Dharma Rangers escrita por Kisuki


Capítulo 2
Capítulo 2: Fado Compartilhado


Notas iniciais do capítulo

Betado por Akane-Kittsune



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O poder, a responsabilidade, a escolha. O peso do destino nos ombros de cinco adolescentes pode ser demais para que agüentem. Mas quando a alternativa é a destruição desse mundo, até que ponto temos uma opção? Se você se deparasse com esse dilema, conseguiria escolher? Mesmo que isso mudasse sua vida para sempre?

São perguntas para as quais não existe resposta correta. A vida é mais que uma prova com questões pré-definidas. Quando surpreendido pela escolha, sua resposta pode ser muito diferente do que você cogitava. O único erro é hesitar, pois um momento depois pode ser tarde demais.

 

Dharma Rangers

Capítulo 2
Fado Compartilhado

Era sexta-feira, mas as ruas estavam vazias. O Colégio São Remígio repousava, curando as feridas do evento que acontecera ali no dia anterior. Os policiais já haviam feito suas perguntas, os jornais já haviam transmitido as imagens, as pessoas já haviam fofocado sobre o acontecido: O seqüestro da escola, a chegada dos monstros... E seu repentino desaparecimento.

Agora o povo se ocultava em suas casas, superando o medo que assolou a cidade no dia anterior. A calmaria foi tão repentina que todos estranhavam. Esperavam notícias de explosões e genocídios. Esperavam intervenções de outros países e invasões militares. Mas o caso do seqüestro do Colégio São Remígio passou praticamente despercebido pela comunidade internacional. Simplesmente não haviam provas suficientes. E agora aquela calmaria.

Como se nada tivesse acontecido.

A história verdadeira era conhecida apenas por seis jovens e um seleto grupo de confiança de uma grande empresa de tecnologia.

A verdade é que aquela paz não iria durar. Os monstros iram voltar. E quando isso acontecesse... O que eles iriam fazer?

~

“Eu não sei.”

“Ainda? Não quero de pressionar, mas...”

A conversa se passava em um programa de mensagens instantâneas pela internet. Aquele dia era importante para Lara e Penélope, as pessoas que estavam utilizando o programa. Elas eram grandes amigas, apesar da garota de cabelos castanhos só ter se juntado ao pequeno círculo de amigos recentemente. E aquele dia era importante por ser o dia da decisão.

“Eu entendo que você esteja pronta, afinal, depois do que aconteceu ontem...”

“Não se preocupe, ainda temos muito tempo.” Digitou Pen.

Lara viu as palavras na tela do seu PC e encarou automaticamente o relógio. Eram duas horas da tarde, o que davam mais quatro horas para ela se decidir. Ela ouviu a porta da sala abrir e fechar e colocou a cabeça pela porta do quarto para o corredor. Sua irmã chegava em casa.

“Mana, você demorou!”

“É, eu não tive a sorte de não ter aula hoje como você. Quase fiquei com inveja de você por ainda estar no Remígio. Quase.”

Lara riu. Sua irmã já tinha passado no vestibular e agora estudava em uma universidade prestigiada. A garota era sua maior fonte de orgulho e de inveja. Porque ela tinha que ter pegado os malditos genes para olhos verdes?

“Eu não me importaria de ter aula hoje...” Disse Lara, voltando sua atenção para o computador. O que ela realmente queria era não ter que tomar aquela decisão.

Ela tinha recebido outra mensagem de Pen enquanto falava com sua irmã.

“Contanto que você escolha por si mesma e não por influência nossa, eu irei te apoiar em sua decisão.”

Lara digitou a resposta logo em seguida.

“E seu eu acabar decepcionando a todos?”

A réplica de Pen veio rápida.

“Impossível. Nós te amamos demais para ficarmos decepcionados ;D”

A garota riu e pensou em sua irmã e em seus pais que estavam trabalhando na clínica da família.

“Acho que já sei o que fazer. Eu vou aceitar.”

“Que bom ^_^” Apesar do sorriso que Penélope escreveu, ela na verdade estava nervosa e aliviada por sua amiga ter tomado a mesma decisão que ela. Mas aquilo deixava as coisas muito mais reais. No quarto que a garota dividia com a irmã gêmea, ela estava se esforçando para não roer as unhas.

