King and Lionheart escrita por senhoritavulpix, Lichiaw, Sitriga


Capítulo 4
Segredos


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente queria pedir desculpas pelo atraso do capítulo! Agora sim já podem dar uma espiada nas memórias dessa ruivinha esquentada, fiquem à vontade. Mas sugiro que sejam cautelosos. (LichiaW)



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Ronan observava a primeira página do famoso caderno vermelho de Elesis com uma dúvida moral em seu coração. Se antes pudera abri-lo com tanta certeza, ver aquela folha amarelada pelo tempo, de escrita apressada e garranchosa, fora um golpe forte em sua empreitada. Leria mesmo aquilo? As vezes queria ter a impulsividade da amiga, para não discutir tanto consigo mesmo — o trabalho burocrático no reino podia não lhe ter feito bem, afinal.

Ele fitou aquelas palavras com respeito e curiosidade, mas sobretudo com a ânsia da descoberta, semelhante à das crianças que desobedecem aos pais, e encontram algo novo e inesperado. Sorriu, arteiro. Uma olhadinha não causaria mal, não é?

“Começar um diário não é algo que estava inicialmente em meus planos, mas é imprescindível, como um líder, que eu tenha um registro de vida e também de batalhas.

Se você está lendo este caderno agora e não é Elesis Sieghart ou não tem a minha autorização para isso, sugiro que largue este objeto imediatamente e afaste-se, no mínimo, uns cinco metros antes que eu arranque sua maldita cabeça.”

O Arcano não conseguiu conter um riso sincero ao ler isso. Aquela fala era de uma Elesis que ele havia conhecido muitíssimo tempo atrás. Uma moça impulsiva e, sobretudo, nervosa (não que o tempo tenha melhorado muito seu temperamento explosivo), que queria provar a toda hora seu valor e coragem. Podia lembrar perfeitamente o quanto ela os colocava em enrascadas, brandindo sua espada de um lado para o outro todo o tempo. Ignorando o aviso primordial, continuou com a ousada aventura.

Diabos... não sei exatamente como começar isso. Acho que um pequeno resumo de como cheguei a ser líder seria um bom início. Se, por ventura, daqui a muitos e muitos anos acharem esses registros e forem corajosos o suficiente para desrespeitar meu aviso, poderão dizer como foi a vida da grande general Sieghart de uma fonte confiável, e bardos poderão louvar e cantar a minha jornada e meus atos heróicos.

Nasci num povoado em Canaban, o reino das espadas. A família Sieghart mantém uma certa influência e fama por ali. Portanto meu nascimento foi motivo de festa e adoração, mas que, por outro lado, marcou o último dia de mamãe nesta terra. Talvez seja pelo fato de nunca tê-la visto é que não tenho tantas saudades dela assim, pois nunca provei do seu abraço, nem do som de sua voz. Papai evitava falar sobre aquilo e nunca tentou arrumar uma substituta, ele mesmo decidiu que deveria me criar, sozinho. Por isso sempre foi, e sempre será meu herói.

Na época ele comandava a guilda dos Cavaleiros Vermelhos, portanto fui criada no meio de um campo de treinamento, cercada por homens. Alguns disseram que essa convivência amadureceu-me até demais, e há quem diga sobre minha personalidade ser rude demais para uma dama; sinceramente não lhes dou atenção. Prefiro o calor de uma batalha justa a dar ouvidos àqueles que deveriam olhar a si mesmos; melhor um lança em punhos para defender o que se ama, do que usar vestidos pomposos e penteados estranhos para ser amada.

Tenho poucas memórias da guerra. Todas elas pairam nebulosas sobre minha cabeça, como um sonho recém-formado. Gerard, um dos membros mais próximos, contou-me que papai participava regularmente dos conflitos, por isso quase nunca voltava para a Ordem, me deixando sob os cuidados de uma ama. Não aparentava ser velha e era rechonchuda, chamada Annabel. Tentava fazer de tudo para me distrair do barulho das bombas que ocasionalmente explodiam n’algum campo ali perto, coitada.

