King and Lionheart escrita por senhoritavulpix, Lichiaw, Sitriga


Capítulo 2
Sombras no Deserto


Notas iniciais do capítulo

Olá! Muito obrigada por continuar a ler nossa fic. Agradecemos muito que esteja acompanhando-nos.No capitulo passado, Elesis acorda de um pesadelo sobre o passado sombrio, e é amparada por Ronan. Agora, vejamos o desenrolar da história.



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Os raios de sol penetravam tímidos em meio aos galhos das árvores, que balançavam suaves ao sabor do vento agradável. Havia amanhecido algumas horas antes, e a sensação térmica ainda era amena. No chão, era possível ver as sombras das plantas que dançavam, e insetos que enchiam os arbustos de cores. As árvores já não estavam tão densas, e era cada vez mais comum clareiras extensas aparecerem. Afinal, aquela era a parte de transição entre a diminuta Floresta de Canaban e o deserto do Vale do Juramento, e a pequena expedição de Elesis e Ronan, recém saída do reino, não tardaria a chegar às terras quentes da planície seca. Desse modo, eles aproveitavam ao máximo a estadia em lugar tão agradável para recolher alimentos e água enquanto ainda andavam na parte verdejante e fértil do mapa.

Havia um clima idílico e delicioso do lado de fora do acampamento. Porém, dentro da tenda a situação era inversa. Após largar no chão a pena a qual usava para preencher um caderno de capa vinho, que levava consigo havia um bom tempo a todos os lugares, e depois de limpar de qualquer jeito a sujeira que o tinteiro havia causado na esteira, Elesis bufou — e não era só pela bagunça que sua tinta havia feito. A herdeira dos Sieghart lia furiosamente, pela terceira vez, uma carta entregue ainda aquela madrugada por um dos mensageiros reais de Canaban, junto com um pombo-correio para que a dupla de viajantes respondesse a mensagem.

— Mas que droga — resmungou — Não se pode deixar esses babacas um momento sozinhos que já se engalfinham até a morte... — Pensou no companheiro de viagem, por um instante. Ele saberia como lidar com isso. Saiu desde cedo, o idiota. Onde será que se meteu...?

Não chegou a concluir o pensamento. Suspirou fundo e jogou aquela carta maldita no chão, e esta, por sua vez, caiu perto das armas da ruiva. Ela olhou-as, de soslaio, e uma espécie de angústia lhe apertou o peito. Quanto tempo fazia que não as usava de verdade? Estava há anos fora de combate, e havia um bom tempo que nem ao menos treinava sozinha como fazia quando era a Líder dos Cavaleiros Vermelhos.

Em anos de turbulência e caos, os guerreiros são indispensáveis, lutando com bravura pela causa que amam. Mas não precisa-se de guerreiros em época de paz. Elesis estava, definitivamente, deslocada com o novo papel que exercia. Diplomacia nunca havia sido o seu forte. Ela sentia vontade de voltar a treinar e lutar; empunhar novamente sua espada, sua lança, seus sabres. Passou tanto tempo ao lado deles que eles faziam parte dela. E, por mais que odiasse admitir, a guerra e o sangue também faziam, de algum modo.

Agora, porém, era obrigada a sentar-se durante longas horas para reuniões enfadonhas e participar de banquetes junto de líderes ambiciosos que queriam usar a imagem dela para que eles alavancassem socialmente. Por cortesia, tinha que posar para que artesões confeccionassem estátuas e pintassem quadros, e ainda por cima resolvia pequenas brigas e intrigas em aldeias. Às vezes, tinha mesmo que reerguê-las em lugares que as forças inimigas haviam mostrado seu poder.

Não dava para negar a enorme fama que a Grand Chase havia ganho após derrotarem Bardinard. Os poucos membros que voltaram para Vermécia foram recebidos como heróis, e a figura deles tornou-se não só simbólica, como lendária. Desse modo, Elesis e Ronan, os últimos resquícios da caçada e também os líderes dela, eram altamente cobiçados para eventos públicos e coisas do gênero. Ter um Herói de Guerra jantando ao seu lado confere ao anfitrião um enorme prestígio social e status. Resumidamente, por mais que não gostassem disso, ou mesmo concordassem, a mulher forte e o cavaleiro de cabelos azuis eram usados como marionetes políticas. Ser manipulada não era, definitivamente, o que ela almejava.

