Somebody That I Used To Know escrita por Luke Lupin


Capítulo 4
“There’s a fire starting in my heart”


Notas iniciais do capítulo

Rolling In The Deep - Adele



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Se Henry parasse para perceber a passagem da semana, ela provavelmente teria sido mais lenta do que foi. Lembrava-se, basicamente, de ter dormido depois do trote e acordado sexta-feira, mas de fato viveu a semana toda, o número de lições comprovava tudo.

O garoto não conseguia acreditar em como uma semana de aula – com apresentações de nome e idade – podia ter gerado tanta coisa pra fazer. Dormir provavelmente era um dos culpados, mas não se pode culpar o ato de dormir, ele é bom demais para ser acusado de qualquer coisa.

— Beleza, cara? – Murilo chegava e cumprimentava a Bruno e Henry com a mão espalmada – Tinha alguma coisa de matemática pra hoje?

— Tinha – Tinha? Pensou Henry, logo depois da resposta quase instantânea de Bruno – Os quatro exercícios do livro sobre conjuntos, lá. Eram fáceis, até.

— Eram fáceis pra você, só se for. – Respondeu Murilo, provavelmente mais grosso do que deveria – porque eu não entendo nada do que aquela louca fala. E aquele cachorro dela, pra que eu quero saber que ela nada “enviesado” com ele na represa? Só pra ter a visão do inferno que é ela de biquine, deve ser. – A essa altura, ele já estava sentado no lugar habitual, logo atrás de Bruno, e abria seu caderno para tentar fazer a lição. – Me ajuda? – Pediu derrotado para Bruno, sem nem olhar para o livro.

Bruno pegou seu caderno e se virou para ajudar o amigo. O sinal ainda não tinha batido e restavam dez minutos para tal. Henry também não tinha feito e não estava com a menor vontade, afinal, se não aprendera em três aulas, não seriam dez minutos antes de ela começar que entenderia.

Billie ainda não tinha chegado e Henry estava ansiando por esse momento. Era engraçado, eles se conheceram há menos de uma semana, mas a admiração que desenvolveu por ela foi tanta e tão rápida que nem ele mesmo conseguia acreditar. Vez ou outra já se pegara pensando se ela era mesmo real ou se era apenas invenção de sua cabeça que precisava de alguém com quem conversar sobre séries e livros. Claro que eles não concordavam cem por cento, mas ter alguém com quem debater é mais do que necessário.

Curiosamente ou não, Henry queria saber o que a garota achava dele. Nunca ligou muito para opiniões que as pessoas tinham sobre ele, principalmente se elas fossem criticar o jeito que ele agia ou era. Mas com Billie era diferente. Ela era diferente. Tinha cabelo azul, assistia a Doctor Who e tinha uma opinião formada sobre vários, vários mesmo, autores da literatura nacional. O que mais alguém pode querer para um amigo?

Dentro das visões de Henry, a resposta era nada.

— Hello, sweetie. – Era Billie. Já se tornara comum ela sempre cumprimentá-lo com esses dizeres de River Song, uma das personagens de Doctor Who que os dois dividiam grande amor, que ele nem precisava reconhecer a voz da menina ou mesmo se virar para saber que era ela quem estava falando.

— Hello you, souffle girl – e era sempre assim que Henry respondia. Podiam estar onde quer que fosse, ele sempre diria isso, porque era mais forte do que ele. – Você viu o último episódio de Community?

Com a resposta positiva, Henry e Billie colocaram as críticas em dia até a hora que Elizete resolveu entrar na sala de aula e começar a dar aula perdidamente. Henry realmente cogitava a ideia de se levantar e sair da sala, porque não era obrigado a ter que entender uma pessoa que muda os números dos exercícios como se muda os canais da TV.

O sinal bateu depois do final da segunda aula e os alunos se sentiram fora da prisão novamente. A aula que veio depois de matemática passou tão rápido que nem parecia que eles realmente tiveram aula. Já era intervalo e o grupo de sempre se sentava numa das mesas do pátio e conversava sobre as coisas que achavam que eram dignas de se falar.

Henry estava falando com Bruno sobre Elizete, Larissa falava com Billie sobre coisas aleatórias e Murilo ficava sentado olhando para o resto do pátio. Naquele monte de gente junta, passando loucamente de um lado a outro, uma menina e um menino se destacaram, indo em direção da mesa que estavam. Eram Gabriela e Gabriel.

