O Mapa Cor-de-Rosa escrita por Melanie Blair


Capítulo 32
Porta


Notas iniciais do capítulo

Capítulo novo!
Este vai em honra das nossas novas leitoras: Elaine, Versteckt e Matilde. Obrigada meninas!
Um grande obrigada a todos os que acompanham e que comentam!



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Sempre considerei as noites perigosas. Se me fixar no óbvio, direi que a escuridão, o silêncio e a fraqueza do estado de dormência das gentes são os factores ideais ao planeamento e realização de atos suspeitos, se não criminosos. Tais factores duplicam a sua eficácia durante a ausência de sono. De novo, a escuridão, o silêncio e a fraqueza do estado de dormência das gentes, que não me está a afetar, dão asas à desperta imaginação que, nunca cansada, vagueia pela minha mente, inibindo a minha racionalidade. Não admira que muitos dos terrores infantis se devam a este estado sombrio do dia. Até eu, já adulta, durante a noite, considero cada som um possível assassino em série. E a ausência de Christian, ressonando suavemente a meu lado, não ajudava.

Repensei cada segundo desde a minha chegada ao orfanato, há algumas horas atrás. Não tinha comunicado com ninguém, pouca permissão tive para erguer o olhar e/ou fitar, se houvesse, as mudanças deste sítio de que tanto me lembrava. Fui encaminhada para a parte sul do edifício, para este quarto, e desde então, aqui estou. A porta não tinha sido trancada, ninguém me proibira de sair, mas ainda assim sentia-me mais presa aqui que na prisão.

Depois de confirmar, mais do que uma vez, que o sono não viria a meu encontro em breve, decidi dar uso à liberdade, se o conceito ainda se adequa, que me deram. Levantei-me do colchão que me deram, usado, e, de roupas de noite, saí pela porta.

Os corredores do sul eram diferentes dos do norte, onde se encontram os alunos. Aqui, suponho, devem dormir todos os empregados do orfanato. E, por tal, têm direito a algum luxo. Não muito, mas ainda assim… Os corredores invés de branco sujo, eram amarelo-torrado. O chão, invés de cerâmica fria, era coberto por madeira. Aqui, havia grandes janelas. Lá apenas paredes, paredes. Um inferno um pouco mais paradisíaco, suponho.

Continuei a caminhar. Passei pela cantina, pelas salas sem me demorar muito em cada. Procurava algo em concreto, tinha um objectivo em mente. Percorri o caminho de que me lembrava, e que parecia ficar cada vez mais nítido.

Assim que senti uma contracção forte no peito, sabia que tinha chegado ao meu destino. A porta permanecia intacta, apenas um pequeno corte de faca ao pé da fechadura onde se podia distinguir um “E” maiúsculo tremido. Sorri, cheia de memórias, enquanto colocava a mão no puxador de porta. Estranhei. Estava fechada.

“Porque é que estava fechada?”, questionei-me. Normalmente as portas eram sempre fechadas durante o dia, mas não durante a noite. Durante a noite, não era necessário tal método. Eram destacados, todos os dias, professores para fazerem turnos de guarda. Andavam por um lado, pelo outro, nunca deixando um sítio sem supervisão mais do que meio minuto.

“Será que as regras mudaram? Portas fechadas? E os guardas? Ainda não vi nenhum, nem uma sombra se impôs no meu caminho… Será que se tinham extinguido?”, voltei a perguntar-me. Mas não demorei a obter uma resposta. Ao ouvir uns grunhidos vindos do fim do corredor, escondi-me. Mas antes ainda tive tempo para cair, e fazer um pequeno estrondo. Num canto, tentei controlar a respiração, diminuindo, assim, o barulho enquanto os vultos se aproximavam de onde, há pouco, me encontrava.

– De onde terá vindo o barulho?- perguntou um, percorrendo o corredor com o olhar.

– Vento? Chuva?- questionou-se o outro.- Quem sabe?

O primeiro suspirou:

– Podia ser se hoje fizesse chuva ou vento, ó estúpido.

– Eu sei disso, ó burro. Mas pode ser tanta coisa, que nem vale a nossa perda de tempo.- disse o outro.

O primeiro, ignorando o outro, tirou as chaves do bolso e abriu a porta.

– O que estás a fazer?- perguntou o “não perder tempo”.