Certo dia meu pai havia voltado para casa com resquícios de luta recente, avisando que descansaria por um tempo e logo depois voltaria à batalha. Depois daquilo ele nunca mais retornaria. Tentaram inutilmente me convencer de que tudo estava bem, mas sempre escutara boatos sobre o grupo que papai liderou havia sido exterminado, mas que, de alguma forma, Elscud escapara. Aquilo me encheu de esperança e a partir de então prometi que o traria de volta ao lar.

Com anos de treinamento tornei-me a melhor espadachim dos Cavaleiros. Todos os dias era desafiada por calouros e sempre os vencia, inclusive Gerard. Aos quatorze anos eu já liderava uma frente de cem homens com punho de ferro. Mas isso não era suficiente, não para mim.

Felizmente a caçada à Cazeaje ainda estava ativa, o que chamou a atenção de diversos guerreiros espalhados por Ernas. Por isso deixei minha terra natal a procura da Grand Chase e seu general. Após longa viagem, repleta de falsas informações sobre a verdadeira localização do seu quartel general, acabo por conhecer o comandante... bem, na verdade, para minha surpresa, era uma mulher. Logo que a vi pude perceber em seus olhos a experiência em batalhas…

Então, sem mais delongas, fui convocada para os testes finais, acompanhada por outras duas garotas, e uma delas simplesmente parece querer me tirar do sério. Pelo que investiguei e pelo que pude notar pelas suas habilidades ela é uma maga, provavelmente vinda de Serdin. Seu nome é Arme Violet. A outra, uma elfa, me pareceu bem mais normal, apesar de ter mais fala do que ação.

O rapaz não poderia imaginar que uma moça tão rude e grosseira como era Elesis na época poderia fazer um texto tão eloquente e bem escrito como o que ele estava lendo. Ainda que a letra fosse feia ou a escrita corrida, e que manchas grossas de tinta se espalhassem em alguns pontos do papel tornando-o ilegível em certos pontos, aquela era uma faceta que ele desconhecia nela. Ela empunhava a espada com tanta paixão que, se não fosse pelos raros momentos em que a via escrevendo, pensaria que não havia nada mais em sua vida além da força bruta, e que sequer fora educada para as letras — a despeito, é claro, na arte da oratória ela mostrava absoluto e completo domínio.

Agora sou, oficialmente, um membro da Grand Chase! Puxa!

Após passar facilmente pela Floresta do Desafio e a Torre Sombria, a Comandante Lothos parabenizou-me e contatou as rainhas sobre minha situação. Em seguida recebi um emblema dourado, o que me dava total liberdade em aventurar outras terras (tomem essa!). Oh sim, as outras duas garotas também passaram. Parece que agora seremos um time, eh? (Mas a maga ainda me irrita.)

Soltou um riso baixo. Se ela soubesse na época que elas não parariam de brigar, nem mesmo quando seus pescoços estavam em risco, talvez a história fosse outra…

Aqueles malditos oaks cercaram os muros de Serdin e pelo visto sobrou pra mim, quero dizer... para nós arrancarmos o couro daqueles bastardos e fazer uma bota nova. Espero que a comandante não se importe se formos sem o consentimento dela. Ora, somos a Grand Chase! Estou bem crescida para essas coisas. Assim que chegamos não pude deixar de notar que outra pessoa havia chegado antes de nós. Ele realmente sabia de muita coisa, mas não passava de um metidinho a besta sabichão, como ousa atrapalhar nossa missão? Lire (a elfa) insistiu em ressaltar que o cara era “bonitinho”. Lire, por favor, não.

O pior foi o idiota ter afirmado que seu nome era Sieghart! Como ousa usar meu nome assim com qualquer um?! Ahh, pois espero que esse magricela nunca mais atravesse meu caminho, se não... bom, ainda bem que ele sumiu, dizendo estar atrás da Grand Chase, mas o idiota não percebeu que ela estava bem ali na frente dele. E quem ele pensa estar chamando de ‘ruivinha’?!

