Menina Gaunt escrita por RafahAmorim


Capítulo 8
Conversas alheias


Notas iniciais do capítulo

Comecei a postar esta fanfiction no AnimeSpirit. Meu nome de usuário é o mesmo: RafahAmorim



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“Vamos caminhar.”, disse Tom pondo-se de pé.

Merope surpreendeu-se. Era quase fim de tarde, e estavam há mais de uma hora na biblioteca e ele estivera mais calado que o normal. Ela assentiu, fechou o caderno onde transcrevera suas partes favoritas de “Romeu e Julieta” e explicara o porquê de elas as serem, como Tom mandara, e levantou-se. Merope, depois de quase três meses de aula, já lia com facilidade e escrevia também.

Quando chegaram ao jardim da casa, Tom informou que gostaria de fazer uma caminhada por entre o vale. Merope nada disse e os dois desceram a encosta e seguiram pela rua. A garota só saía da casa dos Riddle para comprar suprimentos, na feira de domingo, que situava-se na praça. Tom não parecia se importar com os olhares das muitas pessoas que circulavam pela rua. Aquelas vielas não eram movimentadas, contudo o calor de início de agosto não permitia que as pessoas ficassem em suas residências. Ela nunca gostara do verão, porém, na mansão dos Riddle, o clima não era tão desagradável, ao contrário do casebre onde morava.

“Gaunt.” Era assim que ele a chamava desde que descobrira sua origem. No início, o modo de falar era pejorativo, mas agora só havia certa dureza.

“Sim?”, ela o mirou.

Ele permanecia olhando para frente com a expressão fechada, mas havia algo de diferente em seus traços que ela não sabia identificar. Como sempre, estava belo.

“Darcey conhecia Malfoy?”

Merope estranhou. Há dois meses acontecera a festa de casamento, e ele nunca mais mencionara o fato ocorrido na cozinha. Assim como a idosa, que, no dia seguinte, agira como se nada tivesse acontecido.

“Sim.”, respondeu depois de alguns instantes. Não queria falar sobre o assunto. A história agora já não mais martelava em sua cabeça, mas ainda era igualmente massacrante quando lhe vinha à mente. Nem se quisesse, poderia esquecer sua promessa de vingança.

Tom pareceu notar a voz hesitante da jovem porque não mais insistiu no assunto.

“Por aqui.”, estavam na entrada de umas das trilhas da floresta que cobria grande parte do vale. Tom seguiu na frente e ela permaneceu em seu encalço. Nunca entrara ali, mas não temeu. Havia grandes espaços entre uma árvore e outra, e, por isso, o sol iluminava perfeitamente a área até onde a vista de Merope conseguia alcançar.

“Por que estamos aqui?”, indagou após alguns minutos. Pensou que o jovem fosse dar uma resposta rude, para dizer o mínimo. Mas, para sua surpresa, ele rebateu com outra pergunta.

“Por que disse que tinha inventado a mentira sobre sua família para encobrir Darcey?”

Merope sentiu como se tivesse recebido um balde de água fria. Olhou para Tom e ele devolveu a mirada, mas permaneceram andando.

“Não precisa ter medo. Não vou contar aos meus pais.”, apesar da voz ligeiramente irritada, sua expressão só demonstrava intriga. Ele olhou a trilha à sua frente e ela também.

“Como sabe?”, ela sussurrou como se estivesse com medo de que um mísero aumento no tom de voz pudesse provocar a ira de Tom.

“Hum.” Franziu o cenho. “Quis saber o que falariam depois de descobertas. Por isso, acabei seguindo-as e ouvi atrás da porta.” Explicou com certa tranquilidade como se ouvir conversas de terceiros sem consentimento fosse algo perfeitamente comum. “Eu ainda achava que vocês estavam conspirando contra nós.”, acrescentou.

Então, pensou Merope, foi por isso que escutei aqueles passos.

“Se você ouviu nossa conversa”, começou com uma leve entonação de acusação. “Então deve saber o motivo.”

“Sim, mas aquilo não me pareceu uma explicação plausível. Até onde sei, as pessoas não costumam fazer atos de caridade a troco de nada.”

“Darcey me ajudou desde que me viu. Ela confiou em mim, sem nem ao menos me conhecer.”

“Convenhamos que você não possui a aparência de uma assassina.”, argumentou rindo brevemente para si mesmo.

“Que seja.”, deu de ombros. “Ainda assim, eu teria de ir embora, não teria?”

Ele pareceu ponderar a questão.

“Eu não assumiria a culpa de algo que não fiz por retribuição a um favor, mesmo que isso não fizesse diferença em minha condenação.”

