Eu Sou A Número Dois escrita por Mel Teixeira


Capítulo 2
Capítulo Primeiro: O Céu em Desalinho.


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo pra vocês! Obrigado por lerem!



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–Moça, deu R$ 223,45. –Olhou-me ela procurando os meus olhos em meio aquele burburinho de supermercado em meio a um sábado de tarde.

–Hum... Vou passar o cartão de crédito. –Falei alcançando meu cartão aos seus delicados dedos. Eu estava ali, mas também não estava. Eu, na verdade estava com raiva de Douglas. Para falar a verdade, estava dando uma surra nele em meus devaneios. Ele não quis levantar do sofá para me ajudar com a compra mensal e também não ajuda a pagar nada. Grande romance eu fui arrumar.

–Por favor, digite sua senha. –Olhou a mulher do caixa em meus olhos, talvez tentando adivinhar o que eu estava pensando.

Digitei a maldita senha já irritada com o barulho e almejando ir embora o mais rápido para casa. Apesar de ter que aguentar Douglas me incomodando, em casa era melhor porque ali estava muito calor e insuportável.

Olhei para o lado e vi uma criança me olhando intrigada. A partir daquele rosto angelical que eu vi comecei a me lembrar de minha infância.

Desde quando eu me esqueci da minha própria vida? Parece que eu realmente deixei de viver. Olhei os olhos castanhos daquele menino, almejando em algum lugar de mim, lá no fundo, que eu ainda queria voltar a ser criança e começar tudo de novo. Minha vida estava uma droga e eu precisava admitir isso.

–Moça, tenha um bom dia! Volte sempre. –Falava alto a moça do caixa, talvez tentando tocar os meus pensamentos com a sua voz fina e que se propagava no ar, me chamando de volta.

Peguei minhas sacolas, que por sinal eram pesadas e fui fazer o meu trajeto até em casa caminhando sobre o sol de verão que queimava a minha pele com severidade e sem piedade.

Enquanto caminhava, ia me envolvendo pelos pensamentos insuportáveis de que eu realmente não estava aguentando o calor e o peso das sacolas e que precisava de ajuda de alguém, qualquer pessoa que fosse eu não me importaria.

Enquanto uma parte de mim gritava por ajuda a outra xingava intensamente Douglas imaginando ele em meu belo sofá desfrutando de um belo cochilo, enquanto eu estava aqui me ferrando.

Quando realmente parei para dar uma olhada na rua, vi que ainda faltavam uns três quilômetros. Não tinha dinheiro para o ônibus. Não tinha carro. O que me restava era sentar um pouco, descansar e continuar depois.

–Maldito... Douglas... Você me paga, filho da mãe. –Sussurrei ofegante, pensando que por estar cansada não deveria gastar minha saliva num homem inválido.

Estava sentada em um degrau de uma porta que dava acesso à escadaria de um prédio, que por sinal não tinha porteiro. Deixei as compras no chão e estiquei os meus braços para o alto, na tentativa de relaxar antes de continuar minha peregrinação.

–Você precisa de ajuda? –Uma voz grave acordou-me dos meus pensamentos.

Olhei para cima e um homem alto de cabelos cor de cobre, olhos verdes, tão profundos que achei que me perderia naquela imensidão de doçura em seu olhar. Sentindo-me estranha com aquela sensação percebi que ainda não havia dado uma resposta e tudo o que eu precisava era de ajuda com toda aquela parafernália.

–Claro... Quer dizer, se você puder. –Disse num tom audível, mas senti que minha voz poderia falhar a qualquer momento diante de tanto nervosismo.

–Claro... A propósito, para onde está indo? – Perguntou-me com tranquilidade, o oposto de mim.

–Estou indo para o condomínio “Solar Mozart”, fica há uns três quilômetros daqui. É só seguir reto. –Dei uma resposta rápida. Baixei minha cabeça constrangida, talvez até me culpando por que ele estava me ajudando. Acho que me senti assim por que nunca algum homem fez isso a mim e de repente queria que Douglas fizesse isso por mim. Minha pele corou.

–Ah, entendi... Me desculpa a pergunta mas, por que não pegou um ônibus? Ou até mesmo um táxi? –Perguntou ele caminhando ao meu lado e olhando para o meu rosto, procurando os meus olhos, mas, não deixei encontrá-los. –Se eu não estivesse por aqui como você iria conseguir chegar a seu apartamento? –Falou com tranquilidade, caminhando.

Droga! Por que ele fez essas perguntas? Eu não queria dizer que estava sem dinheiro. Que sou dona de uma empresa que meu pai deixou para mim, mas, estou afundando-a. Fiquei com muita vergonha e por um momento eu quis cavar um buraco no chão e me enterrar.