Mas, se os anos de guerra haviam desgastado-a, os anos de picuinhas internas fizeram um estrago ainda maior em seu ânimo. Ao voltarem para o reino em que nasceram, Elesis e Ronan depararam-se com a Ordem dos Cavaleiros Vermelhos e a Guarda Real de Canaban em crise. Ambas brigavam ao invés de unir-se. Cada uma delas reivindicava o poderio e proteção daquelas terras e, sem liderança fortes, as duas maiores Ordens definhavam. Os heróis perceberam que não poderiam mais ficar como líderes desses grupos: um símbolo lendário de cada lado geraria instabilidade no reino. Decidiram, pois, ajeitar as coisas, acalmar os ânimos dos seus homens e, por fim, passar “temporariamente” os poderes de líderes que eles tinham para outras pessoas, saindo com a desculpa de que tinham obras e coisas importantes a serem realizadas pelo continente.

O que, em parte, era verdade. Além da jornada para encontrarem Esculd, haviam outras missões menores. Naquele momento, os dois estavam em expedição pois haviam sido oficialmente convidados a comparecer a Serdin, a pedido da rainha. Mas eles sabiam que nas entrelinhas havia algo a mais do que isso. Além do pedido oficial, uma pequena nota foi mandada junto, cujo remetente era ninguém menos que Arme Glenstid, nessa altura desligada da Grand Chase para poder focar sua atenção sendo a Conselheira Suprema da Corte Real de Serdin e Líder dos Magos Violetas. Um título longo e muitíssimo prestigiado, oferecido à maga assim que ela voltou de Arquimídia com seus amigos de batalha.

Ao receberem tal convite, eles perceberam que havia algo errado. Primeiro pela nota simples e enigmática que a Arquimaga de cabelos violáceos havia mandado, pedindo para que eles comparecessem sem demora. Nota tão vulgar que incomodou um pouco, porque não havia nenhum acento de saudade ou emoção. Outra coisa sutil, tão incomum quanto o bilhete, era que Serdin havia enviado bons cavalos de corrida, e não cavalos de trote que são naturalmente mais resistentes a viagens longas. Isso indicava que era necessário agilidade na movimentação. Tempo mostrava-se como um fator crucial, e por entenderem isso, trataram de andar o mais rápido possível. E a viagem estava sendo executada com relativa rapidez, até aquele momento inoportuno em que notícias desagradáveis chegaram.

Elesis saiu dos seus devaneios. Com raiva, agarrou de novo a carta de Canaban nas mãos e enfiou-a de qualquer jeito em uma dobra da roupa. Sentou-se no chão, pegou a espada e, ao desembainhá-la, percebeu que havia perdido parte do fio de corte. Ferrugem insinuava-se em algumas partes, e manchas em tantas outras. Aninhou com carinho aquela arma perto de si, como uma mãe faz com um filho assustado pela chuva, enquanto lágrimas de amargura caíram no metal corroído. Não saberia descrever o seu estado emocional. Balançava em uma corda bamba entre o saudosismo e os ressentimentos.

Do lado de fora, os cavalos relinchavam tranquilos e comiam grama. A tenda, remendada e puída pelos anos, era a mesma que a grande líder da caçada havia usado em sua última empreitada, anos atrás nas Planícies de Artione. Aquela mulher ruiva poderia ter saído das batalhas, mas as batalhas nunca sairiam dela. A construção, que agora estava perto de uma clareira, nada mais era do que um tecido grosso costurado e enfeitado às pressas e preso em estacas de madeira de altura de um humano adulto. No entanto, aquilo era para ela tão precioso quanto uma casa em uma área rica de alguma cidade abastada. Ainda com a espada no colo, observou novamente as mesmas partes arrebentadas do pano que pediam remendo fazia algum tempo.

