Panem Et Circenses escrita por Giullia Lepiane


Capítulo 12
Promessa


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/315546/chapter/12

A campainha soa um segundo antes de eu cometer o maior erro de minha vida.

Minha voz morre de repente no meio da frase. A plateia está chocada, olhando para mim de olhos arregalados como se supusessem o final da minha frase e não acreditassem que eu realmente ia falar isso. Nem eu acredito. Estou tão chocada quanto qualquer um deles.

E para aumentar o meu choque, Ava Cantall me salva dessa situação dizendo:

— Sim, sim, Edelweiss, eu concordo com você! O que a Capital faz é a coisa mais maravilhosa! – E começa a aplaudir. O público quase solta um suspiro de alívio coletivo, e acompanha Ava nos aplausos, rindo deles mesmos por acreditarem que eu ia falar algo diferente de “maravilhosa”.

Mas, ah, eu ia. “Maravilhosa” foi a última palavra que eu pensei naquela hora. E consigo ver nos olhos de Ava que ela sabe muito bem que não era isso que eu ia dizer. Porém, por motivos incompreensíveis, ela contornou a situação para mim, e a plateia foi completamente convencida pela conclusão de Ava.

Ou a maior parte da plateia. Duas pessoas não foram convencidas. Sou capaz de contá-las nos dedos, mas precisaria de mais dez mãos se fosse contar a importância delas desse modo. As pessoas principais, Ava Cantall não convenceu.

A primeira, Mastt. Ele está me olhando furioso. Parece estar me vendo com novos olhos. Como a garota mais idiota que ele já conheceu.

A segunda, o presidente Snow, o homem que está no camarote principal. Sim, o presidente de toda Panem está me encarando com ira. Não me lembro de ele estar assim antes de minha entrevista, mas agora ele está com o corpo inclinado para frente, como para de certa forma ficar mais próximo do palco. Quando ele vê que eu acabei sem falar nada demais e Ava concluiu minha frase de maneira tão amenizadora, volta a posição normal, mas seu olhar de desprezo continua preso em mim enquanto eu, aturdida, aperto a mão de Ava e volto com passos curtos e apressados para o arco dos tributos.

Sento entre o garoto do Distrito 2 e a garota do Distrito 4. Pine já se levantou e caminhou para o centro do palco para a entrevista dele.

Estou em um estado de espírito tão perturbado que sequer consigo me concentrar nas perguntas de Ava para Pine. Julgar se ele está se saindo bem ou mal. Ouvir se a plateia está aplaudindo ou não. Eu não paro de olhar de Mastt para o presidente Snow. Mastt, depois daquele momento, passou a ignorar minha existência aqui no fundo do palco e está assistindo a entrevista. Porém, com uma expressão amarga no rosto. O presidente também voltou a assistir. Mas vez ou outra, ainda volta seu olhar para mim, seus olhos claramente dizendo: “Eu não esqueci, e nem pretendo”.

Tenho apenas uma vaga noção de quando Pine volta a sentar ao meu lado e a Carreirista loura do Quatro se dirige à entrevista dela. E os tributos vão e voltam, um a um, sem a minha atenção.

Demora uma eternidade para o garoto do Distrito 12 voltar da entrevista dele, e só percebo que isso acontece porque ninguém é chamado depois. Ava se despede do público e todos os tributos se levantam para o hino nacional.

A música dura pouco tempo, e quando acaba somos liberados e descemos do palco em fila única. Entretanto, essa organização é apenas para uma saída com estilo, e nos dispersamos assim que entramos no saguão do Centro de Treinamento, fora do alcance das câmeras e da vista dos moradores da Capital.

Pine estava logo atrás de mim na fila, mas não vem falar comigo. Ele caminha até a porta que dá para a plateia, esperando que Mastt, Simary e os estilistas entrem.

Eu não quero falar com eles. Eu quero falar com ninguém. Sem esperar, vou em direção ao elevador. Finjo não ver quando os seis Carreiristas se reúnem não tão longe de mim e, ao invés de comentarem sobre suas próprias entrevistas e cuidar da vida deles, começam a falar, bem alto para eu ouvir, sobre como nem vai ter graça matar a “revolucionária do Três”, e de como há chances de nem terem oportunidade para isso, pois os Idealizadores vão provavelmente fazer uma árvore cair em cima dela, ou o chão abrir sobre os pés dela e engoli-la antes.

