King and Lionheart escrita por senhoritavulpix, Lichiaw, Sitriga


Capítulo 1
Coração de Leão


Notas iniciais do capítulo

Olá! Muito obrigada por optarem a ler nossa fanfic.

Esperamos que vocês apreciem a leitura. Nos esforçaremos para que esse seja um experiência única. Gostaríamos de contar com os comentários e apoio de vocês!



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Levantou os olhos lentamente para contemplar o cenário ao seu redor. O sol se punha lúgubre sob o campo de batalha, banhando os mortos com os seus últimos raios. O crepúsculo, a linha tênue entre a luz e as trevas, penetrava sinuoso na abóbada celeste, anunciando que a longa noite chegaria em breve.

A mulher forte, de cabelos acobreados, vislumbrou alguns companheiros de armas que jaziam no chão. Perto deles havia também os corpos imóveis de soldados do exército inimigo. Todos, sem exceção, foram trespassados, seja por magia ou espada, e estavam completamente irreconhecíveis. Ainda na semana passada eles bebiam hidromel e comiam em volta de fogueiras, planejando os ataques e contando histórias. Entretanto, neste momento, iam para o plano superior. "Ao menos estão em um lugar melhor agora”, ela pensou. E ela, a única figura de pé por toda a extensão, caminhou por entre os amigos mortos até chegar a um dos lanceiros inimigos.

Ela se abaixou para limpar a lâmina rubra de sua espada no corpo do homem, que tinha uma expressão de terror congelada em sua face fria. Terror da morte, que veio rápida e impiedosa, pela mesma lâmina que agora estava sendo limpa em suas vestes maltrapilhas e sujas. A mulher não deixou de ter um pensamento.

— Astaroth não estava em melhores condições que nós.

Surpresa, voltou-se para trás rapidamente, com a espada em punho e já próxima do pescoço do homem que havia proferido essas palavras. Se fosse antes, ela nem mesmo haveria permitido a aproximação. Seus instintos apurados e seu treinamento árduo haviam-na feito uma perfeita máquina de guerra, que nunca deixava-se surpreender. Mas agora, no meio de tanta desolação, morte e caos, ela havia baixado a guarda. De qualquer modo, o que ele havia falado era verdade, e era exatamente o que ela havia pensado.

— Depois de tantos anos de luta, até mesmo os recursos dele se escassearam. Olhe como ele mandava seus próprios homens à guerra.

— Ronan, seu idiota, você me assustou.

A guerreira guardou a espada na bainha, enquanto olhava para seu companheiro, que apresentava longos cabelos azulados e olhos de um azul ainda mais profundo e acentuado.

— Queira me perdoar, Elesis, mas um guerreiro nunca baixa a sua guarda. Eu voava em Týr procurando sobreviventes quando a vi, andando sem rumo. Vim ver se estava tudo bem com você.

— Está, sim. Eu... só estava limpando minha lâmina e pensando nos acontecimentos dos últimos dias... e em como tudo isso acabou...

— Caso já tenha acabado por aqui, podemos voar para o acampamento. A paliçada foi parcialmente destruída, mas continua sendo o local mais seguro por aqui.

Elesis Sieghart. Mais do que uma guerreira, uma sobrevivente. Viu naquele dia marcado por sangue muitos dos seus subordinados tombarem. Lutavam por um sonho, lutavam por um ideal, e acima de tudo, lutavam por suas vidas. Ronan, ao seu lado, junto com os membros originais da Grand Chase e mais alguns poucos soldados, eram tudo o que restara da resistência das terras livres de Ernas.

Caminharam a esmo por alguns minutos, ou quem sabe, horas. Em meio àquela pintura congelada de destruição, o tempo parecia não passar. Týr observava-os de longe, sob olhos semicerrados e cansados, porém atentos a tudo. Eles escalaram pilhas de corpos e reviraram outros tantos, em busca de sobreviventes, mas nada encontraram. Ao longe, ouviram uma lamúria e um cântico arcano doce e muito baixo. Com atenção, seguiram a melodia até se depararem com Holy e Arme debruçadas sobre um rapazola, muito mais jovem que elas, de talvez dez ou onze anos, que estava morrendo devido a uma lança que fora profundamente enfiada em seu peito. Um menino, ainda, mas que lutou com paixão e determinação contra pessoas muito mais velhas que ele. Um menino, somente, que empunhou uma lança maior do que ele. Como chegaram a esse ponto, de mandar crianças para o horror da guerra? Arme e Holy tentavam, inutilmente, curar o pobre garoto.

— Espíritos do fogo, da água e da terra, me deem forças. Tenham misericódia e me ajudem. Intercedam por ele e me ajudem a curá-lo. — Uma lágrima solitária escorreu por sua face, caindo no rosto do jovem e confundindo-se com as lágrimas do próprio. Sorriu docemente, falando que ia ficar tudo bem, mais para ela mesmo do que para ele e recomeçou a ladainha.