“Como a Nana está?” Perguntou Lara.

Pen olhou para a cama da irmã por um momento. Depois de uma noite inteira de pesadelos ela finalmente havia dormido, e até agora não tinha despertado.

“Está cansada. Ela não conseguiu pregar os olhos a noite, então está dormindo até agora. Apesar disso, ela parece estar bem.”

“Fico aliviada por saber disso. Só de pensar que poderemos impedir que mais casos como este aconteçam, fico mais feliz.”

Pen cerrou os punhos, lembrando da horrível cena do dia anterior.

“Nunca mais... Nunca mais vou deixar isso se repetir!” Sussurrou ela para si mesma. As lembranças de ontem voltaram vividamente, e ela checou o relógio pela milésima vez.

~


“Acho que posso esclarecer algumas de suas dúvidas.” Era o cientista, que finalmente havia superado o choque no qual esteve.

“Para começar, meu nome é Li Shen Tsai, um dos idealizadores destes rosários que vocês agora carregam. E vocês, meus jovens, são os novos guerreiros da humanidade.”

Um silêncio constrangedor se instalou. Amanda foi a primeira a quebrá-lo.

“O que você quer dizer com isso? Explica isso direito, tio.”

“Primeiro, vamos para um lugar mais reservado. Agora que os monstros fugiram, seus guardas devem ter desaparecido também. Logo este lugar vai estar cheio de curiosos.”

“Temos que levar minha irmã para a enfermaria. De qualquer forma, duvido que alguém nos incomode lá.” Resolveu Pen, ajudando Nana a se levantar.

“O-O que aconteceu?” Questionou a garota, confusa.

“Não se preocupe, estamos aqui. Vamos cuidar de você agora, maninha.”

A enfermaria do São Remígio era como o restante da escola – De primeira qualidade. O mínimo que podiam fazer com uma mensalidade tão absurda era conferir aos alunos cuidados médicos apropriados. O recinto era grande, com duas enormes janelas que davam para o jardim do Colégio, agora fechadas. Três macas estavam alinhadas no alvo cubículo, e além delas, uma porta dava para o armário de medicamentos. Havia também cadeiras de roda e muletas, itens muito usados em uma escola que incentivava tanto o esporte. Fora isso, o local era uma sala ampla e fresca, e muitos alunos fingiam enfermidade para passar um tempo longe das salas de aula.

Thomas e Daniel deitaram a amiga no leito mais próximo, ignorando suas afirmações de que estava se sentindo bem. Logo que ela se deitou, caiu em sono profundo.

“Ok, agora abre o bico. O que isso tudo significa? O que está acontecendo?” Perguntou Lara ao cientista. Este, por sua vez, sentou-se na cadeira da atendente antes de responder.

“Nós já sabíamos que isso ia acontecer. Quer dizer, nosso grupo de cientistas na China, a semente da Sakyamuni. É uma história longa, então vou resumir para vocês. Meu irmão, Dai Wei, já foi um monge. Ele cruzou histórias e lendas budistas com dados da pesquisa sobre universos paralelos que ele estava desenvolvendo e descobriu que os seis mundos da cosmologia budista existem de verdade. Ainda não acredito que ele está morto...” Ele deu um sorriso triste antes de continuar a história.

“De qualquer forma, descobrimos que um grupo de criaturas de outros mundos tinham se juntado e estavam de olho no nosso mundo, no mundo dos humanos. Vocês conheceram dois deles hoje. A mulher provavelmente é proveniente do reino do inferno. O ser sob o capuz, porém, poderia ter sido qualquer coisa. Logo que nos deparamos com seus planos de invadir nossa realidade, começamos a produzir armas capazes de expulsá-los. Essas ‘armas’ são esses braceletes que vocês têm em mãos.”

Nesse ponto os cinco jovens estudaram as contas que haviam se prendido aos seus braços. Em uma observação superficial, era uma simples pulseira de contas de madeira azulada, belamente lixadas e polidas, mas ainda assim simples. O olhar atento, porém, revelava que o parecia ser madeira era na verdade metal coberto por uma finíssima camada de acrílico, e o que pareciam ser os veios da madeira eram padrões como os vistos em placas de computador.