Pela brecha, do lado de fora, viu o dia bonito que se abria preguiçosamente. E foi por essa mesma brecha que uma mão afastou o tecido para o lado, para a surpresa e alívio dela. Escondeu instintivamente o caderno debaixo de um escudo.

— Ronan! — disse, em tom irritadiço ensaiado.

— Elesis. Enquanto você fazia nada, eu trouxe a janta, vê? Ele balançava dois coelhos pelas orelhas e um gordo ganso selvagem pelo pescoço.

— Ora, ora. Para um cavaleiro como você eu esperava ao menos um javali.

— Para suprir a sua fome, talvez. Mas para alguém disciplinado como eu, basta.

— Sempre gentil, não é?

— Você também.

Sorriram, enfim. Aquela troca de amabilidades era frequente entre eles. Não era preciso dizer com as palavras corretas que apreciavam a presença um do outro, e talvez até um pouco mais que isso. O homem colocou as caças em cima de uma esteira e sentou-se no chão para descansar um pouco.

— Vi o mensageiro que chegou esbaforido aqui, hoje de madrugada. Ele entregou as correspondências e já estava saindo, e como era melhor caçar cedo, resolvi que não iria te importunar no momento. Então, sobre o quê era?

— Ah... isso...? — tirou a carta dos trajes e entregou-a a ele, que passou os olhos pelas linhas — Nós dois não temos mais sossego! Isso aqui — e apontou o papel com o queixo, com desdém — é só o idiota do Gerard que perdeu o pulso firme. Não sei o que aconteceu com ele. Na época da Academia ele era o mais linha dura e implacável e até me perseguia. Deixei a liderança dos Vermelhos com ele de novo, mas agora ele manda às pressas um mensageiro dizendo que a situação entre a nossa Ordem e a Guarda Real voltou a ficar tensa e alertando que seria inteligente voltarmos logo para gerenciar isso. Cadê o carácter de líder dele? Será que os humanos precisam mesmo empunhar lâminas e ficar em constante ataque?

— E você, não?

Sorriu e levantou-se, pegando a caça e dirigindo-se para a saída, a fim de limpar as presas.

— Você deveria treinar. Gerard não é o único que está ficando mole. — disse, com uma voz irritante que variava da advertência ao sarcasmo, e acrescentou — E se não quiser que eu veja algo, esconda melhor.

E você, não?”. Aquela pergunta vinda dele pegara-a de surpresa. Nunca imaginou que ele fosse pensar em algo do tipo, todavia, era a realidade. Ela não sentia-se parte do mundo. Sentia-se fora dele. Pertencia, de fato, ao mundo antigo, na época que ainda precisavam de uma figura corajosa para salvá-lo. Aborrecida, pegou seus equipamentos que carregava inutilmente de um lado para o outro como parte do protocolo tácito de como deveria se portar, e carregou-os para fora do alojamento, a fim de limpá-los e poli-los e treinar uns golpes. Golpeou um boneco improvisado arduamente até a tarde cair, e ainda além disso.

O dia fresco logo foi embora, e a tarde amena deu lugar a noite quente, que veio com seus inúmeros insetos cantando a ópera noturna que só eles sabem executar. Não era de todo um incômodo. O chiar dos grilos era até confortável de ouvir-se para amantes da natureza. O que obviamente não se encaixa no perfil da dupla, mas isso não vem ao caso.

A lua estava cheia e majestosa no céu, e brilhava tanto que não seria preciso acender uma fogueira. Entretanto, como a carne carecia ser assada, era exatamente fogo o que Elesis tentava acender atritando dois pedaços de madeira, à moda dos caçadores. Além de cozinhar, o fogo também fazia fumaça, o que espantava um pouco aqueles incômodos pernilongos e outros bichos. Ela ouviu uma risada, oriunda de qualquer lugar.

— Você é uma figura. A lendária espadachim está há mais de meia hora tentando acender uma fogueira?

— Se sabe que estou aqui esse tempo todo, por que não ajudou, babaca? O jantar também é seu.