Aliás, derrotar aqueles oaks não foi um trabalho tão complicado assim, todos eles são mais lerdos que lesmas.

Virou outra folha, entretido. Aquela maneira tão característica da Sieghart de falar fazia com que a leitura de algo que deveria ser sério fosse, na verdade, hilário. Ela era sem dúvidas muito corajosa e respeitável, tanto que muito cedo tornou-se líder não só da Ordem dos Cavaleiros Vermelhos, como também da Grand Chase. Porém era perceptível que ainda fosse imatura, a despeito de suas tentativas de tentar provar que já era adulta e crescida.

[...]

Não posso acreditar que levamos uma bronca da oficial! Que droga.

Logo após voltarmos ao quartel fomos avisadas que Cazeaje estava influenciando um pequeno bando de harpias pela região da praia Carry, assustando os moradores dali. Logo tratei de botar o pé na estrada e depenar aquela bunda gorda da Rainha Harpia e acabar logo com isso.

Não vou negar que adoro aquele cheiro de maresia e o vento que soprava do oceano, mas agüentar a Arme chiando sobre o quanto queria entrar naquele mar foi o fim da picada. Repeti umas cem vezes que não estávamos de férias! Mesmo assim fui completamente ignorada pela maguinha.

De fato as harpias estavam com uma aura diferente do comum, irreconhecivelmente (essa palavra existe?) maligna. Sua líder, a Rainha, era a maior delas e dotava de uma esquiva e velocidade espantosas, de início, mas foi fácil abatê-la, assim como suas subordinadas. Ao fim do dia estávamos cansadas e prontas para retornar ao quartel, não antes de ver Arme pular algumas ondas e ver o pôr-do-sol sentada na areia fria.

[...]

Tive pouco tempo para descansar e deixei de escrever por um tempo, me desculpe. Infelizmente aqueles oaks não descansaram e novamente atacaram Serdin, bastardos! Nossa nova missão era acabar de vez com eles, indo diretamente até o Oak Lorde que tramava seus planos diretamente do Templo Oak, localizado um pouco depois da praia Carry. Assim que passamos por lá e adentramos numa pequena faixa desértica, nós encontramos uma garota (provavelmente tinha nossa idade) sofrendo com a desidratação. Agora vem cá, quem diabos atravessa aquele calor escaldante com um martelo quase duas vezes maior que você?!

Após reanimá-la, notei que aquela arma que carregava poderia causar um grande estrago, então perguntei qual o motivo de estar ali. Rapidamente ela explicou que estava a caminho de Serdin procurando um grupo de nobres cavaleiros que pudessem ajudá-la a derrotar o mal. Desejamos boa sorte em sua busca e seguimos caminhos diferentes. (Agora lembrei que não sabemos seu nome... bem, enfim.)

Enfrentamos uma maldita tempestade de areia e fomos cercadas pelos monstros. Pelo menos eles vieram até nós. O Oak Lorde era imenso, mas nada que bons golpes em sua cabeça não o derrotassem…

[...]

Meus dedos tremeram quando ouvi novas notícias sobre o paradeiro de Cazeaje. Lothos nos avisou que o Gorgos Vermelho é um de seus “amigos” mais próximos e, portanto, sabia onde ela se encontrava. No entanto suas feridas se abriram demais quando terminamos a luta e a informação esvaiu-se junto com sua vida…

Nossa missão está apenas começando.

Antes de partir fomos saudadas pela Comandante, avisando que não mais faria intromissões em nosso caminho. Não que eu tenha ficado triste com o aviso, mas... foi um tanto quanto repentino, não sei.

Agora estamos a caminho da Floresta Élfica e algo me diz que Lire não irá dormir bem essa noite.