“Isso parece ser... muito intrincado.” Comentou Daniel, coçando a cabeça.

“E o é, sem dúvidas. Levou dez anos para conseguirmos criá-los, mas os monstros chegaram cedo demais... Para garantir que os Juzus chegassem a mãos aptas, eu e Dai nos separamos. Ele ficou escondido na China, finalizando as pulseiras, enquanto eu vim para o Brasil, criei a Sakyamuni e instalei a ponte de teletransporte para que os Juzus deixassem à China, já comandada pelos invasores, assim que fossem finalizados. E eles acabaram nas mãos de vocês.”

“Mas o que são essas coisas a final de coisas?” Perguntou Thomas, um pouco perdido.

“São mecanismo que criam uma zona neutra, uma barreira onde seres que não pertencem a essa dimensão podem ser destruídos... Ou isso foi o que eu pensei.”

“O que você quer dizer com isso?” Amanda sentiu que aquilo tinha a ver com ela, e não estava enganada.

“Aquela reação que o Juzu teve a você, aquela luz que ele emanou e o modo como ele ativou o selo instantaneamente. Isso não deveria ser possível. Foi além dos nossos cálculos mais otimistas. Vejam bem, os Juzus eram apenas criadores de barreiras, um poder para que os humanos pudessem lutar, mas sempre foi uma invenção idealista. Ainda que seres humanos tivessem uma chance para confrontar os invasores, os monstros ainda seriam mais fortes certo? Foi por isso que criamos uma liga especial treinada, mas... Você, uma jovem no colegial, conseguiu destruir um monstro sozinha e desarmada!”

“Ela não estava exatamente desarmada! Você não viu o que aconteceu dentro da barreira?” Perguntou Pen.

Ele balançou a cabeça negativamente.

“Apenas alguém com um Juzu ou um ser de outra dimensão pode adentrar o espaço neutro.”

“Espera aí, quer dizer que qualquer pessoa pode usar essas coisas?” Questionou Amanda.

“Não exatamente. Para funcionarem, a alma do usuário deve ter estado no mundo correspondente na vida passada imediatamente anterior, mas aquela reação quer dizer que pode haver mais que isso...”

“Espera aí. Vida passada? Como assim? Esse tipo de coisa existe de verdade? Se bem que depois de ver aquilo que aconteceu a pouco, eu não duvido mais de nada...” Disse Daniel sentando-se em uma cama vazia.

“Existe sim, e sabemos disso graças a pesquisa do Dai. A única maneira de ativar um Juzu é sendo uma alma da mesma natureza das contas.”

“E isso de mesma natureza? O que quer dizer?” Perguntou Amanda, sentindo que tudo que eles faziam era perguntar o que isso ou aquilo queria dizer. Estava começando a ficar frustrada. Penélope pegara uma toalha e agora secava o suor na testa da gêmea.

O cientista parou para organizar seus pensamentos antes de continuar.

“Bom, os Juzus não são todos iguais. Cada um tem a natureza de um dos seis mundos, quer dizer, menos o sexto, que provavelmente Dai Wei não conseguiu terminar... O seu, garota, tem o poder do mundo dos humanos. Eu sei disso porque reconheci o selo no chão antes de você e o monstro desaparecerem. A estrela é o símbolo do nosso reino. A sua capacidade para usá-lo quer dizer que você esteve aqui em sua vida passada, mas provavelmente nunca vamos encontrar alguém que reaja a esse Juzu do mesmo jeito que você.” Disse ele se referindo a Amanda. Ela sentiu suas bochechas corarem.

“Eu entendo que ela teve uma reação mais forte e por isso é importante, mas e nós?” Perguntou Daniel, ficando cada vez mais nervoso. Ele já estava roendo as unhas.

“As pulseiras foram paras os seus pulsos sozinhas, percorrendo metros e metros de distância. Isso nunca aconteceu antes. Tirem suas próprias conclusões.”