— Olá, vocês. – Cumprimentou a garota quando finalmente conseguiu escapar de todas as pessoas que queriam, por algum motivo, falar com ela e chegar a mesa – tudo bem?

Quase que instantaneamente, Henry, Billie, Bruno e Larissa pararam o que estavam fazendo e viraram para responder a garota. Gabriela estava, como sempre, linda e simpática. Começou a conversar com os quatro ao mesmo tempo, falando coisas e respondendo várias perguntas de vez em vez e não deixava ninguém sem atenção. Exceto seu namorado.

Bom, tecnicamente Gabriel não estava sem atenção, Gabriela estava sentada ao seu lado e tinha uma das mãos sobre a perna do garoto, enquanto ele passava um dos braços em volta dela. Estavam juntos, exceto que a garota não falava com ele.

Para questão de nota, aquilo era comum na rotina amorosa daquele casal. Gabriel não gostava de interagir com pessoas tanto quanto Gabriela, mas gostava de estar junto de toda a energia positiva que a garota tinha e, talvez ele não soubesse, mas a menina estava muito mais segura de si com ele ao seu lado do que quando sozinha.

Enquanto a garota conversava animadamente com os garotos sobre os professores e o quão estranho eles podem realmente ser, Gabriel escolheu, talvez por extinto, conversar com Murilo.

Ambos eram tímidos, ambos gostavam de rock e tinham algumas bandas em comum como: Iron Maiden, Queen, AC/DC e Metallica, era praticamente como somar um com um e ter dois. Como quando crianças ganham doces, os olhos dos dois brilharam e animadamente começaram a compartilhar músicas e álbuns preferidos, usando seus celulares e fones de ouvido.

Gabriela já estava num estágio de conversa em que todos falavam com todos sobre a mesma coisa e riam alucinadamente.

— Ah, lembrei porque eu vim aqui. – Começou a garota, logo depois de se perder em seus pensamentos por alguns segundos – Lembram-se do dinheiro que vocês arrecadaram no trote? – Fizeram que sim com a cabeça. – Então, Gabriel e eu estávamos pensando, e achamos que podemos gastá-lo hoje depois da aula. Eu pensei em irmos ao cinema, porque com o dinheiro dá pra comprar pipoca e as entradas de todos e seria bem legal porque é cinema e aposto que estão todos cansados, então não seria nada muito pesado, coisa e tal. Não sei o que está em cartaz ultimamente, mas isso a gente pode decidir lá... e aí, topam? – Todos concordaram assim que ela terminou de falar, o que coincidiu exatamente com o momento que o sinal bateu. – Então esperamos vocês na porta da escola quatro e meia. Boa aula! – Gabriela se levantou e puxou o namorado, que se despediu rapidamente de Murilo.

Saíram da mesa e seguiram de volta para a sala de aula. No caminho, Henry se uniu a Billie e Larissa na frente, conversando sobre a dobradinha de química experimental que teriam antes do almoço, enquanto Bruno e Murilo ficaram um pouco mais atrás.

— O que estava falando com Gabriel? – perguntou Bruno, bem interessado, mas sem tentar ser muito curioso.

— Falávamos sobre rock – respondeu indiferente. – Ele curte as mesmas bandas que eu, então estávamos compartilhando músicas e álbuns, ele parece ser gente boa.

E foi aí que o silêncio quase constrangedor entrou em cena. Durou até quando entraram na sala, onde Bruno sentiu necessidade de começar a falar com Henry sobre qualquer coisa.

A professora demorou exatos oito minutos para chegar até a sala de aula. O nome dela era Regina e ela impunha tanto respeito que, assim que entrou pela porta, todos ficaram em silêncio e olharam para ela.

— Peguem seus aventais que hoje vamos para o laboratório. – O nome da aula podia ser “tópicos em química experimental”, mas isso não significava que eles não tinham aulas teóricas, então ir ao laboratório é realmente algo novo, já que nas outras duas aulas, eles ficaram lendo e desenhando vidrarias. – Lá, se dividam em grupos de cinco pessoas e não façam bagunça, ou ficarão sem aula de laboratório até o final do ano.

Pegando sua bolsa, Regina saiu da sala e foi seguida por todos da sala, quase que em fila indiana. No caminho, todos colocaram seus aventais e, quando chegaram ao laboratório, ouviram as instruções da professora e se organizaram como deveria.