Uma coisa chamara a atenção do homem, naqueles parágrafos. Por mais que já tivesse ouvido as três garotas falando sobre o tempo em que eram uma armada de três, andando por Vermécia e combatendo o mal, era diferente ler os relatos. Parecia insuportavelmente amador mandar três adolescentes a missões que teriam uma grandes chances de machucá-las seriamente, mesmo com os melhores guerreiros de Serdin e Canaban envolvidos ou mortos na guerra. Ao mesmo tempo, se elas conseguiam derrotar seus inimigos tão facilmente quanto Elesis descrevia, eram realmente excepcionais no que faziam.

Como imaginei, a floresta estava arrasada. Já estava de espada em punho pronta pra abrir algumas cabeças quando ouço o grito estridente-destruidor-de-ouvidos da Arme, que apontava para um enorme lobo à sua frente. Bem, na verdade ele assumiu a forma humana em seguida, avisando sobre os perigos dali. Ryan (acho que esse é seu nome) estava bem ferido, pelo jeito havia lutado sozinho contra sei lá o quê, ao menos deixou alguns para mim.

Chegamos ao final da trilha, onde um troll bloqueava o caminho. Então era tudo influência da maldita Cazeaje, de novo! Depois que acabamos com ele o elfo druida perguntou se poderia juntar-se ao grupo. Bem, uma guerra não se faz sozinho, certo?

De acordo com meus mapas, logo estarei de volta à Canaban, quem diria.

[...]

O Vale do Juramento estava infestado de monstros enquanto passávamos por ali! Meu reino corria tanto perigo assim? Já havia visto alguns drillmons e talvez uma ou duas harpias que sobrevoavam estes céus, mas como se tornaram tão agressivas em tão pouco tempo...? Estou me cansando de tanta influência maligna... quando colocar minhas mãos no pescoço daquela mulher eu vou... [...]

Passamos sem problemas pelo desfiladeiro e.. ah! Antes que me esqueça, demos de cara com o líder da Guarda Real, um tal de R... sei lá, Ro-alguma-coisa. Não pude ver seu rosto graças ao reflexo do sol em sua armadura, mas devia ser mais um daqueles mimados, fresquinhos e cheios de frufru que servem diretamente à rainha. Foi embora assim que nos viu, avisando que estaria no castelo de Gaicoz, não sem antes conjurar uma magia de proteção e tirar seu nobre traseiro dali. Bem, pelo menos isso. [...]

O Draconiano corou violentamente ao ler aquelas palavras. “Devia ser mais um daqueles mimados e fresquinhos que servem à rainha” havia acertado-o como um soco no estômago, e um leve amargor veio-lhe à boca. Causava assim tão má impressão? Entristeceu-se por um momento em como a fiel amiga pudesse ter pensado isso dele. Lembrou-se, porém, que eram textos muito velhos e que eles mal haviam se conhecido no período, mas a lógica não conseguiu fazer com que se sentisse muito melhor. Na verdade, se perguntava qual seria a impressão que ela tinha dele no momento, e se havia mudado muito desde então…

Deu um jeito de conter o pensamento. Era de Elesis Sieghart que ele falava; ela ainda zombava dos modos civilizados dele vez ou outra, mesmo que o tempo que passaram em Canaban a tivesse domado consideravelmente.

Tenho cada vez menos tempo para escrever, e assim que consigo algum, sinto que me vigiam.

Já atravessamos um pântano, um cemitério e uma cidade abandonada, no momento descansamos na ilha do comandante Gaicoz, cujo corpo desapareceu após o derrotarmos. O guerreiro fantasma aceitou seguir Cazeaje em troca de vingança pela amada que perdeu. Será possível que as pessoas se agarrem assim a qualquer um apenas para rever aqueles que tanto o amavam? Digno de pena.

A consideração tão profunda sobre a vida e a morte pegou-o de surpresa. Por um momento, aquela garota explosiva parecia ter crescido durante as batalhas.