“Não sou como você.” Falou antes que pudesse se conter.

“Eu sei. Não sou tão nobre assim.”, debochou sem se abalar. “Minha mãe continua achando que você inventou a história, e ela não tem uma impressão nada boa de você.”

“Como se isso também fizesse diferença. Ela continuaria não gostando de mim.”

Tom assentiu em concordância.

“Então foi por isso que você não se opôs, quando frei Augustus pediu que eu permanecesse em sua casa. Já sabia que não estávamos planejando nada contra sua família.”

“Não fiquei feliz com o pedido, mas foi isso, sim.”, concordou.

“Você ouviu nossa conversa.”, refletiu depois de uns segundos.

“E você vai fazer o que a respeito? Falar com meus pais?”, ironizou desafiando-a a parar, obrigando-a a encará-lo.

“Nada.”, disse. Ele quebrou o contato visual e voltou a andar. Merope repetiu o gesto.

“Por que você teve tanto ódio de mim desde o início? Você nem sabia de quem eu era filha.” O modo repentinamente rude que ele usara para se dirigir a ela, lembrava o jeito como ele tratara-a quando chegara à residência.

“Foi sua aparência, na verdade. Seus olhos, mais especificamente.”

“Como? Pensei ter te ouvido dizer que não pareço uma assassina.” Apesar do tom descontraído, Merope sentira seu estômago encolher ao deduzir que ele a achava feia.

Ele riu. De novo. Isso mesmo? Tom Riddle rindo de algo dito por ela? Reparou que ele rira mais ali do que em qualquer outro momento desde que se conheceram. O som era gostoso aos ouvidos.

“Não foi isso o que eu quis dizer.” Sua expressão subitamente escureceu. “Seus olhos me lembram seu pai.”, informou sombriamente.

“O que...?”

Antes que pudesse completar sua pergunta, ele a interrompeu.

“Quando eu tinha treze anos, estava andando por uma trilha próxima a essa até que seu pai e irmão apareceram. Eles provavelmente haviam feito algo de errado, porque estavam apreensivos quando surgiram na minha frente. Assim que me viram, concluíram que eu ia dar com as línguas nos dentes. Arrastarem-me floresta adentro. Eu garanti que não contaria que os tinha visto, porém, não quiseram me ouvir. Seu irmão quis me matar, mas Gaunt sabia que meus pais eram influentes e que isso traria grandes problemas; decidiu que um susto bastaria. Jogaram-me dentro de um poço que havia numa clareira distante. Quebrei a perna com a queda. Já estava escuro quando isso aconteceu. Fiquei naquele lugar por três noites e três dias. Quando a polícia me encontrou, eu estava abalado demais para falar alguma coisa. Mas assim que me recuperei, delatei os dois. Ambos foram presos, porém eu não me esqueci dos olhos de psicopata do seu pai.”, cada frase era falada com muita rigidez. Não pararam de andar um instante sequer.

Merope não soube o que dizer. Estava chocada. Tentou se lembrar das inúmeras vezes em que sua “família” fora presa. Foram tantas... Talvez fosse naquela, quando tinha dez anos e ficara sozinha em casa por uma semana. Os poucos alimentos que tinha nos armários podres duraram três dias mesmo que racionados. Merope quase morrera de fome.

“Sinto muito. Se eu soubesse...”

“No primeiro momento,” Cortou como se não tivesse parado de relatar o acontecido. ”o meu comportamento, em relação a você, foi pura defesa, quase que um reflexo. Porém, a minha ira por descobrir que era filha dele, não era por achar que você estava planejando algo. Foi por saber que a descendente daquele desgraçado estava debaixo do mesmo teto. E, é claro, havia a fúria por saber que tinha sido por sua causa que ele não havia sido punido corretamente.”

“O que?”, indagou alarmada parando de andar. Tom virou-se.

“Como acha que deduzi que você era herdeira de Gaunt? Não era só o formato dos olhos. Eu sabia que ele tinha uma filha. Seu pai e irmão só foram soltos porque alguma alma caridosa lembrou-se, na delegacia, que você existia. A mesma pessoa pediu que perdoassem seu pai porque ele tinha problemas mentais, mas que não voltaria a repetir o erro porque sabia que seria mais severamente punido. Meu pai, como um homem bom que é,” — estava claro o tom de escárnio — “aceitou retirar a queixa desde que garantissem que ficariam bem longe de mim e do resto do povoado. Ele já estava farto dos problemas que causavam antes disso. Desejei que você não existisse por ter feito o culpado pelos meus pesadelos ser solto.”, Tom agora a queimava com o olhar. Parecia que recordar aqueles acontecimentos, despertara sua raiva que estivera adormecida.