Ronan estendeu a mão e proferiu uma magia arcana simples, que fez com que os gravetos se incendiassem e estalassem. Um calor mágico e um perfume suave gostoso os envolveu.

— Isso não é justo — bufou — Magia não vale.

— Quem disse que não, bobinha? Além do mais, posso acender do modo tradicional, também. — pegou o pedaço de madeira grande e o graveto e friccionou-os de forma delicada. Alguns minutos se passaram até que uma fagulha pudesse ser vista. Depois, soprou suavemente em um chumacinho de palha, que se incendiou.

— Está vendo? Tem que ser delicado. Brutamontes como você é, deve ter feito do jeito errado. — Ela encolheu-se ainda mais, emburrada, e jogou um pedaço de pau na cabeça do companheiro.

— Então, como está dormindo esses dias? — disse em tom mais sério, olhando para a palha em chamas em sua mão.

— ...Bem, na medida do possível.

Não gostava de admitir que havia semanas que tinha péssimas noites, mesmo com as olheiras profundas que acentuavam-se a cada dia. Ainda antes de saírem do reino, ela teve mais uma noite de pesadelos e olhos repressores sob ela. Na ocasião, Ronan entrou no quarto ao ouvi-la gritar e chorar, e fê-la dormir. Ainda que a companhia do amigo durante a noite a acalmasse, não deixava de sentir-se um pouco infantil no dia seguinte.

— Você sabe que não tem problema em contar o que passa na sua cabeça pra mim, não é?

— Sim... claro. Sei. Olha, eu acho que a carne está esturricando.

Comeram em silêncio, tendo um jantar parco. O rapaz não insistiu no assunto com a dama, que tão logo acabou, se virou para deitar.

— Amanhã sairemos cedo e entraremos no deserto. Durma bem, o caminho é árduo.

— Como quiser. — Deitaram ambos de costas, observando o firmamento que estendia-se infinito sob suas cabeças.

— Bonita, não?

— ...Hm?

— A noite, boba. A lua está incrível, e o céu, limpo. Daqui posso enxergar até a Constelação de Ernasis. Ali, está vendo? — apontou um lugar, ao céu — perto de Armenian e Lisnar.

— Não consigo ver.

— É um pouco difícil, mesmo. Nessa época do ano Armenian brilha um pouco mais e ofusca as outras deusas.

— Alguém atrapalhando os outros... Isso me faz lembrar de uma certa amiga. — sorriu, ao lembrar-se das besteiras da maga violeta.

— É verdade. Aquela — e apontou para Lisnar — fica bem no meio de Armenian e Ernasis. Acho que é para evitar brigas celestes, não?

Elesis entregou-se a um riso leve. Com sono, logo dormiu embalada por uma doce cantoria do Erudon. Ele, por sua vez, ficou desperto perdido em pensamentos. Passou a mão de leve pelos cabelos ruivos da moça e observou atentamente a respiração dela; o subir e descer ritmado e calmo do seu peito indicava um sono tranquilo, finalmente.

O homem também não pôde deixar de notar o caderno de capa vinho que a amiga estava preenchendo havia muito tempo — mas ela nunca deixara-o ler as anotações —, e que nesse momento estava exatamente embaixo dela, coberto de maneira tosca. Uma garota ter um diário era uma coisa normal, mas Elesis definitivamente não era mais uma menina. Ele sabia que se ela escrevia algo em segredo deveria ser importante, mas também sentia que ela provocava-o. Pelas deusas! Se fosse realmente um segredo ela com certeza seria capaz de disfarçar melhor. E aquele joguinho absurdo entre eles começou a deixá-lo curioso e incitado, de algum modo.

Quem sabe um dia...


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Notas finais do capítulo

Bem, that's all. Já estamos trabalhando no terceiro capítulo, que é continuação direta desse. Na verdade era para ser um capítulo só, mas como ficaria muito grande, resolvemos cortar para não cansar muito vocês, hee.Não deixem de comentar! A impressão de vocês é muito importante.



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