Aquele almofadinhas (Lire me disse que seu nome era Ronan), Ronalmofadinhas estava mesmo lá, como era esperado vindo de um cavaleiro real. Por sorte não ousou desobedecer minhas ordens, ah se tentasse! Pra ser sincera, ele cooperou mais do que esperado, e portanto decidi aceitá-lo como mais novo membro da ordem. Ok, vamos em frente... para a Terra de Prata. Nossa embarcação sairá em quinze minutos, então resolvi escrever daqui mesmo, no cais, enquanto os outros almoçam.

Não, talvez estivesse errado; ela não amadurecera muito, afinal. “Almofadinhas” fê-lo enrubescer de leve. Aquilo feriu-lhe um pouco o orgulho, e perguntou-se se já não seria hora de parar de ler e esquecer o que tinha visto. Fora curioso demais, e isso com certeza não agradaria Elesis se ela o encontrasse. Mesmo assim, movido por sabe-se lá o quê, permaneceu firme na leitura. Alguma coisa impulsionáva-o a descobrir mais de como ela via a relação deles. Começou a pular várias partes um pouco técnicas, com descrições de batalhas, golpes, armas e equipamentos novos, ou anotações de suprimentos e víveres, e deteu-se em achar nomes e lugares.

"Levamos mais tempo para atravessar a Terra de Prata do que o esperado. Há três meses enfrentamos chuvas torrenciais, desertos, lagos, pântanos e planícies cobertas por lava. Arme pegou um resfriado e fez o favor de passar para mim, obrigada. Tive febre durante uma ou duas noites, o que não me abateu facilmente (Ryan fez um emplasto com as ervas encontradas na Floresta Antiga e logo melhorei, parece que devo uma a ele).

Encontramos o último Cavaleiro de Prata, Jin (não vou me esquecer, não precisa repetir), nas Ruínas de sua antiga Ordem; presenciamos a morte de Paprion, o Dragão das Águas; e alguma mal-educada esquisita de orelhas pontudas cruzou nosso caminho, perguntando se havíamos visto seu amigo; tenho lá eu cara de babá? Aliás ela não me parecia com uma elfa...

Achamos apenas algumas pistas sobre Cazeaje, mas isso não me desanimou totalmente. Agora que estamos partindo para Ellia, o continente desconhecido, sinto que estou cada vez mais perto de encontrar meu pai.

[...]

Que praga, as folhas molharam!

Maldito continente e malditos servos da maldita Cazeaje!! Se já não bastasse ter que atravessar esse mar e quase ser afogada por uma ESTÁTUA GIGANTE, temos que agüentar esse calor infernal! Poderia socar a cara do primeiro catarrento que viesse falar comigo, primeiro por isso e segundo pelas frustrações que Ele/Ela está causando ao grupo (cansei de escrever seu nome). Fiquei confusa ao ver que seu corpo era masculino, apesar de Ronan ter explicado que aquele era um caso de possessão (hm, como ele sabia disso...?). Arme ainda está abalada por ter de matar sua veterana, Elena. Sei que ela é uma maguinha de araque mijona, mas acho que ser traída por um dos seus é forçar a barra."

Ele sabia daquilo porque fora possuído pela Rainha da Escuridão, e ainda tinha bem marcado na memória a lembrança desse fato doloroso. Na época, se envergonhava de contar e receava ser expulso da Grande Caçada por traíção, algo que se provara infundado com o tempo. Era a pior sensação do mundo, perder o controle de seu corpo e ver as atitudes que um outro ser toma em sua pele sem poder fazer coisa alguma. Um arrepio lhe percorria a espinha toda vez que pensava no assunto.

"Nunca estive tão perto... tão perto... Seria capaz de acabar com qualquer um para cumprir minha missão, mas meu corpo infelizmente está exausto mesmo com as magias e os cantos de cura sendo proferidos.

Amanhã avançaremos sobre a chamada Ponte Infernal para finalmente entrarmos no domínio Dela. Mal posso esperar.

[...]

