Panem Et Circenses escrita por Giullia Lepiane


Capítulo 30
Epílogo


Notas iniciais do capítulo

E cá estou, com o último capítulo.
Tenho muito a dizer, mas acho que seria mais apropriado se eu falasse nas notas finais, então... Nos vemos lá?



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Um ano depois...

Estou correndo, sem rumo, em meio a uma floresta coberta de neve. Uma música soa em meus ouvidos, alta e assustadora. O hino nacional. Eu estou fugindo de um grupo de vem atrás de mim – adolescentes, como eu, que riem e brigam, e correm nesta direção. Ao meu lado, um garoto ruivo. Pine Vimberg.

- Continue correndo, Pine. Eles não podem nos alcançar. – Grito para ele, tentando fazer minha voz soar mais alta que o hino.

- Acho... que eu... não consigo mais, Edelweiss. – Responde ele, arfante.

E não consegue, mesmo. Logo após isso, ele desaba no chão. Eu quero parar de correr e socorrê-lo, mas continuo me afastando. Grito o nome dele, e assisto quando os Carreiristas se projetam como sombras em cima de meu aliado, silenciando o gritante Pine.

- Está tudo bem. – Diz a voz de Flavia em meu ouvido, vinda do além. – Ele já era.

Sou arrancada de meu pesadelo pelos meus próprios berros.

Quando abro os olhos, vejo à minha volta uma sala circular e espaçosa, com as paredes pintadas com muito bom gosto. Minha cabeça está descansando em cima de meus braços, por sua vez sobre um teclado de piano, e voltada para uma janela, por onde posso ver o dia já claro, o que indica já ter passado das sete horas da manhã, e várias outras casas da Aldeia dos Vitoriosos do Distrito 3. Jogado sobre meus ombros, um cobertor, o que me faz crer que, quando mamãe acordou para tomar água como faz todas as madrugadas, entrou na sala de música e me encontrou aqui, e foi buscar algo para me aquecer durante o resto da noite.

Lembro-me de que, ontem à noite, quando todos se recolheram para dormir as nove como sempre, eu disse que queria ficar treinando piano por mais um tempo – a minha maneira principal de sufocar o pesar causado pelos Jogos, e atividade super recomendada pelos psicólogos que a Capital vive mandando para mim, que dizem o tempo inteiro que eu estou sofrendo de transtorno de estresse pós-traumático. O que explica os pesadelos, e até alguns flashbacks ocasionais.

Devo ter dormido enquanto praticava.

Me enrosco em minha coberta, levanto, e sigo para fora da sala de música. O cheiro de comida quente preenche minhas narinas quando saio, vindo da cozinha, e é para lá que eu vou.

Encontro Kevan vestido em seus pijamas e com os cabelos desgrenhados, sentado diante à mesa enquanto mamãe e Penn distribuem comida pela sua superfície, para ser pega à vontade. Sinto certa alegria ao ver que minha irmã está também de pijamas. Significa que ela conseguiu dormir bem esta noite, diferentemente do dia da colheita do ano passado, quando eu fui sorteada e ela passou a noite anterior em claro.

- Bom dia, Edelweiss! – Diz ela, com um sorriso.

- Dia. – Respondo, não conseguindo emanar tanta felicidade quanto ela enquanto me sento à mesa, ao lado de Kevan, e ela e nossa mãe terminam por a mesa e se sentam também.

Começamos a comer. Eu me sirvo de uma porção generosa de bacon, graças ao meu apetite realmente alterado pela minha temporada na arena, e purê. Todos estão acostumados com meus novos hábitos alimentares, então a primeira coisa que é dita no café da manhã é por mamãe, e não é sobre isso:

- Edelweiss, o Mastt vai passar aqui hoje?

- Não. – Falo com a boca cheia de pão, algo que faria Simary Loyel me dar um bom chute por sob a mesa. Mas ela não está aqui, embora eu vá ter de passar meus próximos dias, mais uma vez, na companhia dela. Hoje estou partindo para a Capital novamente, agora para ser mentora dos tributos do Distrito 3 na 33ª Edição dos Jogos Vorazes. – Ele está ajudando o povo da Capital a montar as coisas para a colheita.

