Foi rápido demais. Gabriel deveria ter se arrependido e não sei bem o porquê, apenas percebi quando seus lábios deixaram os meus de forma lenta com uma expressão confusa estampada no rosto. Eu estava sem reações, sem nenhum movimento, o observei virando o rosto rápido e com olhos fechados dizendo alguma frase em outra língua.

Ele estava arrependido de ter me beijado.

– Desculpe. – murmurou se voltando a mim. – Desculpe, Schyler, eu... não deveria ter feito isso.

– Está tudo bem...

– Não, não está!! – falou ele de forma irritada e mais alta. Isso me assustou, tanto que tive que dar um passo para trás. – Eu não posso me envolver!! Mas que droga, sou seu anjo da guarda, já fui rebaixado para anjo caído, isso não está certo!!

Ele deu as costas para mim novamente, andando de um lado para o outro com a mesma expressão confusa no rosto. O que eu deveria fazer agora? Estava triste, caramba, ele me beijou e agora diz que é errado? Sinto muito, mas sou humana e tenho sentimentos, e isso sim não está certo.

Arqueei as sobrancelhas cruzando meus braços e tentando roubar sua atenção até que finalmente ele percebera a forma que eu estava e se virou. O fuzilei com os olhos.

– Se está tão errado assim, então por que fez isso, Gabriel? – ataquei de uma vez. – Não finja que só porque é errado, é minha culpa de alguma coisa. Se não podia, não tivesse me beijado, eu sou humana e tenho sentimentos. – repeti as palavras de meu pensamento para que ele entendesse bem o que eu queria dizer. – Quero um tempo sozinha, para pensar. Saia da minha casa, por favor.

Passei por ele e fui até a porta de meu apartamento, abrindo-a e indicando para que ele saísse com a expressão e um gesto com a mão. Gabriel me olhou inicialmente de forma irritada, mas depois de bufar, se reclamar se retirou dali. Fechou a porta atrás de si com força, fazendo um barulho um pouco alto.

Suspirei.

E agora? Eu deveria... pensar?

Eu sabia muito bem o que estava acontecendo, quem eram as coisas que me atacaram e o porquê de estar envolvida, mas ainda assim, ter Gabriel por perto era sufocante, como se ele estivesse me escondendo de algo, tentando emitir alguns detalhes.

Aquilo estava sendo uma loucura e por isso, minha mente repetia a mesma pergunta centenas de vezes.

E agora? E agora? E agora?...

Se mesmo gostando de mim ele fizera o que fez, com todas aquelas consequências, ainda não possuía lógica nenhuma. Havia uma razão, mas os fatos não se encaixavam.

Meu celular vibrou no bolso de minha calça, fazendo-me levar um grande susto. Arranquei o aparelho e visualizei uma mensagem de minha irmã Carrie.

Schy, por que não me ligou?? Ainda está com raiva? CRESCE, GAROTA!! Eu estou no curso de fotografia, me ligue mais tarde e é UMA ORDEM!! – Carrie.

Sorri lendo aquilo. Tinha que ser minha irmã para conseguir arrancar um sorriso de mim, ainda mais porque aquele não era um momento muito confortável depois do suposto... beijo.

Parei de pensar um pouco nisso e me lembrei de que amanhã seria segunda, ou seja, voltar para meu trabalho usual no café de Bob. Algum ponto em mim dizia que seria bom passar um tempo concentrada naquilo e esquecer a história de anjos e demônios por enquanto.

Mas então, uma lembrança me invadiu.

Jonny.

Eu havia esquecido completamente dele, depois de tudo que aconteceu, eu até havia recebido algumas ligações dele, mas não atendera nenhuma. Jonny deve estar pensando que estou o ignorando, preciso avisar que estou bem.

Mas... e se eu me envolvesse com ele seria certo? E Gabriel?

Balancei a cabeça dispensando o pensamento e disquei o número de Jonny em meu celular. Depois de várias vezes chamando por ele, Jonny atendeu com uma voz sonolenta.

– Schy? Meu Deus, você está bem?? – perguntou ele ao perceber que era minha voz de uma forma desesperada.

– Eu estou bem, Jonny. – falei tentando acalmá-lo. – Será que podemos nos encontrar? Restaurante George’s às oito, tenho muito o que explicar.

[...]

Eu não contaria exatamente tudo a ele, apenas uma espécie de desculpa para que ele entendesse meu sumiço durante esses dias. Afinal, eu devia uma explicação, pois estávamos... “quase” juntos.

Cheguei ao restaurante George’s quando ainda faltavam alguns minutos para às oito, então cheguei a tempo de encontrar uma mesa do canto, onde seria mais reservado e poucas pessoas se sentavam. Assim, não teriam olhos sobre nós observando a possível conversa.

Eu já esperava que ele chegasse irritado por falta de minhas ligações ou coisa parecida, mas foi ainda mais surpreendente do que imaginei. Jonny chegou no George’s com o rosto tranquilo, um meio sorriso nos lábios e se encolhendo por causa do frio do lado de fora.

Encarei-o de forma confusa esperando agora que ele desse uma explicação para aquela calma toda.

– Oi, Schy. – disse aumentando o sorriso. – Por que não me ligou esses dias. Fiquei preocupado.