~

 

Um ícone piscou na tela, indicando que alguém falava com Pen. Ela esteve tão entretida em seus pensamentos que demorou a notar. Não foi por menos, afinal o dia anterior fora cheio de revelações, nem todas tão fáceis de digerir. Ela desviou sua atenção para a tela do PC.

“Você está bem?”

A garota riu baixinho.

“Estou um pouco preocupada com umas coisas aqui, mas como você sabe?”

A resposta não tardou.

“Nossa conexão é poderosa ;D. E você ficou uns cinco minutos sem falar nada xD”

“Ah, desculpa.”

“Se preocupe com isso não...”

A jovem sempre se assustava como aquela pessoa conseguia varrer suas preocupações, mesmo estando a quilômetros de distância. Pouco a pouco, Penélope se distraiu dos problemas do dia anterior.

Já eram quatro horas quando Daniel olhou o relógio que repousava na escrivaninha do seu quarto, um cômodo simples e espaçoso, dominado por livros. Ele voltou sua atenção para o volume que tinha em mãos, um velho romance sobre vampiros. O jovem adorava se perder nas páginas, esquecer quem era e apenas acompanhar o ritmo das histórias, mas até isso se tornava difícil naquelas condições. Não conseguia mais adiar a decisão. O peso daquela escolha o torturava desde ontem. As memórias que o impediam de aproveitar sua leitura voltaram mais uma vez...

~

 

O silêncio pousou sobre a enfermaria mais uma vez enquanto todos ponderavam sobre as implicações das palavras proferidas por Li.

“Ok, eu entendi a teoria toda, mas... Isso quer dizer que daqui pra frente vamos ter que lutar com esses monstros?” Daniel foi o primeiro a entender o significado por trás das explicações do chinês.

“Eu não estou obrigando vocês cinco a nada, mas eu achei que...”

“Pois achou errado!” Gritou Daniel, levantando da cama. Amanda se colocou ao seu lado, tentando apaziguar-lo.

“Calma, Dan.”

Ele se virou para a garota, alterado. Daniel sempre era assim – Sob pressão, ele não conseguia pensar direito ou colocar as coisas sob perspectiva.

“Eu não pedi por nada disso! Eu simplesmente não sou a pessoa certa!”

“Se acalme. Eu falei sério quando disse que não quero forçar vocês a nada. Vamos fazer o seguinte - Porque vocês não passam na Sakyamuni amanhã as seis da tarde? Vocês podem me dizer a decisão de vocês então.”

O cientista então abandonou a sala, deixando para trás um clima tenso entre os amigos.

Daniel voltou para o seu lugar na cama vazia.

“Daniel, onde você estava com a cabeça? Sair do sério assim numa situação como essa...” Amanda começou a reclamar com o garoto, mas foi impedida por Lara.

“Espera aí, Amanda. Eu sei como ele se sente. É responsabilidade demais. Precisamos de um tempo para pensar.”

“Colocando dessa forma... Você tem razão.”

Um celular tocou, interrompendo a discussão. Pen foi atendê-lo na privacidade do banheiro.

“Eu só sei que, para isto dar certo, teremos que ficar todos juntos.” Disse Thomas, de repente, após um longo tempo de silêncio.

“Sim, entendo o que você quer dizer.” Concordou Lara, mexendo nas contas do seu Juzu, pensativa. “Se não nos apoiarmos mutuamente, eventualmente a responsabilidade se tornará grande demais...”

Thomas se aproximou da saída, olhando o lado de fora através no pequeno vidro da porta. Daniel, apesar de não estar mais nervoso, já sentia a grande tensão daquela escolha em suas costas. Estava obviamente pensando como era injusto colocar o destino no mundo nas mãos de jovens que, como eles, nem decidiram seus próprios futuros. Esse pensamento reforçou o que Thomas disse – Poderiam transpor as dificuldades juntos. Mas isto só tornava a escolha ainda mais difícil para o garoto.

“O movimento lá fora está grande. É melhor irmos embora.” Disse Thomas. Pen saiu do banheiro, o celular já oculto no bolso da calça.

“Quem era?” Perguntou Lara, com falsa inocência. Ela sabia muito bem que havia sido para obrigar a amiga a atender ao telefone longe dos ouvidos dos outros. O rosto dela ficou vermelho quando respondeu.