Henry ficou com Bruno, Murilo, Mary-Ann e Lucia. Larissa se juntou a Billie e as outras três pessoas que tinham feito a dinâmica de português com Billie. Ficaram em volta da banca e aguardaram novas instruções da professora.

— Bom, essa é nossa estagiária Beatriz, ela ficará conosco esse ano inteiro e talvez o próximo também. Ela me ajudará a orientá-los durante o curso, porque é muita gente e apenas eu não dou conta. Bom, para seguir o programa, eu deveria ensiná-los a medir a densidade de objetos utilizando proveta e água, mas isso é extremamente chato e eu aposto que todos vocês sabem como fazer, então não vejo a menor necessidade.

“Para começar um pouco mais interessante, vamos fazer uma solução. E, para ver como vocês lidam com surpresas, nem eu nem Beatriz vamos ajudá-los, na apostila de vocês tem todo o procedimento. A única coisa que vamos fazer é pegar as vidrarias e os reagentes que vocês pedirem para nós, porque vocês não sabem onde estão e não podem entrar no lugar de reagentes. Podem começar.”

Todos os grupos ficaram em choque num primeiro momento, os grupos que saíram mais rápido do “transe” foram o de Billie, o de Henry e o dos meninos de boné. Abrindo o livro encontraram o que precisariam fazer e era, de fato, bem simples: solução aquosa de sulfato de cobre II.

Seguindo todas as instruções da apostila, o grupo de Henry foi o primeiro a terminar, seguido pelo de Billie. Quando terminaram, comunicaram para a professora e ela averiguou que tinham acertado e que podiam sair do laboratório. Como tinham levado quase as duas aulas, sair antes de todos não foi realmente algo que mudou a vida deles.

Esperaram até o meio dia para poderem almoçar e, quando a hora chegou, o fizeram enlouquecidos de fome. Tinham três aulas depois do almoço, todas de química orgânica, o que fez com que o tempo passasse lentamente para Henry, pois amava aquela matéria.

No meio tempo entre o final do almoço e o começo das três últimas aulas, Henry, Billie, Larissa, Bruno e Murilo ficaram andando pelos arredores da escola, vagando pelas ruas sem nenhum rumo.

— Lord! – Gritou Billie, agarrando ao braço de Henry, que estava logo a sua frente, observando e ouvindo o nada. – Olhe aquela parede! – e apontou para uma das paredes do muro da escola, que estava toda pichada.

Uma das pichações, na verdade a maior delas, escrevia em letras vazadas, com cores diferentes para cada letra a palavra YANA. Henry parou no meio da rua, fazendo com que Bruno e Murilo esbarrassem nele, quando terminou de ler a inscrição na parede.

— Is this real life? – disse Henry, agarrando a mão de Billie e correndo para ficar mais próximo da pichação na parede. Chegando mais perto, ficou estático e eufórico ao mesmo tempo, Billie, incrivelmente ou não, ficou do mesmo jeito.

— Vocês estão bem? – era Larissa quem surgia atrás dos dois, olhando curiosa para as faces enigmáticas e estudando as impressões na parede. – O que é isso?

— Você acha que é? – Disse Billie.

— Não sei, pode ser. – Respondeu Henry.

— Há grandes chances.

— Mas nada prova.

— Nem desprova.

— Eu prefiro acreditar que é.

— Eu tenho certeza que é.

— Como tem certeza?

Billie, como resposta, apenas apontou duas letras abaixo da inscrição, elas eram: “DW”. Billie começou a tremer. Não o tipo de tremor que você tem quando está com medo, mas o tipo de tremor que você tem quando está muito frio e você está sem casaco, ela estava prestes a chorar.

— Billie, acalme-se. – Declarou Henry, impassível, envolvendo a garota num abraço, tentando acalmá-la. Inicialmente, Billie realmente pareceu acolhida e prestes a se acalmar, porém Henry a soltou.

— YOU ARE NOT ALONE! – gritou a garota, encarando Henry.

— YOU ARE NOT ALONE! – respondeu o garoto de volta.

— YOU ARE NOT ALONE! – gritou Billie novamente, dessa vez olhando para o céu e abrindo os braços, repetindo loucamente e cada vez mais alto, até que parou de gritar a frase e se pôs apenas a gritar, feliz e insanamente, enquanto corria de cima a baixo da rua, como se fugisse de algo mortal.

