May - Parte IV escrita por PaulaRodrigues


Capítulo 10
A Carta


Notas iniciais do capítulo

May estava feliz no Road Restaurant, mas parece que algumas coisas estão erradas, alguns detalhes que podem fazer com que May abandone o seu paraíso.



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Minha vida na Road Restaurant não era nada ruim. Mary era muito carinhosa, chegou a me tratar como sua filha e eu a ajudava no que podia no restaurante para compensar os gastos que estava dando. Pela primeira vez na minha vida eu soube o que era ter uma mãe, ela falava de maneira doce comigo e se preocupava com algumas queimaduras que eu levava as vezes e foi em uma dessas queimaduras que ela descobriu que eu era imortal. Pensei que ela me chamaria de monstro mas o que ela fez foi me dizer que eu tinha sorte, que era um presente divino. Comecei a gostar ainda mais de Mary a partir daquele dia.

Alguns clientes diários já até me cumprimentavam pelo nome, algo que achei super legal. Eles faziam piadinhas e eu os acompanhava. Já sabia o nome da maioria. 

Outra pessoa que me fazia bem naquele lugar era Tom. Tom foi a melhor coisa que já me aconteceu, ele me trouxe um pedacinho de felicidade num mundo onde parecia que as coisas apenas desmoronavam. Uma vez, Tom me convidou para um passeio de moto, ele disse que eu podia dirigir e ele ia me indicando. Fomos até um lugar estranho, entramos mata a dentro e chegamos a um lago beem azul com alguns patinhos nadando pra lá e pra cá e lá, ele me beijou e disse que me amava, eu o respondi com um sorriso, o beijei e disse que também o amava e ali foi a nossa primeira vez também.

Porém, houve um dia que Mary me pegou de surpresa. Nós estávamos lavando a louça quando ela, olhando pra pia, me perguntou:

- Que dia é seu aniversário querida?

- Aniversário? - perguntei.

- É... vai me dizer que não sabe o que é aniversário. 

- Eu... sei sim - olhei para o prato, o sequei e coloquei de lado. - Só... nunca tive um aniversário.

- Nunca? - ele me olhou horrorizada parando imediatamente de lavar a louça.

- Nunca - respondi meio assustada.

- Que dia você nasceu?

- Eu não sei.

- Como não sabe? Seu irmão nunca lhe disse?

- Acho que ele também não sabe, ele tinha quatro anos e naquele dia ele não estava muito preocupado com datas e sim com a minha sobrevivência.

- Entendo...

- A única coisa que ele me disse, é que estava chovendo muito.

- Hummm... deve ter sido então numa época chuvosa.

Dei de ombros e continuei a enxugar os pratos.

- Eu não ligo muito pra isso. Acho besteira.

- Por que meu bem? - ela me olhou surpresa novamente.

- Porque uma festa que era pra ir pessoas que te amam e gostam de você, as vezes você tem que chamar pessoas que te odeiam e elas vão apenas pra te criticar e às vezes, as pessoas que você julgava como amigas podem te decepcionar um dia e aí você pensa: valeu mesmo a pena ter feito aquela festa? Gastei tanto dinheiro, me preocupei tanto para no final as pessoas me traírem.

Quando fui pegar outro prato para enxugar percebi que não tinha. Olhei para Mary e ela estava parada me observando.

- O que foi? - perguntei.

- Por que você fala com tanta certeza que vão te trair?

- Porque é isso que as pessoas fazem. Meu irmão disse que me protegeria pra sempre e então ele se foi quando eu mais precisava dele. Uma amiga, que eu tinha crescido junto com ela, que disse que sempre apoiaríamos uma à outra, me abandonou assim que soube que eu era imortal. Um namorado que eu tinha me abandonou porque ficou com medo de mim. Minha mãe me chamou de aberração depois de tê-la salvo. Todas as pessoas que se diziam ser minhas amigas na esola me abandonaram assim que tive um problema...

- Mas existem pessoas que te amam May - Mary disse me interrompendo. - Eu e Tom te amamos muito e posso dizer que Tom até mais que eu - ela tocou em meu rosto. - nem todos são ruins May, aqueles que realmente te amam jamais te abandonarão.

Ela sorriu pra mim e eu a abracei. Ela me abraçou de volta.

- Obrigada Mary - respondi.

Assim que terminei de ajudá-la com os pratos, caminhei em direção ao quarto de Tom, onde eu estava dormindo agora que estávamos juntos havia alguns muitos meses. Ele estava sentado de um lado da cama lendo uma revista, como era charmoso, ainda mais agora com seu cavanhaque mal feito para parecer mais sério para as vagas de emprego.

- Então, minha mãe te fez trabalhar muito hoje? - ele olhou para mim com um sorriso encantador.

- Não - ri. Fui caminhando até a cama e me sentei do meu lado tirando meus sapatos. - Só conversamos um pouco mais.

Ele se aproximou de mim, fez carinho em meu cabelo, colocando uma mexa atrás da orelha.

- O que foi? - ele perguntou.

- O quê? - eu o olhei surpresa.

- Você está me olhando desse jeito...

- Que jeito?

- Não sei - ele deu uma risadinha.

- Não é nada - sorri e o beijei. - Só fiquei um pouco cansada - menti.

