mim. Eu não quis, mas me entreguei.

Deixando os caninos afiados à mostra, eu corri para caçar a garota que amava.

...

Seria clichê demais se o hotel estivesse abandonado. Não estava – embora eu desejasse fortemente que estivesse. Era mais fácil. Podia aterrorizá-la à vontade. A sede era o único impulso que me dominava; agora, eu era um ser irracional. Não havia nada que pudesse me parar.

No andar de baixo, eu escutei alguém soluçando. E em uma fração de segundo, eu estava parado atrás dela, antes que sequer ela escutasse algo. Então a mordi no ombro. Elena gritou desesperada e, por mais que lutasse – o que só a fazia se ferir e me irritar mais – ela não conseguia se desvencilhar de minhas presas. Por diversão, eu soltei e a vi correr, cambaleante.

Dei a ela um minuto de vantagem. Queria ver o que ela faria ao chegar perto de alguém. Como explicaria que tinha um vampiro atrás dela? E ainda por cima era seu namorado. Era tão cômico que chegava a ser trágico. Porém, para minha nova surpresa, ela desceu aos porões. Estranhei. Por mais que fossem três da manhã, se ela gritasse forte o suficiente, certamente alguém apareceria em seu socorro. Mas não nos porões.

Deixando de lado qualquer coisa que não fosse minha sede, eu me preparei para mais uma onde de tortura. Mais tarde eu descobriria que havia desligado minha “humanidade” – o que não acontecia com tanta frequência.

Seguindo seu cheiro e as gotas de sangue no carpete surrado, eu rapidamente adivinhei onde ela estava.

– Elena – disse, dando melodia a seu nome – Eleninha, venha cá querida. Ah, doce Elena, eu vou achar você. Não vai se esconder pra sempre, não é?

Como todo humano faria, ela abafou um grito com as mãos. Só que não abafou tão bem assim. Devagar, como se o mundo obedecesse somente a mim, eu caminhei em direção às escadas que davam acesso ao porão. Ela estava escondida embaixo delas.

– Isso dá azar, sabia? – falei sorrindo, e isso quase custou uma bela dor de cabeça, se não fossem meus reflexos rápidos. Ela segurava o bastão de beisebol com tanta força que lascas de madeira entraram em seus dedos, sangrando rapidamente.

Aquilo chamou minha atenção. Ah, como brilhava, como cheirava! Você não pode entender o quão atrativa é a vida se não tiver morrido ao menos uma vez. E o sangue dela era tão doce...

Enquanto eu devaneava sobre seu delicioso sabor, Elena se aproveitou de minha distração e tentou dar um chute em meu joelho direito. Rápido como eu era, apartei o movimento com as mãos. Só que para isso tive que soltar o bastão. E aí a oportunidade dela surgiu. Agarrando o bastão com as duas mãos, ela o quebrou no joelho – o que ia deixar um terrível hematoma.

Saiu correndo. Eu estava mais puto ainda. Ela não era forte, era uma presa fácil, totalmente à minha mercê. Por que reagia? Por quê? Sem ligar pra essas perguntas, eu rosnei alto e fui atrás dela. A porra do porão era grande.

Elena podia lutar. Mas jamais ia vencer. Mesmo que eu estivesse ferido por cem estacas, sem sangue há décadas e acorrentado, ainda seria mais forte que cem vampiros juntos. Eu era um Original. Eu era a morte para ela.

Senti quando ela chegou por trás de mim; fingindo farejá-la por lugares bobos, ouvi ela dando cada passo com cuidado, como se fossem os últimos de sua vida – o que era uma precaução muito útil. E aí ela tentou enfiar um dos pedaços do bastão no meu braço direito. Uma nota mental surgiu no lado esquecido de meu cérebro: por que não num lugar mais... Mortal? Mesmo que não soubesse nada de vampiros, ela podia ao menos tentar me matar, já que estava lutando.

Talvez matar não seja o objetivo dela, disse uma voz na minha cabeça. Mas era o meu.

– Tsc, tsc, pelas costas? Que traição, amorzinho! – disse esmagando o pedaço de madeira com a mão.

Aí ela deu um tapa na minha cara. É claro que percebi muito antes de ela mal ter começado o movimento. Mas a percepção do que ela pretendia fazer me pegou completamente desprevenido.

Nós ficamos parados, nos olhando, enquanto os minutos corriam. Cada segundo era marcado pelo compasso forte de seu coração.

– O que é você? – ela disse, numa voz muito fraca.

– Eu suguei seu sangue, como eu acho que percebeu.

Ela me deu outro tapa. Eu sorri.

– Vampiro.

Acho que ela precisava ouvir de mim para enfim crer. Vi suas sobrancelhas se franzindo enquanto sua mente provavelmente dizia que ela estava louca. A veia da lateral de seu pescoço pulou quando sua pulsação aumentou. A ficha caía.

Ela gastou sua única chance furando a própria mão. Meus olhos captaram cada movimento, quase que em câmera lenta. Vi quando ela sentiu a barreira da dor tentar impedi-la de fazer aquela idiotice. Vi quando ela se forçou a continuar. Vi quando uma das pontas da madeira irrompeu pele adentro. E vi claramente o sangue jorrando como uma fonte de vida.

– É isso que você quer? É isso que você sempre quis? – gritou ela, colocando o ferimento à menos de dois centímetros de meus lábios manchados – Toma, pega, é seu.

Ora, eu era como um animal faminto a quem oferecem um pedaço de carne. Eu agarrei a chance. Enquanto eu sugava freneticamente, Elena caía aos meus pés. Ela estava de joelhos, com um braço erguido dolorosamente enquanto eu me satisfazia. Chorava.

Soltei sua mão.

Algo em mim doía.

– N-não é assim. Não quero coisas fáceis. Corra. Sinta medo. Vamos! – disse, a empurrando com pé. Penosamente, ela se levantou e correu. Correu o máximo que pode até cambalear. Somente seus soluços preenchiam o silêncio que era aquele covil.

Andando vitoriosamente, eu me deliciava com minha própria maldade. Um sorriso torto e perverso deformava meu rosto. De meus caninos ferozes, pingava deliciosas gotas de sangue e eu me divertia ao lambê-los. Talvez a obrigasse a fazer isso. Lamber seu próprio sangue de mim.

Aí ela tropeçou.

Foi como uma ferroada no coração. As memórias encheram todo meu corpo, me envolvendo na mais furiosa onda de flashback que eu já experimentara. Ouvi o riso bobo e cantarolado. Vi as luzes nas árvores. Ouvi a queda seguida de um sonoro xingamento. Vi minha própria cara idiota de surpresa. Vi quando ela gritou. E senti algo tão forte ao ver como seus olhos brilharam e um sorriso involuntário surgiu quando despertou em meus braços. Talvez, no meu colo, ela pudesse ter sentido como meu coração batia por sua causa.

Meu coração humano.

Ah, Elena!

Caí de joelhos, em estado de choque. Cada gota de seu sangue em mim queimava como se eu estivesse no inferno. Não sei por quanto tempo fiquei ali, de joelhos, preso no pesadelo que eu mesmo criara para ela. Horas? Provavelmente.

Finalmente, sem dizer uma só palavra, Elena levantou e se colocou ao meu lado. Trazendo-me para ela, colocou minha cabeça em seu colo manchado de sangue e afagou meus cabelos, cheirando-os amorosamente.

– Eu ainda amo você. – disse ela, e pude sentir um sorriso lutando para permanecer.

E, pela primeira vez em séculos, eu chorei desesperadamente. Ela chorou comigo.

Nós choramos por minha humanidade.


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