“O Henrique soube do seqüestro da escola e queria saber se eu estava bem, só isso.”

“Que lindo!” Disse Lara, sorrindo, se alegrando com a felicidade da amiga.

“Ok, ok, já não agüento ficar nem mais um minuto nessa escola. Vamos embora.” Falou Amanda, tentando animar os amigos. “Amanhã a gente decide isso direito. O dia hoje foi muito cheio, precisamos descansar.”

~

 

Os cinco carros estacionaram à sombra do grande prédio mais ou menos ao mesmo tempo. Quando o sol sumia no horizonte, os cinco jovens já haviam atravessado as portas automáticas sob o emblema da flor de lótus que era o símbolo da Sakyamuni. Estavam ali sob o pretexto de uma pesquisa escolar, de forma que os pais ficaram conversando entre si na sala de espera, aproveitando o café de primeira qualidade oferecido pela assistente Milena, enquanto o diretor de desenvolvimento guiava os garotos para uma das salas de reunião. Todos estavam sérios e calados enquanto se sentavam ao redor da mesa redonda. Li não pode deixar de sorrir ao ver suas criações ali, nos pulsos daqueles jovens.

“Vamos direto ao assunto. O que vocês decidiram?”

Eles se entreolharam, nervosos. Amanda foi a primeira a se pronunciar.

“Se eu apenas puder proteger aqueles que amo... Aceitarei qualquer responsabilidade.”

“Eu também, não quero deixar que o que aconteceu com minha irmã aconteça com mais ninguém.” Disse Pen, envergonhada demais para olhar nos olhos do chinês.

“Também concordo.” Disse Thomas, direto como sempre.

“Depois de pensar bastante, eu também... Eu também quero ajudar todo mundo.” Disse Lara, feliz por ter finalmente dito isso em voz alta.

“Não.” Sussurrou Daniel.

Todos os olhares se concentraram nele.

“Vocês me ouviram. Eu disse não. Isso é tudo um engano, eu não sou a pessoa que vocês estão procurando. Eu não sou corajoso, não sou forte... Eu vou estragar tudo se aceitar.”

“Mais Daniel...” Amanda começou, mas o outro apenas se levantou abruptamente e disparou pela porta. A garota tentou pegá-lo pelo ombro, mas não foi veloz o suficiente.

“... Eu não tinha idéia que você pensava assim.” Sussurrou, com o braço ainda agarrando o ar.

“Aquele idiota, porque não falou com a gente?” Disse Lara, frustrada.

Thomas e Pen já estavam de pé, prontos para irem atrás do amigo, mas foram parados pelo diretor.

“Esperem. Ele ainda não se decidiu verdadeiramente. Se ele realmente não quisesse ajudar, teria entregado o Juzu.”

“É verdade! Você acha que inconscientemente ele também aceitou?” Perguntou Amanda. O casal voltou para os seus respectivos lugares.

“Ok, vamos dar um tempo pra ele pôr os pensamentos em ordem.” Thomas concordou, cruzando os braços.

“Enquanto isso, eu lhes darei maiores informações sobre nossos inimigos.” Continuou Li. ”Eu já lhes disse que eles são criaturas provenientes dos outros cinco mundos paralelos a este, mas eu não revelei que eles são subservientes a cinco outros monstros mais poderosos. A criatura que você destruiu ontem, Amanda, não passava de um peão. E como tal, ele é facilmente substituível. Se quisermos livrar o mundo desta guerra, temos que destruir os cinco Marechais dos monstros.”

“Tenho bons motivos para acreditar que a fêmea que vimos ontem na escola era um deles. Proveniente do plano do Inferno, se seu aparente amor por tortura física e psicológica serve como indicio de tal.” O cientista entrelaçou os dedos, pensativos. Estava revivendo o momento em que ficou cara a cara com a criatura, sem dúvida uma experiência traumatizante.

“Então, como nós encontramos esses marechais, e o quão fortes eles são?” Lara pensava em voz alta.

“Isso não podemos medir com clareza, mas sabemos que temos um tempo limitado porque...”