— Ela é foda. – Disse Henry, mais como um comentário solto do que uma forma de julgamento. Houve concordância mútua dos outros três mesmo assim.

Não demorou muito e a garota voltou ao seu estado considerado normal, mesmo que, ainda assim, não fosse lá muito comum para os outros, Henry era o único que não ligava e realmente curtia aquilo. Quando tudo se aquietou de vez e nenhum outro excesso de euforia foi posto para fora, Billie, simplesmente, abraçou Henry, e ficou abraçando-o por pelo menos três minutos.

— Obrigado por ser um whovian.

Larissa retomou seu papo com Billie como se nada tivesse acontecido, Murilo e Bruno voltaram a conversar e Henry continuou pensando no nada e observando o ar. Refizeram o caminho de volta para a escola e perceberam que estavam atrasados.

Entraram na sala de aula quando a professora já tinha fechado a porta, porém não houve nenhum tipo de punição, ela apenas falou para eles não se atrasarem e pediu para se sentarem o mais rápido pudessem. Sentaram-se e olharam para a lousa, vendo que estavam com sorte, já que a professora não tinha passado nada de novo, apenas exercícios, começaram a copiá-lo e a conversar, como se ainda estivessem na rua, vagando.

A aula passou incrivelmente rápido para o tipo de aula em que você fica, basicamente, fazendo exercícios, ninguém reclamou de nada. Murilo se despediu de todos assim que ouviu o sinal bater, depois foi tão rápido para o ponto de ônibus que deixou todos impressionados.

Billie, Larissa, Bruno e Henry foram para o portão e lá esperaram por Gabriela e Gabriel, que não demoraram a chegar. Seguiram para um ponto de ônibus diferente dos que Henry conhecia e lá esperaram por um ônibus que iria para o metrô. De acordo com a informação de Gabriel, o ônibus nunca demorava e chegava ao seu destino em cinco minutos. Billie estava conversando com as outras meninas.

O ônibus, realmente, não demorou e estava incrivelmente vazio quando passaram pela catraca. Ao fundo, havia três lugares, que foram rapidamente tomados pelas meninas. Gabriel e Henry sentaram-se em dois bancos duas fileiras a frente das garotas.

— Há quanto tempo você e Gabriela estão juntos, cara? – perguntou Henry, enquanto olhava para frente, virando seu rosto para o garoto apenas depois do final da pergunta.

Gabriel olhava pela janela e seus olhos acompanhavam coisas aleatórias pela rua, seu rosto não estava, de fato, triste, porém não expressava felicidade de qualquer forma. Não deixava de ser um exemplo de rosto bonito.

— Desde o primeiro ano. – Respondeu secamente.

— Eu te fiz alguma coisa?

— Desculpe por isso. – Respondeu Gabriel, demonstrando um excesso de decepção extrema de repente. – Foi sem querer, eu só estou cansado da semana...

— E...? – O garoto não respondeu. – Você não gosta quando a Gabriela te troca assim.

— Idiota, eu sei. – Gabriel, inicialmente pareceu em choque, mas não negava para si que aquilo era óbvio e realmente idiota.

— Cara, pare com isso, sério. Converse com ela vai ficar tudo bem. E comece a conversar mais com as outras pessoas que vai ser mais fácil, pare de se fechar no seu escudo chamado Gabriela e verá.

Foi então que chegaram ao ponto do metrô. Henry não deu tempo para Gabriel respondê-lo, apenas saiu de seu lugar e rumou para a porta, descendo e esperando na calçada o resto do pessoal descer. Gabriel melhorou sua cara e entrou na conversa com Gabriela e Larissa, Billie veio conversar com Henry.

Desceram para o metrô e pegaram o primeiro trem que passou para o sentido que eles queriam. Henry sentou-se na janela e puxou papo com Billie. Não sabiam em qual estação teriam que descer, estavam apenas aguardando a orientação de Gabriela.

— Oh my stars! – disse Billie, de repente, atraindo a atenção de Henry. – Esqueci de avisar minha mãe. – Billie fez aquele comentário mais para si mesma do que uma informação para Henry, pegou o celular e rapidamente digitou uma mensagem. – Você não vai avisar a sua?