- Por que ele? Pensei que ele não precisava mais ajudar nos Jogos, só você. – Diz Penn, que depois deu uma dentada na torrada que ela está comendo.

- Porque ele quer me poupar pelo menos disso. Já que é obrigatório que eu seja a mentora e ele não pode me ajudar com isso. – Respondo. Sistema idiota.

- Ah.

- Mas a Letice vai passar aqui hoje. – Lembro. – Vamos nos arrumar para a colheita juntas.

Quando nós quatro terminamos de comer, vou ajudar minha mãe a tirar a mesa. É a minha vez, afinal de contas. Mas nisso a campainha toca, e ouvimos Letice gritando o meu nome do lado de fora, como eu disse que ela faria.

- Deixa que eu faço isso, Edelweiss. – Oferece-se Penn, tirando gentilmente de minhas mãos o prato que eu estava segurando. Agradeço, e vou atender a porta, mas Kevan faz isso na minha frente. É claro. Eu não devia ter esquecido que ele se autodenominou o responsável por atender a porta e o telefone na residência dos Roxteed.

- Oi, Letice. – Ele diz para a garota lá fora, que sorri para ele.

- E aí, Kev?- Letice aperta a bochecha dele para provocá-lo. Sabe que meu irmão odeia isso. Então me vê atrás dele, e acena para mim. A cumprimento também.

- Mãe, estaremos no meu quarto! – Grito para ela, e nós duas disparamos escada acima, entrando na segunda porta à esquerda.

- Você ficou sabendo? – É a primeira coisa que ela me pergunta quando estamos a sós.

- O quê?

- A Meggin Reed.

Quase estremeço a menção do nome de minha antiga melhor amiga. Ela me odeia agora, por eu estar namorando Mastt, porque sempre teve uma queda por ele, e acha que isso foi traição de minha parte. E minha melhor amiga se tornou Letice, como quando éramos menores.

- O que tem ela?

- Pediu cinco tésseras.

Meu queixo cai.

- Ninguém pede tésseras no Distrito 3, Letice. Não precisamos disso.

- E eu não sei? Mas os Reed estão agora pagando uma multa colossal por causa daquele dia em que Meggin perdeu o horário e não compareceu à fábrica para trabalhar quando lhe foi solicitado.

Dessa vez realmente estremeço, por causa da menção de uma multa por um erro no trabalho. Já passei por isso, mas não foi algo grave o suficiente para a multa ser tão grande que eu tivesse de pedir tésseras para ajudar o sustento de minha família.

- Então o nome dela estará onze vezes no sorteio.

- Sim. Aos dezessete anos, ela terá mais quatro chances de ser sorteada que qualquer pessoa de dezoito.

Penso nisso por um minuto. Apesar de tudo, não quero que Meggin fosse sorteada para os Jogos Vorazes. Nem um pouco.

- Ah, não importa. – Letice dá, então, de ombros. – Então, já pensou no que vamos vestir hoje? – Ela muda de assunto, caminhando até meu closet.

Passamos da manhã nos arrumando. Letice opta um visual completamente vermelho, e eu, um totalmente preto. Vestido preto, sandálias pretas, faixa de cabelo preta. Hoje é o dia em que vinte e quatro crianças serão colhidas para a morte. Não é um dia para cores vivas. É um dia para luto.

Mas também sou a única pessoa de minha casa que pensa assim. Quando nós duas terminamos e descemos para a sala, encontro mamãe vestida de marrom, Kevan de verde e Penn, de cor-de-rosa. Os três sentados no sofá assistindo à televisão.

- Letice, o almoço já vai ficar pronto. – Diz minha mãe a ela. – Não quer ficar para comer com a gente?

- Não, muito obrigada, Sra. Roxteed. Disse para meus pais que ia estar de volta para o almoço.

- Tudo bem, então.

Acompanho-a até a porta, e nos despedimos. Não nos veremos mais por algumas semanas, até eu voltar da Capital. Então Letice se vai.

Eu, minha mãe e meus irmãos passamos o almoço mais quietos do que estávamos no café da manhã. Também está próxima a hora em que teremos de nos despedir, e nenhum de nós está com vontade de dar outro adeus.