Não sei o que escrever aqui hoje. Minha cabeça gira e aquelas palavras ainda ressoam como se eu estivesse vivendo novamente aquele pesadelo. Cazeaje está oficialmente morta. Posso notar que a Grand Chase respira um pouco mais aliviada, menos eu, que retorno ao ponto zero.

Pouco ouvi falar sobre fendas dimensionais, mas espero que não seja um lugar tão ruim... droga, droga... fui completamente estúpida e burra em pensar que conseguiria tão fácil completar meus planos.

Agora aqui estamos nós, Lire cozinha algo; Arme cochila; Ryan está sentado ao chão arrancando grama sem motivo aparente; Jin parece cantar alguma coisa, mas está tão baixo que mal consigo saber sobre o que é; Ronan, bem, parece curioso sobre o garoto que antes estava possuído por Cazeaje, e tenta conversar com ele. Nosso grupo cresceu muito ultimamente, agora que percebi…

Mas o que parecia apenas o fim marcou o começo de uma nova jornada em busca dessa “nova fonte” maligna. Não importa quem seja, vou esmagar sua cabeça com meus punhos!

[...]

[...] E você, Elesis de algum futuro distante ou não... espero que da próxima vez que ler isso esteja em casa comendo uma boa porção de carne assada ao lado de papai."

Como se o relato não o tivesse entristecido o suficiente, ver este último parágrafo comprimiu algo em seu peito e lhe umedeceu os olhos. Elesis escrevera aquelas palavras há tanto tempo, e mesmo assim a cena ainda era muito improvável de se tornar realidade. Notou que a página em questão apresentava pequenos círculos quase transparentes. Refletiu um pouco sobre isso até dar-se conta de que eram lágrimas, há muito derramadas. Havia também marcas engorduradas de dedos, como se o caderno tivesse sido segurado por longos períodos na mesma parte, por alguém que lia sem cessar as mesmas linhas. Com pesar, veio-lhe à memória a imagem das longas noites que via a companheira sentada absorta, olhando para o algum ponto fixo do diário.

"Houveram algumas discussões sobre qual caminho teríamos de seguir a partir de agora. Sem dúvidas partiremos para Xênia, a Terra dos Deuses, logo. Algum mal parece estar pairando novamente sob esses domínios, provavelmente o mesmo que ouvimos falar depois de Cazeaje.

[...]

Parece que querem me confundir cada vez mais que entramos nessa ilha. Deuses governantes, essências usadas contra a escuridão, aquele Sieghart bundão e aquela coisa rosa saltitante com voz de esquilo (sinceramente, Jin, como você quase explodiu ao vê-la?), tudo caiu em cima da minha cabeça de repente.

Tudo será diferente a partir de agora. Lidaremos com deuses... deuses! Já temos o apoio do Deus da Luz, Samsara (foi um pouco complicado conseguir sua confiança) e agora precisamos dos outros. Acho que vou precisar treinar um pouco mais meus golpes com os sabres…

[...]

Esse tal Sieghart não sai mais do nosso pé, cretino! Além de tudo sabe mais sobre meu pai do que qualquer outro, o que esse cara tem em mente?! E o pior é que suas habilidades são formidáveis!

Um novo guardião nos esperava nas sombras. Astaroth, este é seu nome, tentou nos barrar enquanto íamos ao Templo de Zig. A força que emanava de si era maior do que eu esperava, mas o bastardo fugiu assim que percebeu que havia nos subestimado. Por sorte Venese nos deu uma mão, se não teríamos virado churrasco. Da próxima vez que nos encontrarmos, aí sim ele conhecerá minha verdadeira força.

[...]

Fiquei sabendo que meu pai e Sieghart se encontraram antes do incidente. Ainda tenho esperanças! Porém a um tempo atrás algum estranho nos atacou, interessado especialmente na espada Soluna, e ainda carregava a habilidade suprema de minha família, passada há gerações!! Ah, esse será outro que vou torcer o pescocinho…

Ao todo já temos duas essências. Vamos em frente!

[...]

