Jason e Kim trabalharam a tarde toda na mercearia, mas não falaram em nada a não ser algumas coisas que Jason deveria saber sobre aquele emprego. Eram 17h30min. Só faltava a ultima cliente sair da loja para eles fecharem.

-obrigada, volte sempre – disse Kim pondo o dinheiro na caixa registradora, ela se vira para Jason – muito bem, hora de fechar – diz e sai de trás do balcão.

Eles trancam o lugar e saem. Jason esperava para saber se seria contratado ou não.

-e então? – pergunta ele

-falarei para o meu pai que você foi bem... Parabéns, você conseguiu... – diz Kim.

-mmm... Ta, a gente se vê amanhã na escola, tchau – diz Jason e dá as costas à Kim.

-tchau... – diz Kim.

Jason vai caminhando para casa, dava uns 25 minutos. Chegando lá vê Drew sentado no sofá vendo televisão.

“Drew sendo inútil... Como sempre” – pensa Jason

-oi! – diz Drew ao ver o irmão, que vai reto para o quarto – ah... – ele suspira – “é sempre assim...” – pensa Drew.

Jason, mais uma vez se tranca no quarto e deita escutar música. O jantar saiu às 20h. Depois deitou de novo e escutou mais músicas. As noites têm sido assim nos últimos seis anos.

Eram 4h da madrugada, Jason acorda com um ruído estranho. Era baixo, mas o sono de Jason era leve, muito leve.

“mas que porra é essa?” – pensa Jason e se levanta. Segue o ruído, vinha do quarto de Drew. Parecia com um filhote de cão chorando ou algo assim.

-Drew? – pergunta Jason abrindo a porta do quarto do irmão.

-Jason? O que... O que você faz aqui? – pergunta ele tirando a cabeça do travesseiro e olhando para Jason, seu rosto estava molhado.

“ele está chorando?” – pensa Jason. Não dava para ter certeza, mas era o que parecia sob a penumbra e o “barulho de um cãozinho chorando” – o que foi? – Jason dá uns passos.

-ah ta, como se você se importasse... – responde Drew. Jason dá as costas – não! Desculpa... Você tem um minuto? – pede Drew

-o que foi? – repete Jason sério, ele se senta na cadeira em frente à escrivaninha.

-hoje faz oito anos... – diz Drew secando as lágrimas. Jason olha no despertador: 1º de março. Ele sabia o que significava.

-oito anos... – repete Jason

-me desculpe, sei que você nunca gostou que eu bancasse o bebê chorão e que deve estar me achando um idiota agora por eu ainda chorar depois de tanto tempo... – ele falava aos prantos – mas eu não consigo ser tão forte como você... Quando ela morreu, eu me agarrei a você, por que você era quem melhor me entendia, quem sabia a dor que eu estava sentindo, pois estava sentindo a mesma coisa, a gente chorava junto... Mas aí, você mudou, eu me lembro bem, foram poucos dias depois do seu aniversário de 10 anos, você ficou mais duro, não ficava mais chorando como um bebê, seguiu em frente... Eu até tentei, mas eu não consegui, até hoje, oito anos depois... – Drew não conseguia mais falar, seus soluços não deixavam. Jason também não sabia o que dizer, olhava fixamente para o chão, talvez por não conseguir olhar para o rosto do irmão – sempre que essas datas chegam... O aniversário dela, o dia em que ela morreu ou qualquer dia que seja relacionado a ela, eu não consigo evitar... Jason... Me desculpe... – repete Drew. Jason levanta-se e sai do quarto. Drew afunda a cabeça no travesseiro chorando – “ele nem ao menos se importou... Acho que não posso mais contar com ele mesmo, chorar sozinho é a melhor opção...” – pensa.

-Drew – diz Jason que tinha voltado a seu quarto para sua surpresa – pega isso – ele entrega o mp4 para Drew – comecei a ouvir quando eu tinha 10 anos... Isso me acalmou...

-então se eu ouvir isso não irei mais sentir falta dela? – pergunta Drew

-não, isso apenas... Acalma, não sei explicar... – diz Jason

-virarei um... Cínico? – pergunta Drew

-não necessariamente... Eu sou assim por que... – ele olha para Drew, poderia revelar que se não fosse tão duro seria mais chorão que ele? – bem, eu não sei ser de outro jeito...

-mas você era... – Drew ia relembrar a infância, mas se lembra de que Jason não é mais uma criança, sua cabeça havia mudado – entendo...

-bom, eu tenho que dormir... – diz Jason e dá as costas a Drew.

-espera! – diz Drew. Jason olha por cima do ombro – essa é a primeira vez que você foi legal comigo em anos...

-não se acostuma – diz Jason e volta a andar.

-espera! – diz Drew. Jason olha por cima do ombro novamente – obrigado...  – Jason sorri e volta para seu quarto. Drew não era muito fã de rock, mas ficou ouvindo do mesmo jeito, como Jason disse, acalmava...