Os Idealizadores dos Jogos podem fazer esse tipo de coisa. Se os tributos não se encontram, os Jogos estão entediantes, e ninguém morre por muito tempo, eles – que estão controlando cada milímetro da arena de longe – matam por eles mesmos alguns tributos.

Instantaneamente, sinto medo. O presidente Snow não foi convencido pela conversa fiada de Ava. E se ele próprio pedir aos Idealizadores para me matarem assim que possível?

Quanta humilhação. De última hora, mudo o meu caminho dos elevadores para um cantinho vazio do saguão, escondido por uma parede. Não que eu queira ficar lá. Só até os Carreiristas irem embora. Não estou em condições de brigar com eles agora.

Brigar. Lembro-me de ontem, quando Simary Loyel falou que eu estava deixando o Pine briguento, e eu na hora pensei que isso estava errado, que eu não sou briguenta. Acho que ela sabe mais de mim do que eu mesma. Eu devo sim, ser isso.

A patética revolucionária do Distrito 3.

Eu espero não só os Carreiristas saírem, como também o resto dos tributos e das equipes. Demora vários minutos, mas quando enfim o saguão está silencioso, saio do meu cantinho escondido.

Estava equivocada quando pressupus que todos tinham ido embora. A garotinha de doze anos do Distrito 12 por algum motivo que desconheço ficou para trás, e está sozinha esperando o elevador.

Ela me olha com uma curiosidade nem um pouco disfarçada quando me aproximo.

— O quê? Não tem nada melhor para fazer? – Pergunto grosseiramente. Ela cora e se afasta, como se preferindo pegar outro elevador a pegar o próximo e ir comigo.

Fico ainda pior por ter falado desse jeito com ela. Eu sou uma idiota. Se eu morrer amanhã, logo no comecinho dos Jogos, qual terá sido meu último feito em vida? Ser grossa com uma garotinha que eu sequer conheço? Eu não sou muito melhor que os Carreiristas.

O elevador chega, e eu entro. Seguro a porta por um tempo, para ver se a menina vai me perdoar e ir nesta viagem comigo, mas ela permanece longe.

Certo, eu mereço isso. Solto a porta, e logo estou a caminho do terceiro andar.

Chegando lá, tomo rumo ao meu quarto. Eu quero ficar sozinha, e só isso.

Mas não realizo meu desejo por pouco. Topo com Mastt no corredor.

— Mastt! – Exclamo, atordoada por ele ter entrado na minha frente.

— Edelweiss. – Ele ainda parece irritado, e praticamente cospe o meu nome.

Eu não digo algo após isso. Não sei o que dizer. Me desculpe pelo que eu disse na entrevista? Foi sem querer? Eu falei sem pensar?

Ele também parece estar pensando em algo para falar, ou esperando que eu fale alguma coisa, pois cruza os braços e continua parado na minha frente.

— Mastt... Sobre o que aconteceu hoje na entrevista... Sei que você deve estar achando que... – Tento, sem sucesso, dizer algo com nexo.

— Quieta. – Ele me corta, e eu paro, surpresa – Eu achava que você era mais inteligente que isso, Edelweiss. Não viu que a Ava Cantall estava justamente te provocando para dizer algo do tipo? Quando isso acontece você morde a língua e engole a raiva, caramba! – Sua voz aumenta gradativamente conforme as palavras saem de sua boca.

— Mas... Ela falou do meu tio...

— Grande coisa! Você acha que o seu tio ia querer isso? Que ele ia querer que você arruinasse suas chances de vencer os Jogos por ele, sendo que ele já morreu e você nem ao menos o conheceu? – Ele grita. Nunca o vi tão fora de si, e isso está me deixando arrasada. Dou um passo para trás.

