Panem Et Circenses escrita por Giullia Lepiane


Capítulo 19
Aliança


Notas iniciais do capítulo

Gente, olha, eu queria ter criado um capítulo avisando da paralisação de três semanas que eu fiz no PEC, mas não é permitido capítulos de aviso, e mesmo que um monte de gente faça isso, eu tenho muito medo de excluírem minha história, então não fiz. Mas se vocês abriram a página da história esses dias, viram que eu coloquei nas notas iniciais que o PEC estava "Paralisado até dia 02/06/2013". Hoje. Era uma paralisação, não um hiato, porque tinha data certa para acabar.
Eu não vou justificar a paralisação aqui, porque ninguém está interessado nisso. O que importa é a história. Mas se por acaso me pedirem explicação depois, eu dou.
E este capítulo é dedicado ao meu amigo Ricardo Costa Perkz, que fez uma capa nova e absolutamente maravilhosa para a história. Eu simplesmente adorei!
E finalmente, o capítulo:



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Dez tributos ainda estão vivos. E quatorze já se foram.

E o mais difícil de tudo isso, definitivamente, é pensar que Pine não está mais sendo contado como vivo.

O Pine, aquele garoto que eu protegi o máximo que pude.

O mesmo Pine que eu amei como um irmãozinho.

O Pine Vimberg, o filho de treze anos da prefeita do Distrito 3, que tinha como seu maior sonho voltar para casa.

Morto. Com uma flecha enterrada nas costas, Assassinado por Junie, agora também morta, e pela crueldade da Capital. E esta última nunca morre.

Devo estar parecendo tão patética, chorando desenfreadamente enquanto Flavia me leva para longe dos quatro Carreiristas restantes. E é a segunda vez em poucos minutos em que ela está me ajudando.

Eu só ainda não entendi o motivo.

Tento conter o meu choro. Eu não posso ser um peso morto para Flavia, nem uma presa fácil para os outros tributos, ou fraca para quem está assistindo aos Jogos e para Mastt.

Mastt. O que você diria para mim agora, se pudéssemos conversar?

Começo a correr de verdade, indo para o lado de Flavia, e não mais precisando ser puxada por esta. Ela dá graças aos céus baixinho.

Mas embora eu esteja me controlando, seria mentira se eu dissesse que parei de chorar. As lágrimas ainda continuam a escorrer pelo meu rosto, rápidas e constantes.

Eu perdi Pine, e dessa vez foi para valer.

— Nós podemos parar por aqui. – Declara Flavia, após bastante tempo em movimento, quando já não temos sinal de algum dos Carreiristas por mais de uma hora. – Ei, você está bem?

É óbvio que não. A dor que estou sentindo é pior do que a de quanto levei a facada na orelha no começo dos Jogos, ou até a de quando eu tinha doze anos e prendi minha mão numa das máquinas da fábrica de televisores do meu distrito, e só não a perdi por um milagre – já que, por mais que eu tivesse começado a gritar de dor o mais alto que eu podia, não queriam de jeito nenhum desligar a máquina, para não atrasar a produção. Acabou que ela foi enfim desligada, mas minha família recebeu uma multa que está pagando aos poucos até hoje, e eu fiquei com a mão enfaixada por meses.

Porque enquanto cada uma dessas coisas estava acontecendo, o Pine estava vivo, em algum lugar.

Deixo minha lança cair no chão frio e me sento ao lado dela, me encolhendo em mim mesma, abraçando minhas pernas e escondendo o rosto por trás delas. Flavia senta à minha frente pouco depois.

Ela me deixa com meu sofrimento silencioso por mais vários minutos antes de falar algo:

— Sabe, acho que ele está até melhor do que a gente agora.

— Eu não estou com vontade de debater a vida após a morte neste momento.

— Não está? – Flavia suspira com alívio – Ainda bem. Por que eu também não.

Não respondo. Sei que estou sendo antipática, mas não dá para simplesmente fingir que não há algo errado. Eu estou tão mal!

— Hm... Seu nome é Edwiges, não é?

Nego com a cabeça. Detesto quando confundem o meu nome, mas a pronúncia de “Edelweiss” realmente lembra o nome “Edwiges”, goste eu ou não. Ela deve ter ouvido Pine falando-o rápido, e confundido.

