P.O.V Rose, dormitório da Dominique

Fiquei algum tempo encarando meu reflexo. É, eu parecia a mesma. A mesma Rose ruiva-acastanhada, com suas sardas, olhos castanhos sem graça, levemente vermelha como sempre. Tá bom, as roupas eram outras. Mas de resto, eu estava à mesma. Só por um detalhe não tão irrelevante assim: eu não odiava mais Scorpius Malfoy. Puff. De repente, não tinha mais vontade de deformar o rosto dele com feitiços, ou rosnar toda vez que alguém dizia o seu nome. Ele era, no fundo, uma pessoa legal. E também, era péssimo admitir, beijava bem.

E, oh Merlin, eu tinha conseguido? Eu tinha beijado Scorpius Hyperion Malfoy! Mesmo que elas ainda queiram me empurrar para ele, não sou estúpida e sei que elas vão fazer isso, eu ganhei essa aposta de qualquer jeito. Queria só ver a cara da Alicia Summers quando souber dessa. Há.

Só que agora não era exatamente o melhor momento para pensar sobre isso. Lily e Dominique me aguardavam. Abri a porta e tentei não sorrir, nem demonstrar nenhuma reação. Seja indiferente, Rose.

Antes que eu pudesse abrir a boca, Lily começou a pular.

-Conte tudo direitinho, Rose Jean Granger Weasley!- ela gritou, me sacudindo e me derrubando no chão que felizmente era coberto por um tapete fofo.

-Hum, Lily, ela não terá como contar com você em cima dela- Dominique riu, e Lily se apressou para sentar ao lado da loira.

-Ah, desculpe. Agora sim, conte absolutamente tudo. Todos os mínimos detalhes. E o principal: como foi o beijo?

Eu estava um pouco atordoada com a velocidade das perguntas.

-Hum, foi normal, Lily.

Lily deu outro grito, revoltada.

-Quer dizer que o beijo do Malfoy é só “normal”?

-Não é nada de mais, Lilían- Dominique respondeu por mim. Quase sempre eu esquecia que ela já tinha namorado Scorpius por um curto período de tempo.

Lily cruzou os braços.

-A sua opinião, Dominique Marie Delacour, é irrelevante porque nós sabemos exatamente quem tem o melhor beijo para você.

Se eu pensei que Dominique fosse se envergonhar, estava completamente errada. Ela apenas deu de ombros, e me disse pra contar toda a história. Então eu contei. Não sabia como estava necessitada de dizer tudo em voz alta, não omitindo nem mesmo a parte onde parei de odiá-lo.

Lily só faltou fazer surgir um coro de Igreja e cantar “Aleluia”.

-Eu sabia! Oh, agora vocês precisam casar e...

-Menos, Lily Luna, quase nada.

Dominique parecia satisfeita, mas um tanta pensativa demais do que o normal.

-O que houve com você, Domi?- Lily perguntou, com um sorriso de quem sabe das coisas- Tem algo a ver com você e James, em Hogsmeade, juntinhos... Ou com esse leve cheiro de perfume absolutamente não feminino por aqui...

-Argh, Lily!- Dominique jogou uma pelúcia nela. - Para com isso. Merlin te pague por esse olfato desumano. É, hum, mais ou menos. Mas não estamos aqui para falar da minha vida.

“Infelizmente”, eu pensei, “vocês ainda estão mais do que interessadas na minha”.

-Só estava pensando no nosso próximo passo- Dominique continuou, se levantando e começando a andar pelo quarto. - Mas antes de fazer qualquer coisa, Rose, deixe rolar um pouco. Como vai ser a reação dele amanhã... E qualquer que for, entre na onda. Se for negativa, damos um jeito nisso. Se for positiva... Mais um terço do caminho andado. - ela parou e deu uma risadinha. - Nunca pensei que fosse ver isso. Vocês dois- depois balançou a cabeça, como se estivesse falando demais.

Lily observou Dominique novamente, me olhou como se perguntasse se eu tinha entendido essa parte final e eu fiz que não.

-Por hoje é só?- eu perguntei, me levantando- Se me permitirem, eu queria muito mesmo ir descansar. Foi um longo dia.

Lily deu mais pulinhos, e Dominique a segurou pelos ombros, revirando os olhos.