— Ó, espírito da justiça, mostre compaixão. Rezo para que o deus da morte não leve esse rapaz ainda tão cedo. Deusa da vida, peço que interceda por ele, por favor. Eu, vossa serva, humildemente me prostro aos seus pés. — E, assim como a companheira maga, a paladina voltou a se esforçar, entoando um doce cântico para a cura dos feridos.

O Cavaleiro de Canaban andou até a direção do grupo, e, estendendo a mão, também tentou ajudar o moribundo com sua cantoria arcana. Este, por sua vez, gemia e agonizava horrivelmente, de uma maneira que só os que sabem que vão morrer o fazem. Dado certo momento, olhou sereno para aqueles que tentavam salvá-lo. Sorriu de forma inocente e falou, entre sangue e palavras entrecortadas:

— Obrigado. Acabou.

Em um último surto de força, agarrou a lança que o feria e afundou-a ainda mais no peito. Parou de respirar ainda com o sorriso nos lábios, olhando fixo para o horizonte, onde Elesis havia permanecido. Horrorizada, Holy caiu em prantos, sendo consolada por Arme que chorava silenciosamente. A última sobrevivente da atrocidade havia desistido de viver.

Uma lágrima escorreu no rosto da mulher ruiva. Uma lágrima de remorso. Os olhos daquele menino fitavam-na com uma intensidade que ela nunca havia visto, mesmo entre os vivos. E mesmo assim, ele sorria. Sorria por ter morrido, ter deixado de existir e sofrer tanto. Anos mais tarde ela ainda lembraria do horror da cena e daqueles olhos miúdos que a olhavam.

Ainda nos dias anteriores ela havia visto o pequeno correndo com um balde de maçãs por entre o acampamento para entregar para um superior. Corria feliz, apesar de tudo. E agora, por culpa dela, que o deixara ir para o campo de batalha, ele estava no chão, sem vida. A situação da Grand Chase havia se tornado desesperadora a medida que o tempo passava. Bardinard, também conhecido como Astaroth, reunia mais e mais pessoas para o seu exercito de dominação enquanto as fileiras da resistência diminuíam a cada dia. Quando adultos guerreiros e suas crianças começaram a chegar nos acampamentos e postos avançados da Grand Chase, guiados pelo sonho de Ernas ser livre da tirania do pretenso novo deus governante, Elesis viu que a única solução para continuar lutando seria usar todas as pessoas disponíveis. E agora se arrependia amargamente disso.

— Valeu a pena? — Perguntou para si mesma.

— Ele não era mais uma criança, Elesis. Tornou-se homem desde o momento que segurou uma espada e matou um homem pela primeira vez. Morreu com honra, como um guerreiro.

Ronan pareceria frio aos olhos de qualquer outra pessoa, mas Elesis sabia que tinha razão. Não era momento de chorar pelos mortos. A paliçada não ficava muito longe, de maneira que o cavaleiro e a guerreira deixaram as companheiras se condoerem em paz em um momento tão difícil. Voltaram para onde estava Týr.

Týr era um dos melhores amigos de Ronan e de grande estima para a Grand Chase. Em verdade, ele era um enorme e belo exemplar de dragão vermelho, e no passado ganhou várias batalhas com o chicoteio de sua pesada cauda e suas chamas mortais. Agora, porém, estava desgastado após tantos anos de luta. Em seu corpo havia flechas cravadas em toda a parte, e a fina membrana das asas rasgava-se em certos pontos, dando momentos de instabilidade durante o voo. Outrora já havia sido gordo e bem cuidado, mas agora que comia a décima parte do que um dragão do seu porte deveria comer, para deixar mais alimento para os guerreiros, era possível ver seus grandes ossos marcados sob a pele. Seus olhos, que eram de um bonito verde, apresentavam naquele momento uma coloração doentia e ficavam constantemente cerrados, revelando o cansaço das décadas. Os dentes estavam amarelados e algumas escamas ao longo do corpo haviam caído, mostrando a pele macia por detrás dela; por muito tempo parara de comer metais — que fortaleciam as suas escamas — para deixar esse material para os mestres ferreiros. Mas, apesar de todo esse quadro de desamparo, era um dos melhores aliados da grande caçada. E ainda que aparentasse fraqueza, continuava a ser um dos melhores e mais fortes dragões de Vermécia, e talvez de Terra de Prata e além.

Não existia nada do tipo “Cavaleiro de Dragão” em Vermécia, porque os dragões são criaturas majestosas e imponentes demais para abaixaram a cabeça para alguém. No máximo, muitíssimo antigamente, havia os Cavaleiros Draconianos, que absorviam a energia dos dragões para sí depois de enfrentá-los e vencê-los, porém estes nunca foram realmente amigos. Entretanto, a relação de Týr e Ronan era diferente. Quando longe um do outro, Ronan poderia invocá-lo por algum tempo por meio de magia arcana. Devido a Batalha Final se aproximando, o grande réptil decidiu ficar sempre por perto.

Elesis fez uma pequena reverência ao se aproximar dele, como de costume. Ele bufou, balançou a cabeça e soltou duas volutas nuvens de fumaça pelo nariz.

