As Faces da Magia escrita por Raissa Muniz


Capítulo 2
Fuga.




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Fuga.

 

Após o ronco do motor do prefeito ir diminuindo, se tornando quase inaudível na noite silenciosa, a crianças retornaram às instalações do orfanato, com McGrifoll em seus calcanhares.

Todas riam demasiado cansadas para chorarem por besteiras convencionais, como assentos tomados ou até mesmo vulgos brinquedos.

— Hm, tia... Não é melhor verificarmos o quarto de Beth? Ela pode ter tocado fogo a essa altura, do jeito que é inquieta. – Sugeriu Anna, uma jovem já um pouco mais velha que o restante, de 10 anos. Como fora uma das primeiras a ingressar no orfanato, acostumara a chamar a anfitriã McGrifoll só de “tia”, imitando particularmente uma convivência feliz entre ‘parentes’.

— Ela não é louca, mas a sugestão até que é aceitável Anna. – Franzindo o cenho, a velha subiu as escadas com a coluna retraída pela idade – corcunda, como diriam os visitantes.

Suspiros ofegantes na sala.

Toc, toc, toc.

Três batidas na porta e um silêncio nada calmante fez a velha investir contra a porta, abrindo-a, já que a mesma permanecia destrancada.

Na cama, Elizabeth estava deitada, repousando em um sono profundo. Não dava para ver seu rosto, apenas seus contornos por baixo do lençol. A senil andou até a garota, na intenção de lhe dar um beijo de desculpas e boa noite e ao levantar o lençol um grito e uma expressão de pavor tomou seu rosto.

Nesse momento, lá em baixo, Anna acalmava as crianças no impasse que corria ao encontro da mulher.

— O que acon...? – Sua pergunta foi parada no meio, pois seus olhos mostravam o que tinha acabado de acontecer.

Cama. Vazia. Choro. Desespero. Plano. Fuga. Laço. Cortado. Imprevisto. Mentira. Sensatez. Astúcia. Loucura. Doença.

Era só o que ela conseguia pensar ao ver a imagem. Elizabeth sempre fora inesperada, chegando muitas vezes a fugir sozinha e se refugiar embaixo de uma ponta por não ser entendida pelos “amigos” que tinha no orfanato, mas nunca cometera uma mentira daquelas. Como poderia? Sair, simular uma briga para... Fugir...? As palavras ainda não faziam sentido e tinham pouco, muito pouco significado. Já haviam passado 5 minutos de silêncio e reflexão quando as crianças começaram a subir as escadas, algumas preocupadas, outras curiosas.

De repente a porta ficou pequena demais para a multidão e Anna soube que aquilo era só vontade de fazer baderna, já que Elizabeth nunca fora querida por ninguém, nunca conversava muito com ninguém e não gostava de se expressar, tampouco.

— Voltem! Voltem, todos vocês! – Ordenava Anna, olhando por cima do ombro para os pequenos curiosos.

Muxoxos de desaprovação tomaram o ar. Era óbvio que eles queriam farra, loucura e choro. Não importava que fosse uma companheira de quarto, já que essa não faria falta. Não importava ter Anna ou McGrifoll ocupada, já que as duas só faziam reclamar de suas brincadeiras. Nada importava para os pequeninos, e esse era o momento perfeito para partirem em busca de coisas secretas no grande e estupendo casarão.

A noite mal começara, tendo um início bárbaro ou inesperado, trágico ou feliz. Imediatamente todos os pequenos se dispersaram, andando quietos na direção dos quartos, sabendo que lá eles teriam liberdade em tudo.

— Acalme-se, tia! – Pedia a jovem, com a expressão, de repente, exasperada.

— Temos responsabilidade, Anna! Eu já havia visto Elizabeth trancada sozinha com seus papéis, mas nunca disse nada, agora é demais! Preciso ligar pra Anthony, uma criança perdida é um peso em meu nome na justiça desse país. É um peso na minha vida!

Estava mesmo nervosa e não parecia mais a velhinha amigável de horas antes. Qualquer um que a visse teria achado que a mulher era uma agente de polícia. Uma agente bem estranha, mas ainda assim, uma agente.

Cambaleando, a velha desceu as escadas, se segurando no corrimão para não cair. Com os óculos na ponta do nariz e com as mãos pouco seguras, ela rastreava o telefone para uma possível comunicação com o prefeito. Ele já teria chegado a casa? Ele ainda estaria com a equipe? Talvez, mas nada era de certeza absoluta.

Continuava a sua busca, olhando em todas as direções como se alguém pudesse chegar e atacá-la brutalmente sem aviso. Mas pra quê todo aquele cuidado? Elizabeth era acostumada a fazer isso. Não tinha sentido, não tinha mesmo.

Finalmente achou o pequeno objeto que por ventura jazia “debaixo do seu nariz” e ela não vira. Com demasiada agilidade para uma velha, ela o agarrou e discou rapidamente o número do prefeito.

Piiiim.

Ocupado. Era óbvio que estaria ocupado, afinal, o que esperava de um homem importante como aquele? Que permanecesse na linha cada vez que ela quisesse? Sim, talvez.

Do alto da escada, Anna gritou, descendo logo em seguida e poupando uma corrida pra velha.

— Olhe só... “Senhora McGrifoll, preciso de um tempo pra pensar, desculpe. Não tenho previsão para voltar, desculpe. Não me procure, fique calma e não me espere...” – Foi o que Anna disse, perto da velha que escutava tudo com muita atenção.

— Ela ficou louca! Completamente biruta Deus! – Gritava a velha, após sair do seu transe. Andava de um lado ao outro com os olhos semicerrados, até perceber que a única coisa a fazer seria esperar, não daria mesmo pra procurar Beth uma hora daquela.  Mas... Onde ela estaria? Talvez perdida...? Por impulso McGrifoll pensou no perigo da cidade grande sobre a pobre garota e se arrepiou, deixando os olhos focados no telefone, como se esperasse que o mesmo tocasse a qualquer momento. Seu maior desejo naquele momento era ouvir a vozinha de Beth e pedir que voltasse, afinal, apesar de ser estranha como só ela era Elizabeth tinha seu lado bom, e esse lado sempre fluía com a velha, que tentava ao máximo desvendar o que cada um de seus “garotos” pensava. Talvez com a aquela garota o seu dom tivesse falhado. Mas por que logo com ela? Era uma pergunta difícil a ser feita, e não era só essa. Ainda tinham muitas perguntas a serem feitas e aquela noite era a única que podia respondê-las.

“Por que só na hora do desespero que vimos a beleza das coisas?” Foi a última coisa que a velha sibilou, subindo as escadas em seguida e se infiltrando nos cobertores de seu quarto, sem se preocupar com as crianças soltas pela casa.

 

 

•••

 


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Notas finais do capítulo

Espero muito que gostem, gente. *o*'
Ah, lembrem-se dos Reviews! Preciso deles pra saber o que estão achando da história. ;3



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