— Não preciso. Digo, minha mãe quase não para em casa e confia em mim, só aviso coisas mais importantes tipo viagens e tal, ela nunca fala nada, mas eu ainda aviso porque fico com peso na consciência. – Billie ficou em silêncio por um momento, provavelmente refletindo sobre o que ouvira de Henry, e só voltou a falar quando Gabriela e Gabriel avisaram aos dois que a estação chegara.

Pegaram a escada rolante e saíram do metrô, o shopping era do outro lado da rua.

Billie recuou para conversar com Larissa e Bruno, deixando Henry sozinho. Gabriela e Gabriel estavam mais a frente, Henry chegou à conclusão de que, pela conversa que teve com Gabriel, era melhor deixá-los sozinhos pelo menos até a hora em que eles fossem comer.

O semáforo estava fechado, a calçada apinhada de gente e vários carros passavam com velocidade na rua. A coisa engraçada que era a cidade.

Milhões de pessoas iam e voltavam de seus trabalhos, viviam suas vidas e realizavam suas trocas gasosas. Cada pessoa que passava pelo seu lado tinha uma história completa de vida, problemas, confusões, sonhos, mentiras, desesperos, amores, ódios, paixões, necessidades. Nenhum deles estava ali apenas por estar, nenhum deles queria estar ali apenas por estar, todos estavam porque precisavam estar, porque tinham que estar. Viver numa cidade grande é curioso, principalmente se você resolve parar para observar e realizar tudo que é possível. Principalmente se o momento escolhido for aquele em que o semáforo está fechado e você resolve olhar para o outro lado da rua.

O semáforo abriu e Henry teve um poema em sua cabeça. Pegou seu celular e, enquanto atravessava a rua, digitou-o por completo no bloco de notas. Não olhou para o teclado enquanto escrevia, sabia que podia errar, porém não acreditava que erraria, precisava escrever aquele poema passando perto das pessoas que o inspiraram, observando as pessoas que o inspiraram, o poema estava completo no momento em que completou a travessia da rua, e o semáforo já voltara a fechar.

— O que você escreveu ai? – Incrível como Billie tinha a habilidade de surgir do nada.

— Já comentei que acho admirável sua capacidade de aparatar, Billie? Bom, não era nada.  – Respondeu guardando o celular no bolso e sorrindo fracamente para a garota.

— Querem comer ou comprar os ingressos primeiro? – perguntou, de repente, Gabriela, assim que todos se aproximaram dela e de Gabriel.

— Comer. – Foi a resposta mútua.

Gabriela riu. Subiram escadas rolantes e chegaram à praça de alimentação. Ela era, de certa forma, grande, uma variedade de comidas, muitas mesas e bem povoada. Nada menos digno que uma sexta feira à noite.

— Come comida japonesa comigo, Henry? – Era Billie surgindo, de novo, no meio de seus pensamentos como se ela sempre estivesse ali apenas à espreita.

— Claro.  – Então seguiram juntos para o tal restaurante.

Gabriel e Gabriela já tinham desaparecido pela praça de alimentação, Bruno, desesperado, caçou-os pelo menos cinco vezes, pessoas sempre somem quando não devem sumir.

— Hm.... Vai comer o quê? – Perguntou Larissa, chegando mais perto de Bruno do que o garoto realmente esperava.

— S-s-sei lá. Acho que vou procurar uma mesa e esperar eles voltarem, então escolho algo pra comer, pode ir pegar algo pra você.

— Ah, não, eu fico com você na mesa. – Disse a garota, agarrando o braço do garoto e carregando-o por entre os corredores de mesa. Não demorou e conseguiram encontrar duas mesas com quatro lugares, sentaram-se lá e esperaram os outros voltarem.

Gabriel e Gabriela chegaram com duas bandejas do McDonald’s, Henry e Billie com duas bandejas do Burger King.

— Vamos lá, Bruno? – perguntou Larissa, antes mesmo dos outros sentarem, praticamente intimando o outro a segui-la.

— Eles até que formam um casal bonitinho. – Comentou Gabriela.

— Mas... O Bruno... – disseram Henry e Billie ao mesmo tempo, seguidos por trocas de olhares e risadas logo depois que perceberam que pensaram a mesma coisa.

— O que tem ele? – perguntaram, quase que seguidamente, Gabriel e Gabriela.

— Nada, mas acho que a Larissa meio que não faz o tipo dele...