– Este quarto, por algum motivo, é especial para o chefe. Sempre fechado, sempre interdito… Se descobrissem que alguém conseguiu entrar…

– Mas como é que conseguiriam entrar? A porta estava fechada…- insistiu.

– Não subestimes os putos…- clarificou o primeiro.

O outro reconsiderou a sua opinião, até suspirar:

– Mais vale prevenir que remediar.

Entraram assim pela porta. Ouvi-os murmurar que iam procurar no anexo do quarto, dando-me oportunidade de, apressadamente, entrar também e atirar-me para debaixo da cama.

– Vês? Não tínhamos razão para suspeitar de nada!

– Está bem, está bem, tinhas razão. Não falemos disto a ninguém!

E saíram, trancando de novo a porta.

Bem-sucedida na missão, levantei-me e inspeccionei o quarto. Era muito espaçoso comparado ao que me lembrava. O que era estranho, já que eu crescera, por tal devia ter diminuído. De repente, a razão assumiu-se. Das três camas que havia, só restava uma. Das três mesinhas de cabeceira, só se mantinha uma. Ambas se encontravam à frente da porta, debaixo da pequena e altíssima janela. Só restava o que me tinha pertencido: onde dormi, onde fingi estudar. Isso permanecia tudo igual, tudo no mesmo sítio, tudo onde eu o deixei. Como se a minha saída nunca tivesse acontecido. Além disso, percebi que ninguém fazia uso daquele quarto, pelo menos há tempo necessário para os tectos ganharem bolor.

Cansada como estava, não me ocorreu qualquer razão para aquilo. Queria subir à cama, mas não sabia se a madeira estragada iria ceder com o meu peso. Arrisquei.

A sensação dos meus pés, do que estava por baixo de mim, era a mesma. Do que estava acima, já não posso dizer o mesmo. Antes, para conseguir avistar o que estava para além do vidro, tinha que usar o colchão como trampolim, diversas vezes, até conseguir a altura adequada. Mas o verdadeiro desafio vinha a seguir: depois de conseguir a altura desejada, ainda não chegava à janela. Para tal, tinha de me conseguir empoleirar na beiraça da janela e de seguida erguer-me e, aí sim, ver o que pretendia. Se os meus dedos falhassem, se a minha força me deixasse mal, teria de começar o processo todo de novo. Tudo para ver uma árvore e, com alguma sorte, um vulto a vaguear pelos ramos, como se à espera.

Agora não precisava de tanto esforço. Agora um simples esticanço dava-me a paisagem desejada. Porém, agora, a árvore despida, não escondia nada, nem ninguém.

Desci da cama e sentei-me no chão. Não era aqui que pertencia. Mas entre estar aqui ou estar num raio de menos de 20 metros de empregados que se aproveitam de crianças… Senti-me no dever, e mais à vontade, em estar neste quarto. E foi a pensar nisto que, finalmente, o sono abalou-me. Como se estivesses estado à espera que eu estivesse confortável o suficiente para, aí, dar-me alteração para dormir.

Era de manhã. Alta manhã, já. A luz do sol vinda da janela começava a incomodar-me, o que só podia querer dizer que o sol já ia alto. O sol e a confusão do outro lado da porta. Tentei acomodar-me, virando-me para outro lado, mas o abrir da porta interrompeu-me.

– Esmeralda!- gritou uma voz. Parecia cansada e aliviada.

Raúl correu a meu encontro, como se preocupado. Abanou-me, como se para provar que eu não era uma ilusão.

– O que se passa?!- reclamei, ainda meia a dormir.

– Procurei-te por todo o lado, pensei que algo tinha acontecido…- esclareceu Raúl.

Ao pé da porta, agora aberta, encontravam-se, entre outras pessoas, os dois homens da noite passada.

– Mas como é que entraste aqui? ... Pensei que…- gaguejou Raúl.

Coloquei a minha melhor cara de inocência e disse:

– Oh? A porta estava aberta. Pensei que não houvesse problemas…

Ao ouvir isto, o meu “herói” mirou os guardas, chateado. Suprimi uma gargalhada. Eles estavam em sarilhos.


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Notas finais do capítulo

Tenho notado que alguns dos meus leitores têm deixado de comentar. Não estão a gostar? Se não, digam-me. Pode ser que cheguemos a um consenso.
Até à próxima!



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