— Edelweiss. – Corrijo.

— Tipo aquela flor? Legal. – Aprova Flavia – E você está com fome, Edelweiss?

Ergo o meu olhar para ela, que sorri amigavelmente. Ela me perguntou se eu estou com fome com a voz de quem faz um convite para um lanche. Flavia pode ter comida na mochila abarrotada que ela estava segurando quando estava com os Carreiristas e trouxe com ela quando fugiu.

Mas antes que eu possa dar-lhe a resposta positiva, penso duas vezes, e todas as questões que não querem calar me voltam à mente. Por que ela fez tudo o que fez, só para começo de conversa?

— Você sinceramente está abandonando uma aliança com os Carreiristas para formar uma comigo? – Pergunto, descrente.

— É, tipo isso. Quero dizer, como eles são irritantes! Sem falar em prepotentes, e que não calam a boca nunca. – Flavia fala, como se isso fosse um motivo lógico para trair o bando dos Carreiristas, matar um deles, e depois se aliar a uma menina com quem nunca antes conversou – Eu formei a aliança com eles porque eles acharam legal a maneira como eu matei o garoto do Dez no Banho de Sangue, e tirei nota nove na avaliação e tudo o mais. Aí eu aceitei, porque me pareceu uma boa. Mas eu não estava aguentando mais, e não queria deixá-los porque também não queria ficar sozinha, porém daria de tudo para trocar de aliança. Aí você e aquele Pine apareceram e tal.

Meu coração se encolhe de dor e tristeza mais uma vez ao que ela cita o nome de Pine. Eu mesma volto a me encolher, como se houvesse levado um soco. Não só por Pine, na verdade, mas também por ela ter falado que matou o garoto do Distrito 10. Eu me lembro de tê-lo visto morto, meio-decapitado e largado no chão.

— Uh. Não é para eu falar o nome com P? Tudo bem, eu entendo.

— Não. Pode falar. Temos de falar dele, falar muito dele, para que Panem não se esqueça de Pine, que a barbaridade que a Capital fez com ele não passe em bran... – Flavia tapa a minha boca nessa parte, e me olha com censura.

Porque, é claro, mais uma vez eu estava falando demais.

Só que, desta vez, eu não estou ligando nem um pouco.

Tiro a mão de Flavia da minha boca, determinada a continuar a falar para os Idealizadores dos Jogos que não vou deixar o meu aliado ser esquecido (porque Panem certamente não me ouviu falando isso. Devo ter sido censurada antes mesmo da palavra “barbaridade”), mas ela arranja uma maneira diferente de me calar:

— Sim, ele parecia ser bonzinho. Agora, olha, você tem certeza mesmo de que não está com fome? – E dizendo isso, ela pega a mochila dela, abre e estende-a para mim, me permitindo ver seu conteúdo.

Ela está abarrotada com comida. Barras de cereal, pacotes de biscoito, bolinhos industrializados, sanduíches... Por mais que Flavia tenha reclamado de seu tempo com os Carreiristas, isso lhe rendeu muitas vantagens.

Eu não costumo aceitar comer o que outras pessoas me oferecem, principalmente quando eu as conheço há pouco tempo. Contudo, depois de dois dias sem me alimentar, toda a frescura quanto a isso desapareceu.

Pego um sanduíche, arranco o papel de embrulho e dou uma mordida sem nem verificar qual é o sabor. E é incrível quando sinto o gosto de geleia de uva na minha boca, depois de tanto tempo sem comer qualquer coisa, e mais tempo ainda sem comer algo que não carne desidratada.

E eu como muito mais do que isso. Porque embora eu tenha pensado, no meu período de fome, que ela não é vazia, e sim plana e dolorosa, agora eu enfim sinto o vazio. Ele esteve lá o tempo inteiro, sem que eu soubesse.

Flavia, que não perdeu uma refeição mesmo após entrar na arena, está sentada de pernas cruzadas, e também cruza os braços sobre elas e deita sua cabeça neles como se fosse cochilar. Ela deve ter percebido que vai levar um bom tempo até eu me satisfazer.

Ela não se mexe nem quando começa a nevar.