Todos comeram, conversaram, riram e foram para o cinema. Escolheram por um filme de comédia romântica, mesmo que Henry e Gabriel tivessem lutado completamente contra esta escolha. Entraram na sala logo quando as luzes já tinham apagado e os trailers começaram.

— Desde quando? – cochichou Billie no ouvido de Henry, surpreendendo o garoto.

— Primeiro dia. – Respondeu sorrindo e virando seu rosto para Billie, ficando a milímetros dos lábios da garota, que virou quase que instantaneamente seu rosto para a tela.

Billie estava sentada ao lado de Henry, numa das pontas. Depois dele vinham, respectivamente até a outra ponta, Larissa, Bruno, Gabriela e Gabriel.

Billie e Henry passaram o filme inteiro fazendo comentários sobre a fotografia, as atuações, a trilha sonora, a edição e a direção, simplesmente porque se sentiam obrigados para tal, mesmo que as características citadas não fossem realmente algo a se observar, uma vez que o filme não era nenhuma superprodução (exceto, talvez, a atuação da protagonista, que era pior que a média do resto do elenco).

Larissa e Bruno ficaram quietos praticamente o filme todo, Henry ousaria dizer que reparou nas investidas da garota no garoto (o que apenas deixava toda a situação mais engraçada) e, tristemente, foi recusada todas elas. Talvez, o melhor de tudo ali fora que depois de um tempo Larissa parou e não ficou nem um pouco triste ou alterada por não ter conseguido o seu objetivo, e talvez tenha até sacado um pouco mais.

Gabriela e Gabriel ficaram, basicamente, se pegando o filme todo. Claro que paravam para respirar, afinal ainda eram humanos, mas nada mais do que isso. Henry ficou, depois de constatar tal fato, de certa forma feliz, porque talvez Gabriel já não estivesse mais irritado com sua namorada (exceto se esta estivesse forçando-o a tal ato, claro, porém, para o bem estar de todos, acreditava mais na primeira hipótese).

O filme tinha duas horas de duração e seu enredo era o clássico (e clichê) de sempre, mas foi possível arrancar algumas risadas relaxadas até mesmo de Henry e Gabriel (quando este não beijava Gabriela). Quando o filme terminou, Henry, Billie, Larissa e Bruno saíram da sala antes que os outros dois, provavelmente porque estes últimos talvez não soubessem que o filme já tinha terminado. Esperaram pelos pombinhos na porta de saída e fizeram questão de, quando ambos apareceram, fazer brincadeiras e perguntas sobre o filme, apenas para vê-los sem graça.

Voltaram para o piso térreo do shopping e sentaram-se em umas mesinhas que ficavam fora do shopping, começaram a conversar, como um grupo, sobre amenidades. Não tinham um foco específico, partiam de música para filme, livro, poema e até mesmo teatro, terminaram falando de vidas amorosas.

— Nunca namorei. – Comentou Billie, depois que Gabriela contou sobre como ela Gabriel começaram a namorar.

— Nem eu. – Acrescentou Bruno. Fazendo com que todos voltassem a atenção para Henry e Larissa.

— Ah, eu já namorei. – Começou a garota – Durou até o começo desse ano, eu o vi me traindo... Namoramos por um ano e dois meses, ele era um ano mais velho que eu, era um lindo. Ainda gosto dele, não como antes, mas a atração ainda existe... – Larissa abaixou a cabeça e tampou o rosto com as mãos. Instintivamente, Billie se levantou e chamou a garota para ir ao banheiro, Gabriela a seguiu.

— Você já namorou, cara? – Gabriel finalmente falou. Não é exagero utilizar o advérbio “finalmente” uma vez que realmente ele não abrira a boca para falar desde que saíram de dentro da sala de cinema. Talvez sua boca estivesse cansada.

— Já, duas vezes. – Expressões de choque foram claras em ambos os rostos. – Que foi? Não foi namoro com alianças e tal, até porque eu considero isso uma forma manipulável e muito capitalista de ver casais... Elas eram de outra cidade que já morei, ainda converso com elas, na verdade, elas são as minhas melhores amigas...

As garotas voltaram e Henry achou melhor parar de falar sobre o assunto. Larissa estava, agora, sem maquiagem e seus olhos estavam vermelhos, deve ter sido um tanto quanto poderoso o tempo no cinema.