— Pelo menos, se eu morrer nos Jogos, não vai ser para divertir a Capital. Eu deixei bem claro que... – Minha voz mingua, mas não é por isso que minha frase morre, e sim porque, mais uma vez, ele me interrompe:

— Se você morrer nos Jogos? “Se”?! Quais são as chances de você vencer agora? Esquece a vitória, Edelweiss! Esquece patrocinadores, esquece tudo! Droga!

— Sai da minha frente! Sai! Eu quero ir para o meu quarto! Quero ficar sozinha! – Grito para ele, violentamente. Lágrimas ardem nos meus olhos, mas eu não permito que elas saiam. Mastt, sem hesitar, sai do meu caminho e prossegue o dele batendo os pés.

Corro para o meu quarto. Felizmente já decorei o caminho, pois minha vista está muito embaçada pelas lágrimas contidas para eu enxergar por onde estou indo. Tateio pela porta até achar a maçaneta. Entro e fecho a porta atrás de mim com força.

Não me dou ao trabalho de acender a luz. Vou direto para a cama, onde desabo, infeliz como jamais estive. Afundo meu rosto em um travesseiro, sentindo as lágrimas começando a escorrer, lentamente, uma a uma.

Mastt... Tão bravo comigo... Eu estraguei tudo.

Patrocinadores... Eu não vou vencer... Ninguém mais vai querer me patrocinar.

Presidente... O presidente Snow me olhava com tanta fúria... Eu vou morrer.

Família... Eu nunca mais vou ver meus pais ou meus irmãos... Eles também devem me achar idiota.

Distrito 3... Nunca mais vou andar pelas ruas do meu distrito... Nunca mais vou voltar para casa.

Minhas lágrimas silenciosas logo se transformar num choro alto e desenfreado.

Droga. Droga! Droga!

Como eu posso ser tão burra?!

Eu vou perder. Eu vou morrer. Não vou ver mais meus pais. Nem Penn. Nem Kevan. Mastt está bravo comigo. O presidente Snow também. Sem patrocinadores. Droga. Burra.

Tudo isso não para de ecoar na minha mente, de novo, de novo, e de novo. Repetição. Tristeza. Em algum ponto entre tudo isso, o cansaço começa a me invadir. Meu choro se acalma pouco a pouco, até não passar de lágrimas e soluços, que cessam quando eu, mesmo sem perceber, adormeço.

E não sei se são minutos ou horas que se passam, mas logo sou acordada por batidas na porta.

Abro meus olhos. De imediato, penso que deve ter chegado a hora de ir embora do Centro de Treinamento, para a arena. Eu não quero, não estou pronta para ir ainda. Já estou começando a me desesperar quando olho pela janela e vejo que ainda é noite. Ainda tenho algumas horas antes de ir.

Meu próximo pensamento é que quem está batendo na porta é Simary, me chamando para o jantar. Jantar... Como eu posso pensar em comer em uma hora dessas?!

— Eu não estou com fome! – Grito, bem alto.

— Edelweiss. Sou eu. – Ouço a voz de Mastt, agora calma, responder.

Fico em silêncio. Mastt? O que ele está fazendo aqui? Depois de tudo o que ele falou, o que ainda quer de mim?

— Edelweiss? Eu sinto muito por aquilo. Você pode vir aqui fora? – Ele permanece sem obter resposta – Por favor?

Eu continuaria ignorando-o, se não me ocorresse neste momento que esta é a última oportunidade que tenho de vê-lo. Amanhã bem cedo – ou talvez hoje, mesmo, pois não sei se já passou a meia-noite – ele e Simary vão para outro prédio, onde ficarão para administrar o dinheiro vindo dos patrocinadores, e eu vou para a arena. Kallux, como meu estilista, ficará comigo até o último segundo antes dos Jogos, mas não Mastt.

Levanto da cama. Meu vestido branco está amarrotado, e minha maquiagem perolada está manchada pelas lágrimas. Eu não gostaria de que ele me visse deste modo, mas demoraria muito para trocar de roupa ou para lavar o rosto, e então é assim mesmo que eu abro a porta, lentamente. A luz do corredor esparrama-se para dentro de meu quarto e consome a escuridão lá presente, mas nem a luz e nem o olhar arrependido de Mastt atrás da porta tira minha alma da penumbra.

— Estou aqui. – Digo, num fio de voz.