Noto que esta é a primeira vez que neva efetivamente nesta arena, mesmo que estejamos cercados pela neve desde o começo dos Jogos. Os flocos pequenos e gelados que caem do céu são pouco incômodo, entretanto. Desde que não comece a nevar forte, não farão mal algum.

Vou fechar a mochila para não molhar a comida, e percebo que eu comi pelo menos metade do que tinha lá.

— Ah, Flavia... Desculpa. Eu não queria...

— O quê? – Pergunta ela com a voz sonolenta, levantando a cabeça e coçando os olhos. Então vê do que eu estou falando. – Ah, não tem problema. Você estava com fome. Puxa, está nevando...

— Mas era toda a comida que...

— Que nada. Se acabar, os meus patrocinadores mandam mais.

Patrocinadores. Ela fala isso com tanta naturalidade. Bom, mas ela estava com os Carreiristas, então provavelmente tem toneladas deles, mesmo. No meu caso, se eu tenho algum, ele ainda não se manifestou.

— Minha nossa, que neve chata. Vamos procurar um lugar fechado para passar a noite? – Flavia convida.

— Um lugar fechado? – Não sei do que ela está falando. A arena inteira é a céu aberto.

— Tipo uma caverna, ou um lugar onde as árvores sejam mais próximas. Qualquer coisa do tipo.

Aceito, apesar de não estar sabendo de nenhum lugar do tipo por aqui. Todo o lugar por onde passei aqui é igual.

Ela pega a mochila, e nós partimos.

Flavia é a pessoa mais faladeira com quem já estive, mas de uma maneira boa. Ainda estou triste por causa de Pine, porém ela não me dá tempo para pensar muito nisso, não parando de puxar conversa.

Descubro que ela, como eu supus, tem dezesseis anos como eu. Ela me conta sobre o Distrito 7, a família dela, e em certo ponto comenta que não se chama Flavia de verdade. Este é apenas o nome do meio dela.

— O meu primeiro nome é Anna. – Explica.

— Eu gosto de Anna. – Respondo, estranhando. Nunca conheci alguém não gostasse de ser chamado por seu primeiro nome.

— Não é feio. Mas Flavia é um nome mais de efeito. Portanto, não ouse me chamar daquele jeito. Já foi ruim o suficiente quando me chamaram por “Anna” na colheita e depois todo mundo da Capital me chamando assim até eu pedir para me chamarem de Flavia, na entrevista.

Não tenho objeções quanto a isto. Eu já me acostumei a chamá-la de Flavia, mesmo.

Nós não encontramos o lugar fechado que ela queria, mas logo para de nevar, então não é preciso. Como eu e Pine comumente fazíamos, nós paramos para passar a noite assim que o hino nacional começa.

Fecho os olhos para não ver quando as fotos dos mortos do dia se acendem no céu: Primeiro, a de Junie. Depois, a de Pine. E enfim, a de Bertil. Não preciso estar vendo para saber quais são.

— Já acabou. – Flavia me avisa com simplicidade.

Ela sugere que eu durma primeiro, o que eu acho uma ótima ideia até me lembrar de que não tenho mais um saco de dormir, já que o Pine estava com a nossa mochila quando morreu.

É tão desanimador pensar que vou ter de dormir direto na neve.

Mesmo estando morta de frio, tiro meu agasalho. Pode-se dizer que eu tinha esquecido que estou usando um suéter marrom por baixo, e também uma blusa branca por baixo dele. Em contrapartida de estas peças não aquecerem muito sem o casaco, é-me adequado dobrá-lo e o colocar na neve, para que eu possa dormir com a cabeça deitada nele.

O frio e o meu tormento por causa de Pine é tudo o que me impede de dormir rápido. Estou exausta.

Tenho pesadelos nesta noite, um seguido do outro, um pior que o outro. Neles, Pine chora e me pergunta por que o deixei morrer, a prefeita Vimberg fica revoltada com a morte do filho e manda matar meus irmãos (mesmo eu sabendo que ela não tem poder para isso), o fantasma de Junie retorna para se vingar de mim, dentre tantas outras coisas.

Não é de se admirar que eu acorde antes de Flavia me chamar para mudar de turno.