- Sabe, acho que neste ano o Três ganha com certeza. – Comenta Kevan, certa hora. Todas olhamos com curiosidade para ele, que explica: - É a trigésima terceira edição dos Jogos Vorazes. Três três.

Minha risada é sem graça.

Terminada a refeição, vamos para a praça, onde os adolescentes já estão começando a fazer suas inscrições para a colheita, e os adultos e crianças menores, já estão se apinhando ao redor deles. O palco já está montado, e vários cartazes da Capital estão espalhados por tudo que é canto.

- Bem, até mais. – Murmuro para minha família.

- Até, Edelweiss. Boa sorte. – Responde mamãe.

- Você vai ser uma ótima mentora. – Penn me abraça.

- Obrigada.

- Volte bem. – Kevan pede, também me abraçando.

E depois disso tenho de me separar deles e ir para o palco. E é bom topar com Mastt no caminho.

- Aí está você. – Ele diz, aliviado, a me ver. – Achei que não falaria com você até sua volta, agora.

Quase falo que queria que ele fosse comigo. Mas isso seria injusto com ele, que já passou por isso muitas vezes. Não merecia ter de passar de novo.

- Eu também. Que sorte. – É o que digo, então, sorrindo sem muita empolgação. Claro que gosto de falar com ele, mas a situação em que me encontro no momento não me deixa aproveitar isso muito.

- Ei! O que você está fazendo aí, Edelweiss? – Ouço a voz Simary Loyel, o sotaque afetado da Capital dela fazendo-a sibilar os dois últimos S de meu nome. – A colheita já vai começar. Você precisa vir para o palco.

Tiro meus olhos de Mastt, e vejo que ela se postou a meu lado.

- Bem, você também não está no palco. – Como ela, não digo nem “oi” depois de meses sem nos vermos. Mas também como ela, acho, sinto-me até um tanto de alegria por vê-la.

- Vamos para lá agora, então. – Ela me segura pelo braço e me puxa em direção ao palco.

- Tchau para as duas! – Diz Mastt.

E depois de mais alguns momentos estamos lá em cima.

Sentamos nas cadeiras que foram colocadas especialmente para nós, onde esperaremos que a prefeita Vimberg conte a história de Panem, sobre os Dias Escuros e sobre os Jogos Vorazes, como de praxe. E quando o evento começa e ela começa mesmo o discurso, não posso deixar de perceber que várias vezes ela desvia o olhar para me encarar com ódio. A prefeita nunca me perdoou pela morte de Pine. Até diz meu nome com desprezo quando lê a lista de vitoriosos do Distrito 3.

Então ela se senta, e Simary Loyel assume seu lugar, falando sem parar sobre o quanto gosta de ser nossa representante, e tudo o mais. Até que declara que irá sortear os nomes dos felizardos que representarão nosso distrito nos Jogos este ano.

Caminha em direção à bola com o nome das meninas, porque, como sempre, não há voluntárias. Eu olho para a seção de garotas de dezessete anos, onde está uma arrasada Meggin Reed. Ela vai ser sorteada. Está se preparando para isso. Sinto compaixão por ela.

Mas não é, no final das contas, um sentimento necessário.

Porque a sorteada não é ela.

É Peony Roxteed.


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Notas finais do capítulo

Propositalmente, terminei o último capítulo de Panem Et Circenses como o primeiro capítulo de Jogos Vorazes. Achei que seria divertido.
Agora, galera, quero agradecer imensamente a todos que comentaram, recomendaram e favoritaram a minha história. Vocês todos são muito bacanas.
Também agradeço a cada elogio, cada instante gastado para ler o PEC, quando podia estar sendo empregado para outra coisa.
E é claro, agradeço ao Ricardo Costa Perks, que fez a arte de capa da história.
Obrigada por tornarem o Panem et Circenses possível.
Agora, para quem fica, espero que possamos nos encontrar algum dia, ainda. E para quem lê outras histórias minhas, faço questão de terminar de vez a história dizendo:
Até o próximo capítulo!
Respeitosamente,
G. Lepiane.