O cientista não chegou a terminar a frase. Um alarme soou, assustando os jovens. Li Shen fez aparecer uma tela de computador do tampo da mesa, e digitava rapidamente.

“Falha de segurança! Uma entidade que não pertence a esta dimensão foi detectada nos terrenos da empresa!” Era a voz de Milena, a assistente, que saía da tela. Os quatro automaticamente se posicionaram atrás do diretor para observar o PC: O rosto da assistente tomava toda a tela. Dava para ver os pais dos garotos ao fundo, exigindo explicações sobre o alarme para um homem de jaleco. Uma janela foi aberta, mostrando o que parecia ser a visão de uma das câmeras de segurança. Esta vigiava a parte externa do prédio, especificamente um beco nos fundos da empresa onde caminhões descarregavam encomendas.

“Espera, aquele é...” Murmurou Pen, cobrindo a boca.

“Daniel!” Gritaram os outros em uníssono.

~

 

O garoto olhava, absorto, para as contas do Juzu. Ele sabia que deveria ter devolvido o objeto quando se recusou ajudar os outros, mas por alguma razão ele não conseguia se desfazer dele. Daniel desejava ajudar, mas ele não conseguia se desvencilhar de seus pensamentos pessimistas. Não acreditar em seu potencial, desistir antes de tentar, todos eram defeitos que o jovem não sabia como superar.

Ele estava imerso nesses pensamentos quando os invasores chegaram. Daniel se encontrava sentado no chão, próximo as enormes portas do depósito da Sakyamuni. Mais à frente, um caminhão era descarregado por um grupo de homens que movia as caixas de dentro do veículo para o depósito. Ali, nos fundos da empresa, o terreno acabava bruscamente em uma depressão no terreno. No fundo da depressão geográfica, existia uma pequena mata, intocada pela empresa que se orgulhava de sua consciência ambiental. De onde Daniel estava, era possível ver as copas das árvores, e ele estava justamente olhando as folhagens quando os três vultos apareceriam, subindo o barranco.

Ele logo reconheceu as formas escuras e altas na direita e na esquerda como dois daqueles guardas de pedra negra que tinham dominado a escola um dia antes. A criatura no meio tinha a altura de um ser humano, mas as enormes garras metálicas que despontavam de suas longas mangas expunham sua verdadeira natureza. Sua roupa vermelha fechada na frente, com gola alta, escondia a parte inferior de sua face, mas seu rosto branco e geométrico e seus orbes rubros eram visíveis, assim como os dentes metálicos que despontavam de seu largo sorriso. Suas feições lembravam uma doentia máscara oriental. Tinha cabelos negros, presos em um rabo de cavalo bem longo, mas os fios eram espessos e brilhantes, como arames. Os monstros andavam em linha reta, direto para o prédio da Sakyamuni.

Daniel se levantou, mas não conseguiu se mexer. O que deveria fazer? Fugir? Se esconder? Chamar os outros? As dúvidas se empilhavam sobre seus ombros, seu peso parando seus movimentos.

Enquanto isso, as criaturas se aproximavam decisivamente.

Um alarme soava em algum lugar.

Um dos carregadores notou os intrusos e se aproximou com uma pergunta nos lábios.

A criatura nos meio apenas ergueu a mão, as guilhotinas afiadas que eram seus dedos começando sua trajetória até a cabeça do homem.

Naquele momento de grande perigo, Daniel deixou todas as dúvidas que o prendiam caírem no chão, inúteis, e levantou sua própria mão direita.

A luz que as contas do rosário emitiram perfurou a penumbra do crepúsculo e fez o monstro usar a mão que atacava para proteger o rosto. Um círculo apareceu no chão, envolvendo todo o local, incluindo o depósito. O ronco do motor do caminhão sumiu. O homem que quase foi morto pelo monstro congelou com uma expressão de terror no rosto.

O sol refletia no visor negro do capacete de Daniel.

~

 

Os cinco na sala de reuniões observavam a tudo, pasmos. Eles viram o enorme selo como o que apareceu no chão do pátio da escola no dia anterior, mas o símbolo neste lembrava o rosto de um fantasma.