Passando por desertos, do calor torrencial ao frio congelante, até onde vamos chegar? Penso que Ronan não agüenta mais abusar de sua diplomacia com os deuses e seus guardiões, chega a ser até engraçado. Todas as suas tentativas acabavam sempre em novas lutas, e acho que nas próximas vezes a abordagem será outra.

Uma outra estranha apareceu e começou a nos seguir. Não lembra quem é, de onde veio, e muito menos seu nome; mas tinha um grande conhecimento sobre engenharia mágica e decidiu estudar meu queridíssimo antepassado (ainda não acredito que esse cara é da minha família). Pra falar a verdade essa garota ainda parece ser mais estranha que o outro estranho, deixando tudo mais estranho ainda! (?!). Tem alguma coisa em seus olhos que me deixam desconfortável (além deles serem de cores diferentes).

Aliás, qual a relação entre Periett e a deusa da Vida, Gaia?

[...]

Alguém observou algo interessante, esses dias. Faz quase três anos que nós estamos viajando. A pequena Grand Chase passou de três para dez membros.

[...]

Dessa vez foi Ryan que acabou por ter seus planos frustrados ao usar de diplomacia, bem, pois é como sempre digo: melhor forçar a dizer e aí tudo fica mais fácil.

Gaia estava realmente em perigo e conseguimos ajudá-la depois de uma árvore quase nos engolir (literalmente). Pegamos sua essência e finalmente vamos partir para destronar aquele “Deus Governante” metidinho, haha. [...]

[...]

Sabia que tinha alguma coisa naquela garota, ela não para de murmurar algo sobre... pedras da alma e um tal de Calnat. Espere, acho que já ouvi sobre isso... Depois disso ela caiu no sono e Sieghart teve de carregá-la.

[...]

É isso, nossa estadia em Xênia acaba por aqui, e três anos se passaram desde que saímos de Canaban. Vivi ótimas aventuras, com certeza, conheci pessoas estranhas e... um inimigo novo em potencial. Não imaginaria que Astaroth trairia o próprio Deus da Sintonia, e agora com sua essência sabe-se lá o que pode fazer.

Agora sei sobre a menina... Mari... parece que seu passado não foi lá muito bom."

A essa altura, Ronan já havia folheado dezenas de páginas, deixando de ler muitas coisas. Porém, do que havia visto, sentia uma mistura de nostalgia e culpa. Percorria rapidamente as linhas, passando quase sem perceber pelos relatórios de Áton. Parou somente quando o nome “Berkas” captou seu olhar. Avançou até Arquimídia, onde relembrou-se da Base e do Túnel dos Anões, e de como Duel havia roubado-lhes as essências dos deuses no Estado de Mjolnir. A escrita era densa, e era como se cada palavra pesasse consideravelmente. De súbito, anotações em vermelho apareceram. Com horror, percebeu que a tinta era sangue; na falta disso, a amiga aproveitara mesmo os próprios ferimentos. O singelo diário pessoal tornou-se um registro militar duro e inflexível. A ida ao continente das guerras sem fim deixou-a visivelmente mais madura e seca, apesar de que também menos precipitada.

O Inquisidor leu alguma coisa sobre o Grande Eclipse e a entrada de Lin no grupo de elite, seguido do sumiço repentino da Tecnomaga. Havia considerações sobre o Circo dos Horrores e o triste incidente do Expresso Hades, que marcou o último dia de vida de Harpe — a quem ela tratou com muito respeito, aliás. Mesmo com a dor da memória, ele não conseguia fechar aquele caderno maldito. Reviveu os momentos absurdos que tiveram na Torre das Ilusões de Caxias Grandiel, lugar esse onde novos integrantes juntaram-se à cruzada, sendo eles os demônios Dio e Rey, seguidos logo mais tarde pelos últimos integrantes, Azin e Holy. Tudo o que veio a seguir foi uma sucessão de folhas e mais folhas repletas de contas, cálculos complexos, estratégias e a contagem de armas, munição, homens e equipamento. O horror da guerra permeava aquelas notas.