–Hum... Eu estou sem dinheiro. Esqueci minha carteira em casa e não pude pegar um ônibus ou um táxi. – Falei, esperando ele não desconfiar da minha situação financeira. E para responder à sua outra pergunta, eu diria que do mesmo jeito que eu já havia caminhado dois quilômetros, eu caminharia o resto. Mas, no fundo, sabia que não iria conseguir e então deixei aquela pergunta sem resposta, apenas o silêncio tomando conta de nós dois.

E, antes que eu pudesse perguntar o seu nome, ele me perguntou:

–Qual o seu nome? – Perguntou-me com os olhos brilhando, dessa vez eu olhei para o seu rosto e pude notar a sombra de um sorriso em seus lábios.

–Selina... Selina Lopes. –Falei corando. Talvez ele não precisasse ouvir todo o meu nome, mas eu queria frisar quem eu era, precisava lhe falar. E por mais de um momento naquele dia, meu coração se encheu de ternura por simplesmente olhar naqueles olhos verdes. –E o seu? – Perguntei.

–Guilherme Galhardo. –Olhou-me tentando adivinhar o que eu estava pensando e ao mesmo tempo percebendo a paisagem ao redor de nossos pensamentos. Acompanhei o seu olhar que estava indo ao redor. Percebi que estávamos quase chegando e que o céu estava sublime. A silhueta das nuvens estava incrivelmente desalinhada, o que deixava o céu mais lindo que o normal. Parece que aquilo tudo foi calculado. Como num livro.

–Nossa, olhe como o céu está divino... -Falei tentando puxar ele para mim, somente por mais alguns minutos.

–Concordo com você Selina, apesar de antes de você falar eu já estava observando. –Olhou para mim como sua ternura deslumbrante. Logo percebo que ele está intrigado, talvez questionando o conteúdo que está escondido por baixo de minha aparência rígida.

Eu não sabia o que falar. Suas palavras eram tão doces que eu sentia vergonha de dar alguma resposta por cima delas. Não me atrevi a falar nada, fiquei só observando a rua. Muitos carros, trânsito lotado. Sábado à tardinha. Sol escaldante, céu iluminado. Árvores escutando a melodia de nosso silêncio. Pessoas sendo plateia de uma ajuda inesperada que agora eu queria que não acabasse nunca. Esse tempo precioso junto com ele. Senti uma pontada de arrepio em meus braços e a partir dali senti que algo grandioso estava por acontecer.

–Bom, eu acho que chegamos. –Eu disse quase num murmúrio. Por ter chegado, senti uma pontada de melancolia. Tão logo estaria em casa, infeliz e pensando em como tirar a minha editora de livros do vermelho enquanto tenho um namorado no sofá, sem trabalhar.

–Então, eu faço questão de subir com você. Já que comecei, terei que terminar. –Olhou, esperando minha reação.

–Bom... Se você quiser... Tudo bem, mas, já estou muito agradecida. –Pisquei e olhei para o lado, decidindo em silêncio talvez correr dali, correr da minha vida e ir com ele para algum refúgio.

–Eu faço questão, afinal se quiser me dar um café pela ajuda, pra mim já é uma ótima recompensa. –Olhei-o, tentando desvendar se aquilo não era alguma desculpa para passar um tempo a mais comigo. Mas, acho que estava criando muitas expectativas falsas e quanto maior a altura, maior a queda.

–Tudo bem, vamos subir, mas, meu namorado está em casa. –Falei isso me questionando se ainda amava Douglas e porque não acabava logo com essa tortura para mim e para ele. Assim, deixaria ele livre para ser amado por outra pessoa.

–Hum... Por mim, não há problemas Selina. Tudo bem pra você? –Questionou-me.

–Sim. –Disse com firmeza, embora não tinha certeza das palavras que saiam da minha boca. Eu conhecia bem Douglas, mas, acho que ele não seria tão egoísta a ponto de não deixar alguém, especificamente um homem me ajudar com as compras, justamente porque ele não estava me ajudando. Acredito, que se ele me ama, iria deixar alguém me ajudar para o meu bem, não importasse quem fosse.

Pegamos o elevador e subimos rumo ao meu apartamento alugado. Chegando à porta cujo número era 502, no quinto andar. Ao abrir a porta da minha humilde residência, não consigo deixar de notar os olhos verdes que corriam pela sala e avista Douglas, talvez com nojo.

–E aí Sel, já chegou? – Grita Douglas da sala, sem tirar os olhos do seu jogo de futebol.