-Vai dormir, Rose. Você merece, seguiu as regras direitinho- quando já estava saindo, ela falou de novo. - E tente não pensar muito antes de dormir. Nunca faz muito bem. Só deixe rolar, está bem? Quanto mais se pensa, pior.

*****

Dominique bem que tinha avisado. Desde que eu encostara a cabeça no travesseiro, não conseguia parar de pensar.

Flashes do passeio a Hogsmeade hoje, e também daquele dia na sala de Adivinhação... Será que ele tinha gostado? Porque ali, sozinha na minha cama, eu conseguia admitir. Eu tinha gostado. E eu faria de novo sem pensar duas vezes sobre.

Oh não. Não, não, não. E parte de “não ter sentimentos”? Por que isso não podia ser um sentimento... podia?

*****

-Aí está, finalmente Rosalina- Alvo zombou, do outro lado do Salão principal, que estava bem vazio devido a hora. Ele correu até a mesa da Grifinória e piscou- Não conte para ninguém.

James, que um minuto atrás estava ocupado encarando bobamente Dominique como ele sempre fazia, deu um grito e se debruçou sobre a mesa.

-Eu sabia que você era um grifinório escondido! Tããão orgulhoso de você, irmãozinho!

Alvo fez um careta e bateu no peito.

-Sonserino até morrer! E, ei, Dominique, mande seu namorado calar a boca.

-James Sirius, cale a boca- ela disse, rindo.

-Tenho uma ideia melhor...- James responde, levando o tapa de sempre.

-Não tem não.- Dominique o encarou feio, segurando um sorrisinho enquanto eu e Alvo quase morríamos engasgados.

-Tudo bem, eu não tenho.

-Chega de comida, Potter, você vai ficar obeso. Além disso, estamos atrasados para o treino de quadribol, capitão. - Dominique o empurrou para fora do Salão Principal enquanto me encarava como se dissesse “converse com Alvo e obtenha informações. Agora!”. E eu que duvidei da força dos olhares feios dela.

-Então... - ele começou, mas eu dei um soco na barriga dele antes que continuasse. - o que foi isso, Rose? Pare de andar com a Dominique!

-Como você me some assim, e me deixa sozinha com SCORPIUS MALFOY?- eu gritei, batendo nele de novo- Seu energúmeno imprestável idiota, por que razões fez isso? Ah, esquece, eu não quero saber...

Alvo ria enquanto se afastava de mim.

-Ah, mas você aproveitou bem essa situação...

Eu o encarei, de braços cruzados.

-Rose, eu sou seu melhor amigo. Pode admitir.

-Também é o melhor amigo do Scorpius. - retruquei, e ele revirou os olhos.

-Nem depois de ontem você vai parar com a implicância, Rose? Isso é ciúme meu ou dele?- Alvo provocou, me dando uma cotovelada de leve.

Eu tentei evitar corar, mas foi impossível. Alvo apertou as minhas bochechas, como eu fazia com ele.

-Ei, isso não vale!

-Sem mudar de assunto, priminha. Quero saber mais um opinião de como foi.

Eu engasguei com o pão que estava comendo.

-M-mais uma opinião?- sem nem me dar conta do que estava fazendo, eu arrumei a postura- Ele.., quer dizer, o Scorpius... Ele hã falou alguma coisa?- eu podia sentir minhas bochechas esquentarem ainda mais. Merda.

Alvo olhou para mim, riu, me olhou de novo e abriu um sorriso gigante.

-Você, cara Rose, está a um pulo da paixão.

Eu cuspi meu suco, o que não foi exatamente legal ou educado. As instruções de Dominique giravam na minha cabeça, “sem sentimentos” “para ser uma heartbreaker, esqueça os sentimentos” e o que ela tinha dito ontem “só deixe rolar, está bem? Quanto mais se pensa, pior”.

-De jeito nenhum, Alvo. Você tá louco. Foi só... Ah, você sabe, só um beijo.

-E você não sentiu nada?

-Não.

-Não queria repetir?

-De maneira alguma- eu sentia minhas mãos suarem enquanto respondia. - Acho que terminei o café. Vou voltar para o Salão Comunal, terminar uns deveres e...

-Eu acompanho você até a Torre. - ele interrompeu.

-Não precisa...

-Eu insisto, prima. Depois, tenho que ir naquela direção mesmo, procurar um bom lugar para espionar o treino da Grifinória. - ele piscou para mim como se eu não fosse da Grifinória- Só não conte a ninguém.