- Então eu posso te ajudar a relaxar - ele sorriu.

Ele me beijou e foi me deitando na cama. Sua mão arrancou minha roupa rapidamente e eu arranquei a dele tão rápido quanto. Rapidamente ficamos nus e começamos a nos amar intensamente.

Algumas horas depois, virei na cama e olhei para Tom. Ele dormia profundamente, era tão bonito, seu cabelo castanho brilhante e sedoso, seu cheirinho gostoso, seu sorriso. Ele me amava muito, ele e Mary. Deitei e olhei para o teto, eu estava ali a tanto tempo, quanto tempo exatamente não me lembro, mas vi Tom se transformar um pouco com o tempo que morei lá e Mary começar a ter mais fios brancos. Não foi muito tempo pois as mudanças não eram drásticas. Mas o que eu pretendia fazer ali? Os clientes perceberiam uma hora que eu não envelheceria e...

Suspirei e fechei os olhos, pois aí vinha o pior de meus pensamentos. Eu não daria um filho a Tom, nunca. Senti lágrimas surgirem em meus olhos. Como essa família ótima continuará sem herdeiros? Olhei novamente para Tom, eu não poderia ficar ali, não poderia lhe dar uma vida de verdade e ele não merecia isso. Ele merecia ter uma boa esposa e ter filhos lindos, mas infelizmente eu não seria essa boa esposa, pois jamais lhe daria filhos. Pensar naquilo foi como dar várias facadas em meu peito. 

Saí da cama, peguei um pedaço de papel e uma caneta e comecei a escrever:

Meu amado Tom,

Me desculpe não estar ao seu lado assim que você acordar como é todas as manhãs. Eu queria muito estar aí agora, sentir seus beijos me acordando, sentir seus dedos alisando meus cabelos, poder abrir os olhos e ver o seu sorriso logo pela manhã. Na verdade, eu não poderia desejar uma vida melhor que essa. Só você foi capaz de me trazer tanta felicidade no mundo perturbado em que vivo.

Porém, essa carta é pra dizer que eu sinto muito mas preciso ir embora. Você deve estar se perguntando o porquê. Bem, eu não sou a mulher certa pra você. Você precisa de uma mulher que não pareça estranha à sociedade e que possa lhe dar filhos - lágrimas pingaram na carta nesse momento -, eu jamais poderei te dar um filho e isso me deixa muito triste Tom. Diga a sua mãe que ela é a melhor mãe do mundo e que sentirei muitas saudades dela, agradeça pelos conselhos, pela ajuda, pela comida, pelo teto. E você, eu agradeço por todo o verdadeiro amor que me deu. Não sei se serei capaz de encontrar outro homem como você, acredito que você seja único com toda a sua gentileza e boa pegada, é, terei muita dificuldade para encontrar alguém como você. Na verdade terei dificuldade para encontrar qualquer um, afinal, acho que será melhor se eu viver sozinha. Acho que meu destino não é ter uma família feliz, afinal, jamais crescerei junto com minha família, terei filhos para vê-los morrer primeiro e o pior de tudo, terei de ver você morrer e continuarei aqui, sozinha. Para evitar maior sofrimento, prefiro partir agora.

Tom, você é jovem ainda, encontrará uma mulher que te fará feliz e por favor, não a compare comigo, pois é preciso ter toda uma vida perturbada para ser como eu.

Um grande beijo,

May.

P.S.: Você é a melhor coisa que aconteceu na minha vida e eu te amo muito. Novamente, me desculpe.

Lacrei a carta e a coloquei do meu lado da cama. Era muito triste vê-lo ali dormindo e ter que embora, realmente aquilo partiu meu coração.

Saí de fininho pelos fundos da casa, subi na Haley, dei a partida e comecei a dirigir pela estrada. No início aquela despedida não me afetou, afinal, eu estava fazendo o que era certo, não estava? E se não estivesse? Se eu estivesse deixando pra trás a melhor coisa que podia ter acontecido na minha vida? Mas, não posso ser egoísta, Tom tem que ter uma vida normal, ele merece, ele é uma boa pessoa, ele e Mary merecem uma vida normal. Lágrimas começaram a surgir em meus olhos e eu as deixei escorrer. 

Parei a moto de repente. Desci rápido, sentei na estrada e comecei a chorar, chorar alto, eu gritava e berrava, ali ninguém me ouviria, ali era o lugar ideal para deixar minha raiva ir embora. Raiva? O que eu estava sentindo não era raiva, era um sentimento novo, era tristeza, mas não uma tristeza com medo e sim uma tristeza de abandonar alguém que eu amo e que me ama de volta. Droga! Pra quê eu tive que conhecer Tom? Estava tudo tão bem! Me levantei e chutei alguns pedaços de madeira que estavam na beirada da estrada. Pra quê aquele garoto idiota tinha que me encontrar na estrada? Eu iria apenas voltar para minha cidade e acabar com tudo, acertar as coisas, mas não, tinha que aparecer esse maldito Tom e me mostrar uma felicidade que não posso ter. Por que não posso ser uma garota normal? Por que não posso envelhecer e ter filhos? Por que isso tinha que acontecer logo comigo? 

Apoiei minha cabeça em minhas mão, me joguei no chão e comecei a gritar muito alto. Gritar e chorar.


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