–Eu estou acompanhada, Douglas. –Falei com autoridade, olhando para ele, tentando impor educação em suas próximas palavras que estavam por vir.

–É aquele ali parado no hall de entrada se olhando no espelho? –Indicou Douglas com o seu queixo em direção de Guilherme.

E antes que eu pudesse falar algo, Guilherme lança um olhar para Douglas pelo espelho. No reflexo dos seus olhos percebo um olhar perverso, um olhar com raiva, talvez por tanta má educação e ousadia nas palavras de Douglas.

–Sim, eu mesmo Douglas. Me chamo Guilherme e acompanhei Selina até seu condomínio pois estava cheia de sacolas e encontrei ela muito cansada. –Falou fuzilando Douglas com seu olhar e facilmente percebe o que estava acontecendo com minha relação e a de Douglas. Até uma pessoa desconhecida poderia enxergar que tudo estava por um fio. Um fio muito fino e prestes a arrebentar, bastava um puxão e este seria meu.

–O que pretende fazer Selina? Se agarrar com esse homem?E se eu não estivesse aqui? Você iria me trair, não é sua vagabunda? –Gritou comigo.

Eu mal podia acreditar nas palavras de Douglas e então instantaneamente, meus olhos encheram-se de lágrimas, de vergonha, e pouco a pouco meu brilho de esvaiu. E eu não pude responder ao seu discurso ridículo. Minha voz não saia. Estava realmente por um fio. Até mesmo a minha voz.

Sem eu esperar por nada, Douglas se aproxima. Guilherme está observando tudo, talvez surpreso e com raiva. Talvez se perguntando se deveria sair dali e deixar-nos a sós. Mas, algo que Douglas fez respondeu as perguntas que ele possuía e que estava rondando a sua mente.

Meu rosto ardeu, meu pescoço se virou e dor no meu coração me inundou.

Douglas me bateu. Pela primeira e última vez.

– O que pensa que está fazendo, seu louco? – Grita Guilherme em uma raiva inexplicável. Nem eu poderia desvendar os seus olhos negros. Quando está com raiva são assustadores. Agora seus olhos não são mais verdes. São dor e raiva.

–E você, o que quer? Seu filho da mãe, irei te ensinar a não mexer com a garota dos outros! –Ameaça Douglas, se aproximando de Guilherme. Minha mente gritava por socorro em nome de Guilherme. Sei que quero protegê-lo. Conheço Douglas e sei que quando ele começa a bater com raiva, não para. Estou estática.

Mas, meu corpo se move em passos largos e com pressa, indo parar na frente de Douglas.

Olhei em seus olhos. Não são os mesmos. Não são os que eu conheci. E já com lágrimas e dor nos meus olhos, me recordo da primeira vez que o vi, num show de rock há seis anos, quando eu tinha quatorze anos. E a partir deste show nunca mais deixei de amá-lo. Até Hoje.

–O que você quer? Bater em uma pessoa inocente que só me ajudou a ser um pouco mais feliz hoje trazendo as compras até meu apartamento? Coisa que você já não faz há muito tempo! Vê se me dá um tempo, Douglas! Olhe só para você, já não é mais a mesma pessoa de seis anos atrás. Quer saber? Dá o fora daqui! Sai da minha vida! Isso não vai fazer tanta diferença pra você, já que não faço mais parte da sua há muito tempo! –As palavras fluíam. Não conseguia Pará-las. É um furacão de dor e melancolia que me consumia e tudo aquilo estava vindo à tona como nunca. Como há tempos eu queria cuspir aquilo tudo na cara dele.

Guilherme olhou-me pasmado e parado em seu lugar, ainda no hall de entrada.

Douglas, que estava um pouco próximo de Guilherme olhou-me espantado e inacreditavelmente conformado com tudo aquilo.

Eu, parada, chorando e no meio dos dois. Apesar de estar doendo tudo o que falei, por amar Douglas apesar de tudo, aquilo foi tirar um peso das minhas costas. Vi a partir dali que eu estava reagindo à minha vida. Estava voltando a viver. Estava voltando a ser eu, a ser criança, a ser feliz.

–Como quiser Selina. –Disse Douglas em um murmúrio, se encaminhando para a porta. –Semana que vem eu passo aqui para pegar as minhas coisas.

–Tudo bem, você que sabe. –Eu disse olhando-o por cima dos ombros de Guilherme, que ainda estava tentando absorver o que acabara de acontecer.


Então ele se foi, batendo a porta diante de nós dois. E eu, desabei.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam? Filha da puta esse Douglas né?
SAUSAUSHAUSAH
Um beijo e até o próximo capítulo!
FUI O/