O vento gelado do deserto castigava Elesis que ainda dormia na barraca, coberta com alguns panos que serviam de lençol. Alguma coisa fê-la acordar, talvez outro de seus incontáveis pesadelos. Esfregou os olhos, ainda úmidos de sono, e percebeu que o sol mal nascia. “Perfeito”, pensou. “Chegaremos logo em Serdin”.

Esgueirou-se até a entrada da barraca e empurrou de leve o tecido, tendo uma visão turva e incomum à sua frente. Ronan estava sentado no chão, completamente absorvido em leitura. “Por acaso ele dormiu? Como ele poderia estar lendo algo--" e subitamente sentiu um aperto no estômago. Voltou para onde dormia e revirou seus pertences até dar-se conta de que seu caderno estava em mãos de terceiros, suas preciosas memórias, seus relatos mais pessoais...! Dessa vez não haveria perdão, não por parte dela.

Saindo da barraca de supetão, praticamente jogou-se em cima do cavaleiro que ainda lia suas últimas páginas.

— ...O que pensa que está fazendo com isso?!! — Ela exclamou, arrancando o objeto das mãos dele. — Não vê que isso é pessoal?!!

— Ah... ah! Elesis, por favor, deixe-me explicar...! — Dizia, enquanto agitava a areia de suas roupas.

— Não!! Nem mais uma palavra sequer, seu... seu…!! — E num súbito acesso de raiva agarrou a primeira coisa que estava ao alcance da mão, sua mochila, e o ameaçou. — Como pôde... minhas... ARH! — trincou os dentes e lançou-lhe a sacola com toda força que reuniu no momento, desejando profundamente que aquilo se tornasse uma bola de fogo e o acertasse bem na cara. Por sorte estava praticamente vazia e o rapaz conseguiu desviar cobrindo o rosto com um dos braços. Infelizmente ela não estava satisfeita. A raiva por encontrar tal cena logo nos primeiros segundos do seu dia a deixava furiosa. Muitos outros objetos foram lançados sem piedade contra o Erudon, que tropeçou nos próprios pés e precisou do auxílio da sua égide para se proteger.

— Mas por que diabos foi mexer nas minhas coisas?!! — E olhando para o céu, como se rogasse naquele momento uma chuva de meteoros na cabeça do companheiro, Elesis descontou, parcialmente, sua frustração na própria barraca, desmontando-a com um chute.

— Mas... mas...!

— Vai ver só quando por minhas mãos em você...!! — Ela parou por um momento, levando as duas mãos à cabeça e soltando um pequeno gemido, imperceptível para o rapaz. Aquela tensão toda com certeza afetou seu estado mental e a cabeça logo começou a pulsar de dor.

— Elesis...? — Perguntou, saindo detrás do “abrigo”.

— Vamos embora. Agora. — Disse por fim, guardando o caderno em novo local seguro e recolhendo os restos do seu aposento.

O Arcano ficou completamente constrangido. Havia sido pego no ato, no pulo. Envergonhado, tratou de arrumar seus próprios pertences. Por uma ironia do destino, uma daquelas florzinhas medicinais raras e muito pequenas havia brotado ao seu lado, durante as horas que ele ficou vasculhando as coisas da amiga. Tratou de colhê-la e colocar entre as suas coisas. Algo que dizia que ele viria a ter muitos hematomas advindos daquela moça, aqueles dias.

Pôs-se a segui-la, mas não muito de perto — tinha a impressão de que aquela tempestade poderia se voltar contra ele a qualquer momento, como uma magia instável nas mãos de um aprendiz tolo. É, fora longe demais...


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Notas finais do capítulo

Não sei se notaram mas temos uma nova colaboradora conosco. Era para ela (Sitriga) ter aparecido logo nos primeiros capítulos, mas a moça errou o caminho e foi parar em Áton. Pois bem, de agora em diante nós três assumiremos a história e o destino de nossos chasers, fiquem atentos!



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