– Ahn... você não parece preocupado. – murmurei com as sobrancelhas franzidas.

Jonny não pareceu se importar com aquela pergunta, sua atenção estava mais centrada no porquê de eu não ter ligado nenhuma vez para ele, exceto pelo fato de que ainda não havia se sentado.

Ele estava estranho, eu podia muito bem ver isso estampado em seus olhos negros. Havia alguma coisa errada.

– Eu... não liguei porque minha irmã estava na cidade passando alguns dias em casa e eu tive que cuidar dela. – falei tentando soar verdadeira. – Ela foi embora hoje e me lembrei de que não havia falado com você ainda. Desculpe, Jonny.

Jonny se sentou rapidamente a mina frente, os olhos centrados em algum ponto distante atrás de mim, como se estivessem fora de foco, perdidos em algum lugar. Fiquei esperando que ele dissesse alguma coisa, até que finalmente seus lábios se moveram.

– Sua irmã estava na cidade, não é... – disse de uma forma quase que monótona. – Tem certeza disso? – ele me encarou de forma suspeita, como alguém que sabe demais. Eu apenas o encarei tentando entender aquelas palavras até que ele se debruçou sobre a mesa, fazendo com que nossos rostos ficassem bem próximos e disse sussurrante. – Tem certeza que é por causa de sua irmã que não ligou?

Arqueei as sobrancelhas.

– Do que está falando, Jonny?

Ele sorriu de forma estranha, um sorriso torto e sugestivo. Cruzou os braços sobre a mesa ainda próximo a mim, porém sem que nossos olhares se encontrassem.

– Não é por causa de sua irmã, não é? – dessa vez seus olhos se focaram diretamente nos meus. – Tem haver com seu querido amiguinho anjo caído e os problemas que ele causou. Ele está muito encrencado, Schyler, onde Gabriel está? Preciso de sua localização.

Eu gelei.

Aquele não era Jonny.

Minha respiração falhou e quando ele percebeu que agora eu já sabia quem era a minha frente, os olhos escuros de Jonny foram trocados por um par de órbitas vermelhas sangue. Isso já foi o suficiente para um quase aviso de “corra!!”, então não pensei duas vezes e me levantei da mesa, andando para o mais longe possível.

Uma garçonete perguntou o que havia acontecido, mas passei muito rapidamente ao seu lado, quase atropelando-a. eu sabia que ele me seguiria, então apertei o passo, não podia ir até a casa de Gabriel, pois assim aquele monstro saberia onde ele estava.

Pois é, ainda com raiva de Gabriel aqui estou eu protegendo ele.

Consegui alcançar a rua e me misturar em meio a multidão de pessoas. Porém, um cheiro estranhamente confuso de enxofre tomou o ar e pude perceber a figura de Jonny vindo rapidamente em minha direção. Corri mais um pouco, conseguindo sair do meio de tantas pessoas e encontrar uma rua quase que deserta, virei a esquina da mesma e corri para dentro da quase escuridão achando que havia despistado o monstro.

Mas eu estava errada. Meus olhos seguiram vagarosos para trás e lá estava ele, usando o corpo de Jonny como um disfarce de sua imagem demoníaca.

– Não há para onde fugir. – disse abrindo um sorriso mal e largo. – Onde está Gabriel, Schyler? Me diga e estará livre.

Eu neguei com a cabeça indo cada vez mais para trás até que minhas costas bateram contra algo duro e feito de tijolos. Era um beco sem saída.

– Não tente ser corajosa. Não precisa proteger ele, deixe esse trabalho de proteção para que ele faça, garota. – continuou. Eu respirei fundo a procura de ar, mas não conseguia nem encher meus pulmões por causa do pânico.

Olhei para os lados a procura de algo que poderia usar e acabei me lembrando de quando ajudei Gabriel a fugir do arcanjo Miguel. A coragem fez com que eu o enfrentasse e conseguisse sair dali, talvez aquele seja o momento de repetir o ato.

Estava na hora de agir.

– Não vou dizer nada! – exclamei saindo do encontro da parede e indo até um grande latão de lixo encostado ao muro do prédio no lado esquerdo do monstro. Corri com o máximo de força que pude e forcei meus pés contra o chão, conseguindo saltar para cima do latão antes que a criatura me alcançasse.

Aconteceu tudo em câmera lenta quando meus pés tocaram o latão retangular e eu corri por cima dele até encontrar o chão novamente e apertar o passo para bem longe dali.

Porém, algo me segurou pelos pés, fazendo com que eu caísse com toda a força no chão com o rosto. aquilo resultaria em arranhões graves em meu rosto, mas não me importei. Virei de barriga para cima tentando conter a dor e o cheiro estranho de sangue que enchia minhas narinas.

O monstro caiu sobre mim parecendo estar se deliciando com o cheiro de sangue fresco. Dessa vez, eu entrei em desespero total, tentando empurrá-lo para longe, mas levando alguns golpes violentos.

Eu estava vencida.

– Pela última vez, Schyler Jackson, onde está Gabriel??!! – perguntou esbravejando o monstro.

– Bem atrás de você. – disse a voz conhecida de Gabriel.