“... Reino do Fantasma Faminto...” Murmurou o diretor ao ver aquilo. Porém quando o selo tomou seu tamanho máximo, desapareceu de repente, assim como os três demônios, Daniel, e o homem que estava sendo atacado.

“O que aconteceu? A câmera travou?” Perguntou Amanda, cutucando a tela.

“Não. A dimensão paralela foi estabelecida, e barreira só se quebrará quando Daniel vencer... Ou for vencido.”

Lara estava frustrada.

“Mas eram três! Não há nada que nós possamos fazer?”

 “Temo... que só podemos esperar.”

Um silêncio incômodo tomou a sala enquanto todos olhavam para a tela.

~

 

O símbolo no chão era visto, em cinza, no capacete e na braçadeira que Daniel agora usava. O cachecol esvoaçante em seu pescoço exibia a mesma cor. O próprio Daniel parecia outra pessoa: O jovem, antes curvado e covarde, agora estava ereto e confiante.

 “Então era de você que o mestre Asura estava falando?” O monstro que quase matara o carregador falou, revelando uma voz rouca estridente. Daniel não se moveu.

“O que foi? O gato comeu sua língua?” O monstro riu e apontou para o jovem. “Peguem-no!”

Os guardas negros levantaram suas armas e avançaram. Daniel, mostrando grande velocidade para seu tamanho, esquivou-se, pulando na cabeça de um dos inimigos, e pousando com incrível leveza logo atrás deles. Em sua mão apareceu um estranho instrumento, feito do mesmo material que formava as shurikens de Amanda. Esta arma, porém, era de um cinza brilhante e parecia uma espécie de adaga de três pontas (as duas das extremidades mais curtas que a do meio), e não possuía lâmina. Era um sai, uma arma oriental boa tanto para combate corpo-a-corpo quanto para arremessos.

A ponta longa da arma logo encontrou seu alvo nas costas de um dos monstros, lerdos demais para se virarem a tempo após a fuga de Daniel. O monstro atingido logo se desfez em um monte de pedras. O sobrevivente atacou com sua lança, mas Daniel se agachou a tempo. Aproveitando a situação, ele aplicou uma rasteira no monstro. O peso da criatura abriu um pequeno buraco no chão. O garoto fincou sua arma no peito do inimigo caído.

Daniel agora encarou o terceiro inimigo. Este batia palmas irônicas enquanto de aproximava.

“Nada mal.” Disse ele, agora estendendo as mãos em posição de luta. Daniel também se preparou para a batalha. Seu cachecol virou um borrão cinzento quando ele se moveu para atacar. O inimigo evitou o golpe pulando para o lado e atacando logo depois. Seu punho de metal atingiu apenas o chão. A velocidade de Daniel ultrapassava a exibida por Amanda no dia anterior.

A criatura fez uma careta ao ver seu ataque falhar. O jovem apontou seu sai para ele, uma provocação explicita. O monstro rosnou e se preparou para atacar, correndo na direção de Daniel, os braços para trás. O garoto tomou uma posição defensiva e esperou. A força monstruosa da criatura, somada com o ímpeto da corrida, foi jogada contra Daniel em um só ataque com os dois braços. Aquele golpe poderia partir o prédio da Sakyamuni em dois, mas sua energia foi dispersa apenas no chão: Mais uma vez, Daniel escapou sem um arranhão. O ataque atravessou seu corpo como se ele nem estivesse ali.

“Que truque é esse?!” Gritou o monstro, indignado.

Como resposta, Daniel demonstrou mais uma vez sua incrível velocidade e, enquanto o inimigo estava surpreso, perfurou a mão direita dele com o sai de forma que este ficou preso ao chão. O monstro soltou um urro inumano e se soltou, mas nesse meio tempo o menino havia dado a volta e pego o monstro por trás com um chute. A criatura voou longe, parando apenas quando estatelado na borda do selo. A barreira formada pelo círculo era como um muro intransponível.

“Droga...” Murmurou a ser, tentando sair daquela posição desvantajosa, mas foi paralisado por uma dor atroz que o atingiu nas costas. Daniel havia conjurado outra arma, e esta tinha sido jogada certeiramente na criatura, prendendo-a na “parede” da barreira.