— Você não precisa fazer isso, criança. — disse o grandioso lagarto, com sua voz gutural e altiva.

Subiram na garupa do grande lagarto vermelho, que abaixou-se para facilitar o embarque. Era uma cena realmente rara. Para subir nas costas de um dragão era necessário ter muito respeito dele, caso contrário certamente seria-se incinerado por somente pensar em chegar perto dele. E Elesis era, definitivamente, uma dama de respeito. Durante muitos anos guiou seus subalternos por entre batalhas, massacres e muito sangue, mas nunca fraquejou. Agora, porém, já não se sentia tão forte. Haviam vencido Astaroth numa batalha épica, que durara um dia e uma noite inteira, e ainda mais um dia, e suas aventuras e façanhas seriam cantadas por bardos por muitas gerações, e livros seriam escritos em homenagem aos guerreiros invencíveis. No entanto, não sentia-se feliz. Depois de tudo ter acabado, estava triste, e um vazio oprimia seu peito.

— Por que sente-se assim, criança?

Estavam em pleno voo, vendo de cima a planície onde ocorreu a Última Batalha. O acampamento, com a paliçada, não ficava distante. Mesmo assim, ficaram voando em círculos suaves.

— Planícies de Artione... Aqui também aconteceu a Primeira Guerra Mágica. Esse lugar é maldiçoado. — algum tempo depois, emendou — A… a criança. Eu... nunca vou me esquecer do menino.

Voavam envoltos em silêncio sepulcral. Elesis, sentada atrás de Ronan, abraçou-o fortemente e começou a chorar. Chorou como nunca ninguém havia visto-a fazer. Diante de tanto caos e desolação, diante de uma criança que havia se matado, Elesis não se sentia bem pela vitória sobre o Mal. Sentia-se, no máximo, um carrasco.

A noite finalmente chegou, fria e impessoal, envolvendo tudo em trevas. Lá embaixo, era possível ver uma fogueira, e ao redor dela, algumas pessoas. Mas a guerreira e seu cavaleiro continuaram no dragão por mais algum tempo. Em seus ouvidos, Elesis podia ouvir o chamado desesperador e opressor da morte, e sentiu os olhos do menino sob ela. E chorou ainda mais, como se seus pulmões fossem explodir.

Elesis acordou, sobressaltada. Colocou a mão em seu peito e respirou profundamente, por alguns segundos. Havia passado-se sete ou oito anos desde que a Grande Batalha na Planície, porém ela ainda era perseguida por seus fantasmas. Tinha pesadelos sobre aquele dia quase todas as noites. Ainda lembrava-se dos olhos daquela criança. Sentia o peso da culpa de todos os mortos em campo. Homens que deixaram suas famílias e suas mulheres, que esperariam ansiosas por muito tempo o retorno de seus maridos, até elas perceberem que não haveria retorno algum.

Havia também sete ou oito anos que ela não via muitos dos seus antigos amigos, os Veteranos da Grand Chase. Após o Dia Final, como os bardos haviam começado a cantar, e após estabilizarem a situação política de Ernas, muitos dos membros começaram a se distanciar. Ela nem sabia ao certo o destino que haviam tomado, e muitos sumiram no mundo para nunca mais dar notícia de seus paradeiros.

Ronan Erudon havia sido o único que ainda estava com ela. Os Cavaleiros Vermelhos e a Guarda Real haviam entrado em conflito para saber quem protegeria Vermécia, alguns anos antes, e Elesis e Ronan, seus líderes, perceberam que já não valia a pena gastar energia gerenciando aquelas fileiras de homens beberrões. Oficialmente, passaram o comando por hora para outras pessoas, e partiram com o pressuposto de cuidar da ordem de Ernas em lugares onde as Ordens não alcançavam. Mas eles sabiam que provavelmente não voltariam.

Elesis, está tudo bem?

Ao lado dela estava aquele belo homem, já com seus vinte e sete ou vinte e oito anos. Ela abraçou-o, enquanto lágrimas escorriam pelo rosto machucado da dama.

Está tudo bem, está tudo bem. Pesadelos de novo?

Não me deixe sozinha de novo, Ronan. Por favor. falou em um fio de voz.

Eu nunca deixei.

De fato, ele estava mais próximo da moça durante os últimos meses, resultado dos constantes pesadelos dela. Chegavam a dormir praticamente no mesmo quarto, durante algumas noites, devido ao crescente terror noturno dela.

Agora volte a dormir, está bem? Temos um longo dia amanhã.— olhou de relance para o papel de carta amassado em cima da estante, com o selo real de Serdin e a marca do anel da própria rainha — Eu fico aqui até você pegar no sono.

Fê-la deitar na cama, novamente, enquanto brincava com os cabelos ruivos dela, fazendo-a adormecer. Antes dela cair no sono novamente, pôde ouvir balbucios:

Papai…

Era verdade. Elscud fazia a mesma coisa quando ela era pequena e não conseguia dormir. E, passados tantos anos após seu sumiço, Elesis e Ronan ainda tinham a missão primordial de reencontrá-lo.




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Notas finais do capítulo

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