Eu ria dele, enquanto caminhávamos pelos corredores.

-Você sabe que eu não ligo para quadribol, Alvinho.

Alvo ia reclamar, como sempre faz quando eu o chamo de “Alvinho”, quando um voz que eu realmente não queria ouvir agora, para ferrar toda minha farsa de “foi só um beijo” interrompeu.

-Poxa Rose, isso sim é anormal.

E lá estava Scorpius, com seu sorriso encantador e os olhos brilhando na minha direção. Ai Rose. Onde você foi se meter?

P.O.V Scorpius Malfoy

Com ontem tinha sido impossível encontrar James Sirius em qualquer lugar do castelo, Alvo mandou um recado para o irmão dizendo que precisávamos vê-lo de manhã bem cedo, antes do treino da Grifinória. Por essas razões, ali estava eu, parado na Sala Precisa às sete e vinte.

Alvo estava acabando de repetir o que eu tinha lhe contado na noite anterior, enquanto eu me esforçava para parecer prestar atenção. Só fui realmente ouvir o que estavam falando quando ouvi meu nome.

-Scorpius, é agora que mora o perigo. As garotas são sempre iguais. Um beijo, e acham que é amor e blá blá blá. Pode ser, no mundinho cor de rosa dela. Mas funciona para nós, porque é aí que elas se apaixonam. Só tome cuidado para não cair na própria armadilha- ele deu um sorriso misterioso que eu não gostei nem um pouco. Na verdade, não estava gostando do tom daquela conversa.

-Eu sei.- respondi, me revirando no sofá.- Alguém apague a luz.

-Por Merlin, Alvo- James bufou, se levantando- Scorpius parece uma garotinha de manhã cedo. Como você aguenta? Eu tenho que ir, encontrar a Srta. Eu Sou Co-Capitã e Mereço Respeito, ou seja, a Dominique, antes que eu esteja realmente atrasado.

James saiu da Sala num piscar de olhos e eu repeti.

-Podem apagar a luz agora?

Alvo chegou perto e bateu em mim com uma almofada.

-Isso foi desnecessário, Malfoy. - ele disse, se jogando no sofá ao meu lado.- Você devia ter dado aquelas opiniões de ontem.

Eu abri os olhos e encarei Alvo.

-Esquece. Eu estava fora de mim.

-Ah, claro que estava. - ele respondeu, irônico- isso é amor, Scorpius, paixão... Seria mais fácil admitir isso pelo menos para si mesmo. - e então Alvo se levantou e foi embora também.

Por mais que eu quisesse, eu não conseguia dormir de novo. Ontem tinha sido a mesma coisa, e meu sono havia sido preenchido por sonhos em que eu beijava Rose... De novo. E de alguns jeitos muito menos delicados do que em Hogsmeade. Balancei a cabeça. Isso tudo deve ser por causa do stress de tudo ser uma aposta. Scorpius Malfoy não se apaixona. E eu ia quebrar o coração de Rose, nem que isso fosse quebrar o meu também.

Espera. Não. Eu não disse isso. Vamos lá, isso tudo deve ser sono. Mas de qualquer forma, está na hora de sair daqui e quem sabe dar continuidade a minha gloriosa missão.

Segui meio sem rumo pelos corredores de Hogwarts, ainda lembrando o beijo de ontem. Porque, é claro, foi uma grande vitória. Eu realmente cheguei a pensar que ia perder essa aposta. Ou que, pior ainda, eu tinha perdido meu dom de conquistar as garotas. Nada era impossível para mim agora- não depois de conseguir ao menos um beijo da Rose. Parte de mim se sentia invencível, e a outra vivia um estranho conflito sobre querer ou não machucar a Weasley.

Como era de se esperar, não tinha ninguém andando por aí. Os grifinórios deviam estar assistindo o treino da sua equipe de quadribol, os corvinais provavelmente estavam em sua torre para evitar qualquer acusação de espionagem (isso acontece bastante com eles) e os lufanos estavam espalhados pelo jardim, curtindo um dia surpreendentemente menos frio.

Resolvi que na melhor das hipóteses, eu podia ter uma crise mental na minha confortável cama, e segui em direção as masmorras, para o incrível dormitório submarino da Sonserina. Tudo estava como eu esperava (o que significa, vazio e sem ninguém para encher o saco), quando vozes conhecidas vem do corredor oposto.