O ser ainda tentou se libertar, se debatendo e rugindo, mas todas as três pontas do sai atravessaram seu corpo e o fincaram na barreira. Os gritos monstruosos foram diminuindo até se tornarem um murmurar furioso.

Dan se aproximou, criando outro sai, com o qual apontava para a nuca do monstro.

“Qual é seu objetivo?” A voz que Daniel emitiu soou estranha, vinda daquele capacete.

O monstro ainda riu, mesmo derrotado.

“Fui mandado até aqui para testar o poder desses tais guerreiros de quem a mestra Naraka falou. Não lhe darei mais nenhuma informação.”

“Então eu acho que sua missão já terminou, não?”

“Sim. Mate-me.”

Daniel o fez.

 

~

 

Alguns minutos depois do desaparecimento do selo, Daniel reapareceu na tela do computador. Parecia confuso e cansado, mas saudável.

“Ah ha! Sabia que ele ia conseguir!” Comemorou Amanda, pulando pela sala e abraçando os amigos.

“Muito bem Daniel...” Disse Li, olhando para a tela, antes de reabrir a janela para o comunicador de Milena.

“Senhorita Milena, o problema foi resolvido.”

~

 

“Agora que os cinco estão de acordo, vou lhes dizer algo muito importante.”

Daniel estava de volta à sala de reuniões, e já tinham repassado para ele as informações dadas por Li mais cedo.

“O poder dos Juzus possuem um limite. Uma conta é gasta sempre que o selo é ativado.”

Os garotos se assustaram com a notícia.

“Quer dizer que só temos... Trinta chances para encontrar os marechais e destruí-los, além de nos livrarmos desses monstros menos fortes que aparecem?” Lara ficou um pouco perturbada com a revelação.

“Sim, é por aí.” Respondeu o cientista, com uma expressão serena. No fundo, ele estava tão preocupado quanto os outros.

“Espera aí... Amanda, você andou por aí esse tempo todo só com cinco contas e nem percebeu?” Perguntou Thomas para a amiga, segurando a risada.

“Ah... Desculpa, não percebi mesmo... Mas falando assim, trinta selos não parece pouca coisa, principalmente se são só cinco inimigos. Eu acho que temos ótimas chances.” A garota coçava a nuca, acanhada.

“Nem mude de assunto, como você não notou que tava faltando uma conta?” Os cinco, então, começaram a discutir sobre suas memórias: Thomas comentou que só conseguia se lembrar de coisas inúteis, enquanto Pen só tinha facilidade de lembrar experiências que aconteceram pessoalmente com ela. Dan disse que tinha ótima memória, mas esquecia das informações nas horas em que mais precisava. Lara era quem tinha mais facilidade de memorização, enquanto Amanda tinha um caso de memória seletiva.

Li sorriu ao ver como o assunto logo deixou de ser a fraqueza dos Juzus. Sim, ele acreditava que haviam contas suficientes para concluir a missão. Mas não achava que seria fácil. Momentos descontraídos como aquele fariam as dificuldades valerem à pena.

“Tudo bem, já chega de assunto sério por hoje. Vão para suas casas e descansem, vocês merecem!” Disse o diretor. “Vamos entrar em contato com vocês mais cedo do que esperam, então aproveitem o final de semana.”

Ele e os jovens retornaram à recepção.

Foi dito aos pais dos garotos que o alarme mais cedo foi disparado por um acidente que aconteceu na linha de produção.

“Mas não precisam se preocupar, seus filhos nem estavam no local do acidente.” Disse o diretor, acalmando os ânimos.

“Sim, e a visita foi ótima.” Comentou Pen para sua mãe.

“Pois é, temos material mais que suficiente para o trabalho escolar!” Disse Daniel, e os adultos não entenderam quando os cinco começaram a rir.

 

No próximo capítulo de Dharma Rangers...

“Essas memórias... são minhas?”

“Isso não é hora de relaxar!”

“O que essas imagens significam?”

“Sinto que apenas nossa presença seria suficiente...”

“Ajudar alguém não significa lutar!”

 


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