-mmm? – Jason acordou todo suado, eram 9h30min – sábado... – diz ele desanimado. Lembrou-se de que hoje sua tia, Tereza, iria vir a sua casa. Ela implicava muito com Jason por ele ser roqueiro, ela era crente e dizia que rock era coisa do diabo, algo assim...

Ele se levanta e vai tomar um banho. Pensava sobre a madrugada, não tinha certeza se tinha ido mesmo ao quarto de Drew ou se tinha sido apenas um sonho. Só tinha um meio de descobrir isso agora, voltar ao quarto do irmão e ver se o seu mp4 está lá. E é isso que ele faz, mas quando entra no quarto, nem o mp4, nem Drew estavam lá.

“mas cadê... Ah é... Ele tem curso de Inglês no sábado de manhã...” – lembra Jason.

Ele volta para seu quarto, seu mp4 estava em cima da escrivaninha e junto dele um bilhete escrito: “obrigado, irmão”.

Eram 11h e Tereza chegou, acompanhada de Débora e Wesley, os filhos dela, e, provavelmente os adolescentes mais certinhos e insuportáveis existentes. Débora tem 17 anos e Wesley 15, os dois só escutam musica gospel, vão aos cultos (a família é evangélica) quase todas as noites, e vivem tentando “converter” Jason.

-olá Marcio, Ketlin... Drew, como você cresceu! – dizia Tereza enquanto andava abraçando a todos – onde está Jason? – pergunta ela

-no quarto, eu vou chamá-lo! – diz Marcio e vai em direção ao corredor.

-oi! – entram Débora e Wesley

-oi – respondem Drew e Ketlin

-ahnn... Por que a bíblia? – pergunta Drew para Wesley

-é para o Jason, na ultima vez que viemos ele disse que não sabia se acreditava em Deus, e eu trouxe para provar – diz Wesley

-boa sorte... – diz Drew

-é... Eu sei que o Jason é osso duro de roer, mas vamos que vamos! – diz ele animado

“osso duro de roer, vamos que vamos... Em que século esses caras vivem?” – pensa Drew – ahnn... Pois é... – fala meio sem jeito.

-olá Jason! – Tereza abraça-o – puxa, você cresceu! – diz ela

-não, eu não cresci, eu parei de crescer aos 14 anos, e faz só dois meses que nós nos vimos – responde Jason

-mas que menino grosso, está na cara que continua a ouvir aqueles rock satânicos... – diz ela – aqui, filho, escute musica de verdade – ela coloca uma musica gospel qualquer no celular e começa a cantar, assim como os filhos dela.

-me chamem quando ela já tiver ido embora – diz Jason e dá as costas à família.

-nananinanão mocinho, hoje não! – diz Ketlin segurando seu ombro – hoje vai agir que nem uma pessoa normal e vai conversar com a família...

-ela só sabe falar de Deus e que rock é satânico, cara, eu vou dormir...

-não! Por que não tenta provar para ela que rock não é satânico, então?

-porque senão ela vai me encher o saco até que eu a xingue e ela vá embora puta, que nem das ultimas dez vezes... – diz Jason

-o que deu em você hoje, moleque? – pergunta Ketlin

“realmente, por que estou tão irritado?” – pensa Jason – nada – ele se senta no sofá.

-ei primo, olha o que eu trouxe! – diz Wesley

-que porra é essa? – pergunta Jason desinteressado

-o que parece ser? – pergunta Wesley, silêncio... – é uma bíblia!

-mmm... – diz Jason

-você se lembra da ultima vez que a gente veio aqui? – pergunta Wesley

-não – diz Jason

-ahnn... Você me perguntou “e como terei a certeza de que Deus é real?”, bom, a sua resposta ta aqui! – ele oferece a bíblia.

-cara, eu não to nem aí, sai da frente da TV – diz e empurra Wesley.

-ei! Não trate suas vizitas assim, desse jeito não voltamos mais aqui – diz Tereza

-ah, isso seria ótimo... – diz Jason

-vocês não iam mandá-lo para uma escola militar? – pergunta Tereza para Marcio

-resolvemos não fazer isso... – diz Marcio

-pois deveriam... – diz Tereza, ela se volta para Ketlin – eu estou com fome...

-ah, sim, o almoço está quase pronto – diz Ketlin.

Alguns minutos depois, todos vão para a cozinha, exceto Jason e Drew.

-ei Jason – aproxima-se Drew

-que? – pergunta Jason

-sobre ontem à noite... Fazia tempo que você não me dava um pouco de atenção, cheguei até a pensar que você não gostava de mim...

-uhum... – diz Jason olhando para a TV não prestando muita atenção. Drew sorri.

-obrigado pelo mp4... Sabe, até que Skid Row é legal... – diz ele

-sim – diz Jason

-meninos, venham almoçar! – grita Ketlin e eles vão.