E como ela chamaria, aliás? Ela nem está por perto. O objetivo de ter alguém de vigília não é garantir que ninguém vai se aproximar de nós dormindo e nos matar? Nesse caso, cadê ela?

— Flavia? – Chamo, assustada, me sentando e olhando para os lados.

E subitamente vejo, atrás de uma das árvores, uma menina loura.

Só não grito porque perco totalmente a minha voz. Eu acabei de ter um pesadelo com Junie, que era loira. E ela também não é Flavia, porque esta tem cabelos castanhos. Isso é demais para mim.

A garota percebe que eu a vi e foge. Nisso, eu já descartei a ideia de ela ser Junie, e começo a desconfiar de ela ser Aster, que também tem os cabelos da mesma cor. Mas Aster usa o cabelo solto, e a menina estava com eles presos em marias-chiquinhas. E o tributo feminino louro que sobrou é a...

Garota do Distrito 8.

Sim, só pode ser ela.

— Você acordou, Edelweiss? – Diz Flavia, surgindo do ponto oposto a onde a menina estava.

A encaro, brava.

— Onde você estava?

— Fui ao banheiro. Hm, figurativamente falando, é claro. Ei, por que você está com essa cara de quem viu um fantasma?

Na realidade, é porque eu achei ter visto um. Mas não vou admitir isso, porque é algo tão bobo de se achar.

— Porque eu acordei e dei de cara com a garota do Oito escondida atrás daquela árvore ali. – Falo, apontando.

— Quando?

— Alguns segundos atrás.

Pela expressão dela, sei que agora ela vai falar para nós irmos procurá-la. E, se nós formos e a acharmos, também sei que Flavia não vai hesitar em matá-la.

E apesar de eu mesma já ter matado alguém, essa pessoa foi Junie, e ela tinha matado o Pine primeiro. Eu não posso matar ou deixar minha aliada matar uma garota que não fez algo de errado.

Movida por esse pensamento, continuo:

— Olha, deixa isso para lá. Por que você não deita e dorme um pouco? Eu vou atrás dela.

— Você vai? – Ela pergunta, não como se achasse que eu não vou matar a menina se encontrá-la (mesmo sendo a verdade), mas como se duvidasse da minha capacidade de ir sem começar a chorar de medo no caminho.

É inegável que eu fiquei um pouco fragilizada depois da morte de Pine, mas não sou covarde, e nem incapaz de fazer qualquer coisa que ela faz.

Agora é oficial. Eu voltei ao normal. Não sou mais delicada que Flavia.

— É o que você ouviu. – Vou me levantando, pego e visto meu agasalho e então apanho minha lança – Já volto.

E saio com passos firmes por onde eu vi a garota ir.

Talvez eu pudesse tê-la encontrado se tivesse sido mais rápida. Mas no passo em que vou, obviamente não a alcanço, como eu queria mesmo que acontecesse, pois não estou com vontade de matá-la.

Flavia vai ter de conviver com essa frustração.

Quando volto para o acampamento, ela já está dormindo, e eu assumo o meu posto na vigília. Porém, devo dizer, ela não fica muito surpresa quando eu a acordo na manhã seguinte e conto para ela o que aconteceu. Flavia chega a me olhar com um desdém irritante.

Todavia, tirando pelas atitudes de menosprezo que ela assume às vezes, o meu segundo dia com ela não é ruim. E a melhor parte sem dúvidas é poder comer o que eu quiser a qualquer hora do dia, visto que ela fica insistindo o tempo todo em que os patrocinadores dela vão dar mais comida quando esta acabar.

E se isso também é uma maneira dela de se fazer superior, eu acho melhor ignorar.

Nada demais acontece durante o sexto dia na arena. Inclusive, ninguém morre. É bom que as três mortes de ontem tenham deixado a Capital entretida o suficiente para os Idealizadores dos Jogos não matarem por si próprios alguns de nós.

E a noite, minha aliada deixa de novo que eu seja a primeira a dormir.

Tenho os mesmos pesadelos da última vez. E, como na última vez, eu acordo antes de Flavia me chamar.

Mas hoje, quando sento e olho em volta, não vejo que Flavia não está. Dessa vez ela está sim por perto.

De pé à minha frente, segurando a minha lança e apontando-a para mim, com os olhos brilhando de maldade.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo capítulo!



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