Ele me olha por um tempo. Então, desvia o olhar para o corredor, parecendo mal por ver que os estragos que ele fez foram piores do que ele imaginava que seriam.

— Ainda bem que você não está com fome. Você perdeu o jantar. – Mastt fala, também bem baixo.

Concordo.

— E a reprise da entrevista.

Nenhum de nós fala por um minuto. Sou em quem quebra o novo silêncio:

— Todos já foram dormir?

Mastt assente.

— Foram agora a pouco. Eu disse que ia vir aqui falar com você antes. Simary e Chareen pediram para eu lhe dizer que elas disseram “tchau”. E Pine disse “Até amanhã” para você.

“Até amanhã”. Apropriado. Vamos ser aliados, então uma despedida como “adeus” não cairia bem. Concordo novamente. Mais silêncio, e então ele prossegue:

— E eu vim me desculpar. Sabe, quando eu disse que você não teria patrocinadores... Não era verdade. A plateia se convenceu completamente do que Ava Cantall disse. Todo mundo que era seu fã, Edelweiss, continua sendo-o.

— Você viu a maneira como o presidente estava olhando para mim? Ele vai pedir para os Idealizadores me matarem, com certeza. – Finalmente, tomo coragem para falar olhando nos olhos dele.

— Posso garantir que não vai. O que aconteceu não foi tão grave... Não a ponto disso.

— Eu sou só mais um tributo. Qual o motivo para ele não mandar me matar?

— Você é só mais um tributo. Qual o motivo para ele mandar te matar? Edelweiss, escute. – Mastt respira fundo – Na entrevista, se não fosse pela campainha, você teria falado a frase que eu estou há anos querendo falar. Você é mais corajosa do que eu. Se eu venci os Jogos Vorazes, não há explicação para você não ganhar.

— Eu, mais corajosa que você? – Estranho.

— Sim. – Um sorriso desprovido de alegria surge em seus lábios. – Eu também sou seu fã, sabia? Trate de ganhar os Jogos.

— Vou dar o meu máximo. – Repito as palavras que disse para minha mãe no dia da colheita.

— Eu não aceitaria menos de você. – Outra longa pausa – Vá descansar. Você precisa estar bem acordada amanhã.

— Sim. Boa noite.

Mastt olha para o caminho que ele tem de pegar para voltar para seu quarto e hesita. Então olha para mim de novo e abre a boca para falar alguma coisa, mas logo a fecha outra vez. Não sei ao certo o que ele não está conseguindo dizer, porém estou querendo muito ouvir.

É decepcionante quando ele se resume em dizer:

— Boa noite.

E ele sai. Minha mente ordena que eu entre no meu quarto e vá dormir agora, mas meu corpo não está interessado em ouvi-la. Sem pensar sobre o que estou fazendo, vou correndo atrás dele, e alcanço-o no meio do caminho do quarto dele.

— Mastt, espere.

— Edelweiss? – Ele se vira ao me ouvir chamando-o, e é pego de surpresa quando eu atiro meus braços em torno dele, abraçando-o com força.

— Você jura que você estava falando sério? Que eu ainda posso ganhar? – Meu tom é atordoado, mas me sinto mais leve ao que ele responde, tranquila e decididamente:

— Eu juro. Vou estar esperando por você.

Mastt jura que eu ainda posso ganhar os Jogos Vorazes, e está esperando por mim. Isso renova as minhas forças para lutar amanhã.

Aconteça o que acontecer, eu vou tentar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu tinha postado nas notas finais do outro capítulo, mas depois tirei porque pensei melhor e achei que eu devia ter posto nas notas deste.
O que a Edelweiss ia dizer se a campainha não tivesse tocado:
"Não. Eu vou querer vencer os Jogos pela minha família, meus amigos, meu distrito. E só por eles. O que a Capital faz é a coisa mais repugnante. Não merece o respeito de ninguém, e é uma diversão doentia. Não vou vencer pela Capital. Eu vou vencer por eles."
Agora, se leram o capítulo, comentem, por favor! Adoro saber o que vocês acharam, e leitores fantasmas desanimam.
Até o próximo capítulo!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Panem Et Circenses" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.