— Acho melhor a gente voltar. – Disse Gabriela.

Todo o grupo se levantou e eles foram para o metrô. Gabriel, Gabriela, Billie e Larissa iriam para um lado, enquanto Henry e Bruno iriam para o lado oposto. Todos se despediram com beijos no rosto e apertos de mão, exceto Henry, que abraçou, involuntariamente, Billie, fazendo com que a garotasse e o próprio ficasse envergonhado.

Seguindo cada um os seus caminhos, os dois grupos desceram as escadas e entraram nos vagões.

— Não precisa se sentir culpado, cara. – Disse Henry, quando percebeu que Bruno estava meio triste e com a cara amarrada. – Você não sabia sobre a história dela.

— Mas o problema não é esse... – respondeu o garoto, levantando o rosto e encarando os olhos claros do outro. Nunca tinha percebido como eles eram invasivos. – É que...

— Eu sei o que é. – Interrompeu Henry, vendo que o garoto estava fazendo um esforço incrível para conseguir falar. Bruno pareceu espantado. – E não tem o menor problema, sério. A culpa não é sua e não é nada errado, pare de ficar se culpando muito. – Então sorriu e abraçou o Bruno, pegando-o de surpresa, mas sendo retribuído com firmeza. – Pode confiar em mim.

Há dois tipo de amizades que começam com apenas uma semana de conhecimento: as falsas e as confiantemente verdadeiras. Tratando-se de Henry, era óbvio que aquela seria do segundo tipo, principalmente quando se for pensar no fato de que ele gostava de conservar bons amigos, assim como Bruno, que sofria por falta de amigos.

A estação de Bruno chegou antes da de Henry, os amigos se despediram e o outro voltou a se sentar no banco do metrô, ainda restavam três estações até a sua.

Quando saiu do terminal, viu que já estava muito escuro. As ruas desertas, não exatamente porque era noite, mas porque onde morava nunca era tão cheio, o máximo que acontecia era a passagem de carros silenciosos na rua. Ele amava aquele lugar.

Resolveu voltar andando. Primeiro porque não queria esperar até que o ônibus passasse e segundo porque era simplesmente adorável andar numa rua deserta, apenas com a luz das estrelas e alguns postes com luz amarela. Deu início a uma caminhada de vinte minutos a passos lentos.

Não tinha no que pensar, apenas vagava por seus pensamentos, sem saber o que poderia fazer quando chegasse à sua casa, talvez assistir série, porque sempre terminava seu dia fazendo isso, além de comer, claro. Cursou seu caminho que pareceu incrivelmente menor, talvez pelo fato de que Henry quisesse que demorasse, porém sua mente, brincalhona como sempre, fez com que fosse o mais rápido possível.

Passou pela portaria, subiu de elevador e entrou em sua casa, jogou seu material no sofá e foi tomar banho. Ao terminar, saiu do banheiro e colocou apenas uma cueca branca, ficando de seu jeito de sempre.

Ainda sem fome, sentou-se em sua cama e ligou seu notebook, deixando-o de lado enquanto o sistema operacional carregava. Pegou seu caderno de capa marrom, que estava no lugar habitual ao lado de seu travesseiro, e reescreveu o poema que tinha em seu celular, sem consultá-lo, pois já tinha decorado-o.

Numa das ruas da cidade,

todas as pessoas se veem,

todas elas se encontram,

todas as histórias se cruzam.

Mas é só quando não podem andar

que resolvem olhar

e ver

e sentir

tudo aquilo que sempre esteve ali.

Pois só quando param,

é que sentem o real poder

de olhar para o outro lado.

— Enquanto a luz vermelha, Henry Fritz.

Após reler o poema, parou para olhar a parede em sua frente. E sorriu. Pois sabia que até mesmo seu coração já não estava mais sob a luz vermelha, estava, na verdade, numa outra cor primária.


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Notas finais do capítulo

YANA - em um dos episódios de Doctor Who, o personagem principal descobre o real significado de uma coisa que um de seus amigos tinha falado para ele "You Are Not Alone"
DW - Doctor Who, o que mostra a certeza da expressão.
whovian - que faz parte do fandom de Doctor Who.
aparatar - "teletransportar"

PEÇO DESCULPAS PELA DEMORA EM POSTAR, FAREI O MÁXIMO PARA ISSO NÃO REPETIR.



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