Alvo e Rose gritando, como de hábito, enquanto iam na direção contrária da minha. Aparentemente, eles estavam tendo um momento de amizade e fraternidade entre primos. O cabelo ruivo dela caía sobre as costas, enquanto Alvo piscava e fazia as mesmas graças de sempre. Eu finalmente consegui ouvir o que diziam.

-Você sabe que eu não ligo para quadribol, Alvinho- ela disse, com um daqueles sorrisos contagiantes. Alvo iria reclamar, mas eu fui mais rápido.

-Poxa Rose, isso sim é anormal. - eles se viraram, surpresos, e eu sorri.- Esperava mais de você.

Rose abriu e fechou a boca umas duas vezes antes de responder.

-Achei que tivesse deixado claro que não vejo lógica nisso.

-Ainda assim, é anormal.

Alvo olhava de um para o outro, tentando esconder a animação.

-Já que está aqui, Scorpius, acompanhe Rose até a Torre da Grifinória- ele começou- Preciso hum hã ir... espionar a Grifinória. Isso! Espionar a Grifinória. –e então ele saiu correndo em direção a saída.

Esperei Alvo ir embora, e me voltei para Rose, que enrolava uma mecha do cabelo num gesto nervoso nada discreto.

-Alvo- eu respirei fundo antes de continuar- Nunca foi bom com essas coisas.

Parte da tensão se desfez quando ela sorriu de novo, o mesmo sorriso contagiante de minutos atrás. Ela abaixou levemente a cabeça, recomeçando a andar.

-Ah, eu sei. - ela deu uma risada baixinha- Ele sempre foi assim.

A conversa fluiu naturalmente durante o resto do caminho, que infelizmente nem foi tão longo assim. Paramos em frente ao que devia ser o retrato da Mulher Gorda, mas estava vazio.

-Então... - Rose disse, se encostando a parede- Eu preciso entrar.

-Eu sei. Acho que... nos vemos amanhã?

Ela me encarou com os olhos castanhos, as pupilas levemente dilatadas, e a boca entreaberta. Como se esperasse alguma coisa. Pedaços dos meus sonhos voltavam a minha cabeça. Por que não, Scorpius?

Me aproximei dela, devagar, e Rose podia ter me empurrado se quisesse. Mas ela não fez isso. E então a beijei, com mais confiança do que ontem. Ela correspondeu, e se apoiou em mim, passando as mãos pelo meu pescoço. A puxei mais para perto, parando um segundo para respirar e depois ela tomou a iniciativa de retomar o beijo.

-Cahãm- alguém nos interrompeu, e nós nos voltamos para o quadro da Mulher Gorda, que tinha voltado.- mas que pouca vergonha é essa aqui? Rose Weasley, o que seu pai pensaria disso? Para dentro, anda. - ela mandou e Rose me deu um sorriso antes de entrar, não sem antes cochichar a senha para que eu não ouvisse.- E você, Malfoy...- o retrato balançou a cabeça, com um meio sorriso- Ela é uma boa garota, apesar dos apesares.

E ficou em silêncio. Eu continuei ali, meio estático, meio tentando não pensar. Eu beijara Rose de novo. Eu estava gostando. Oh-oh. Isso não é nada bom. A Mulher Gorda está certa, eu não posso fazer isso.

-Pode ir embora agora, Scorpius Malfoy- a Mulher Gorda disse, fazendo sinal para que eu fosse- Não gosto de sonserinos batendo ponto na minha frente.

Eu andava devagar pelo corredor, revivendo minha mais nova memória, quando ouvi outra voz que só podia estar falando comigo.

-Tsc tsc, Scorpiuszinho.- me virei em direção a voz e encontrei Alicia Summers- Me trocando pela Weasley?- ela se aproximou, colocando a mão no meu peito. Eu a empurrei.

-Oh, Merlin, será que eu não vou ter paz hoje?

Alicia soltou uma risadinha cruel.

-Ah, meu queridinho... Você acha que vai dar certo? – Alicia balançou a cabeça- Nananinão. E não sou eu que vou atrapalhar. Vocês não nasceram para ficar juntos, isso é antinatural. Aproveite enquanto pode, porque querendo ou não vocês vão partir os corações um do outro.