Merope retraiu-se imediatamente. Tom a mirou e respirou fundo.

“Eu sei que a culpa não é sua, ok?”, disse exasperado. Voltou ao seu caminho e ela o imitou, instantes depois.

“Por que você continuou vindo aqui mesmo depois do que aconteceu?”, foi o melhor que pôde fazer. O que mais diria? Desculpa? Não mesmo.

“Demorei três anos para voltar.”, respondeu sem se virar.

“Mas você vivia passando pela minha antiga casa. Foi assim que descobriu quem eu era.”

“Era uma espécie de afronta. Seu pai estava solto, mas eu queria que ele soubesse que não podia se meter comigo, que poderia me ter a alguns metros de distância, e, ainda assim, não poderia me fazer mal. Era minha vingança infantil e estúpida. É claro que levei uns três anos para ter coragem de voltar àquela estrada. Nunca mais o vi. Em nenhuma das inúmeras vezes que passei por ali. Fiquei frustrado, no início, mas depois descobri que aquela é uma ótima rota alternativa para chegar à Great Hangleton.”, explicou, mas seu tom de raiva se esvaíra. Será que ele já contara aquilo a alguém? Pelo modo como falava, parecia que não.

Merope concordou internamente. Aquele realmente era um motivo estúpido.

“Nunca imaginei que minha presença lhe fizesse tão mal.”, sussurrou. O céu já estava escurecendo e as árvores, àquela altura, eram mais próximas. Merope já não conseguia enxergar muita coisa a sua frente.

“Já percebi que você não tem aquele brilho demoníaco nos olhos. E, obviamente, você não puxou a ele.”

Puxei à minha mãe, pensou Merope. Ela nunca sequer vira uma foto da mulher que tinha o mesmo nome que o seu, mas aquilo era óbvio, já que ela em nada se assemelhava ao pai. A exceção dos olhos, agora sabia.

“Como você se lembra tão bem do rosto do meu pai?”

“Você não esquece a face de alguém que lhe fez algo muito traumatizante. Já fazia algum tempo em que não me recordava do acontecido, acho que foi um mecanismo da minha mente. Mas assim que te vi, algo, talvez um alerta, disparou em mim. Apenas a visão de sua casa, trouxe tudo à tona.”

Distraída pela conversa, Merope quase tropeçou num tronco saliente que estava no meio do caminho. Não fosse por Tom segurar-lhe pelo braço, teria levado um tombo feio.

“Preste atenção por onde anda.”, falou rispidamente depois de soltá-la.

“Obrigada.”, murmurou envergonhada.

Agora as árvores voltavam a se espaçar uma das outras. Para sua surpresa, estavam vendo a mansão dos Riddle. Aquela trilha dava na parte de trás da casa. Merope nunca imaginaria que aquela floresta era tão grande. Sequer notara o quanto caminharam e a elevação que subiram para chegar àquele ponto.

“Você entra pelos fundos. Não conte a ninguém sobre isso.”, disse Tom quando estavam quase saindo da imensidão verde. Ele apressou os passos e logo sumira de vista.

O que ela esperava? Um beijo de despedida? Afastou os pensamentos e fez o que ele mandara. Darcey não pareceu muito convencida quando ela disse que perdera as horas andando pelo vale. A empregada estava visivelmente preocupada, e Merope sentiu pesar ao ter que mentir. Aquela senhora realmente se importava com ela.

Horas mais tarde, sem conseguir dormir, ela foi à cozinha pegar um copo d’água. Ouviu vozes na sala, e, movida pela curiosidade, seguiu para espiar.

“Essa é a última vez que teremos essa conversa. Não me interessa o que você quer. Já está decidido. Em setembro, você estará partindo para América. Quero que seja o melhor aluno de medicina que Havard já viu.”, Thomas falou e subiu as escadas que ficavam no hall. Tudo estava escuro, e, por sorte, o senhor passou direto por ela, sem notar sua presença. De onde estava, não poderia ver Tom, mas concluiu que era com ele que o dono da casa falava.

Suspirando de alívio por não ser pega e absorvendo as palavras do homem, ela encostou-se na parede e fechou os olhos.

“Já te disseram que é muito feio ouvir atrás da porta?”, Tom sussurrou em seu ouvido. Antes que o pânico lhe invadisse, um arrepio sem igual percorreu toda sua espinha. Ela abriu os olhos lentamente e o viu muito próximo. Não conseguiu entender o que significava aquela expressão, mas com certeza não era raiva.

“Estamos quites.” E sem olhar para trás, ele subiu as escadas.


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