O Cisne Acorrentado escrita por louisevondini


Capítulo 8
Capítulo 8




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— ENTÃO VOCÊS ESTÃO juntos de novo?

Shun Amamiya mordiscou um biscoito e tomou um gole de café.

Eram quase sete da manhã e ele estava acordado desde as cinco, como de costume. Havia preparado biscoitos caseiros, café e leite quente, o que mais gostava de comer pela manhã. Mas mal os biscoitos ficaram dourados no forno, seu irmão bateu em sua porta.

Ikki estava preocupado por Shun ter ido embora ontem sem se despedir. E por mais que Sora de Aquário tenha lhe dito que ele havia voltado para sua casa com Hyoga, isso não deixou Fênix menos receoso e apenas aumentou seu ciúme do irmão que parecia estar rompendo todas as barreiras desde que se reencontraram.

A controlada e delicada voz do irmão mais novo se fez ouvir no silêncio que havia tomado conta da cozinha enquanto Shun pensava nas várias interpretações que aquela pergunta poderia ter, apesar de haver, para ela, apenas uma resposta.

— Sim.

Ikki murmurou algo incompreensível, mas desdenhoso, enquanto pôs um biscoito na boca.

— Você ama esse desgraçado, não é?

— Sim.

— A ponto de esquecer o que ele te fez?

Os olhos verdes de Shun cerraram-se numa expressão de surpresa que não pôde conter. Tocou levemente sua orelha, tentando achar algo que pudesse lhe dizer que não havia escutado o que seu irmão dissera, que fora apenas uma ilusão. Mas Ikki voltou a repetir a pergunta.

Seria possível que todo aquele tempo seu irmão soubesse do que realmente acontecia entre ele e Hyoga, e não do que Shun tentava quase desesperadamente mostrar para os outros — que estava sempre feliz?

Sorrisos falsos... Uma felicidade que ele não sentia, mas imitava tão bem que ninguém desconfiava.

Ou quase ninguém.

— Não me olhe desse jeito como se eu fosse tão idiota a ponto de não ter percebido. Ou você esqueceu que eu sou irmão? Nós somos gêmeos, Shun. Gêmeos que nasceram em datas e anos diferentes, mas tão ligados que eu sinto você e eu sei que você me sente. E todo o teatro que você armava sobre si mesmo nunca me convenceu. Eu sabia. Vocês dois nunca estiveram realmente juntos. Ele não te amava, mas você o amava. Você preferia tudo aquilo a não tê-lo por perto. Você sofria por ele. Eu sabia.

Um suspiro longo e cansado ecoou pela cozinha. Shun Amamiya perdera a fome.

— Você nunca me disse que sabia. Eu pensei que você acreditava, como todos os outros.

— Eu também sou um bom ator — disse Ikki com um sorriso sarcástico. — Eu nunca disse nada porque era o que você queria. Se eu tentasse matar Hyoga você interferiria, se eu tentasse separar vocês dois, você não iria deixar. Se dependesse de mim eu te tirava de perto dele o mais rápido possível, mas eu sabia que você ficaria ainda mais triste.

Shun sorriu melancolicamente. Ajeitou as mechas verdes que escorriam por seu rosto atrás da orelha e fitou os olhos do irmão por um longo tempo.

— Você foi realmente um bom ator. — Murmurou, seu sorriso se tornando mais gentil.

— Mas você não respondeu à minha pergunta. Você o ama a ponto de esquecer?

Shun fitou a parede à sua direita. Ali, atrás daquela barreira de madeira tão escura que quase se podia confundir com preto quando a luz do sol não a alcançava, ali atrás estava seu quarto onde Alexiei Hyoga ainda dormia. Shun Amamiya não sabia que ele dormia até tão tarde. Nunca teve a chance de saber até hoje.

— Alexiei... Ontem ele me pediu desculpas e eu o perdoei, me pediu uma segunda chance e eu dei a ele. Eu tinha dúvidas e não nego, muitas delas. Até ontem à noite, onii-san, ainda me perguntava se ele não estava mentindo para mim. Uma dúvida nascia a cada segundo em que eu o via, por mais que seus olhos dissessem a verdade. Você sabe... Eu acredito nos olhos, eles não mentem. Mas, mesmo assim, ele teve que apagar todas as minhas dúvidas, uma por uma. E elas desapareceram.

“Ele está lá na minha cama, dormindo. E se alguma vez eu fui tão feliz como hoje, não lembro. Isso responde à sua pergunta?”

Ikki Amamiya sentiu um leve tremor na espinha que subiu até suas mãos e fez a xícara de café estremecer. Ele a pôs rapidamente sobre a mesa. Sua mão percorreu os cabelos até a nuca.

— Responde.

 

 

Loren Manara segurou firmemente a corrente e lançou-a no ar com o braço na horizontal, onde sua mira era sempre melhor.

Acertou a primeira pedra, a segunda, a terceira e, por fim, a quarta, que estilhaçou-se no chão fazendo o barulho ecoar pelas velhas paredes do templo de Peixes. Era apenas um pequeno treino, que sempre costumava praticar quando não tinha mais nada para fazer. Uma diversão.

Pegou a primeira pedra, colocando-a novamente onde estava, para acertá-la mais uma vez, quando ouviu uma palma solitária vindo da direção da entrada do templo.

Ele ergueu os olhos e viu o rosto delicado de Sora aparecer das sombras, onde a luz do sol não chegava.

— Você tem uma boa mira — disse o cavaleiro de Aquário. — Porque não desceu até a área de treinamento? Lá tem mais espaço, e é mais claro. Herr Milo me mostrou hoje de manhã.

Loren continuou juntando as pedras do chão e colocando sobre a bancada de mármore rachada e desgastada pelo tempo.

— Aqui posso me concentrar melhor — disse secamente, voltando à sua posição, enrolando a corrente no braço.

Gut1 — Sora aproximou-se, analisando as pedras. — Eu sinto atrapalhá-lo. Mas Herr Shun pediu que viesse aqui chamar você. Ele está lá em casa, fazendo o almoço.

Loren parou o que fazia por um momento e olhou fixamente para Sora que corou.

— Nem eu... Nem o Mestre somos bons cozinheiros... — murmurou o cavaleiro de Aquário. — Herr Milo não gosta de cozinhar, por isso seu Mestre veio fazer o almoço pra nós.

— Ocasião especial?

Nein. Seu Mestre pediu. Ele disse havia muito tempo que não fazia comida para mais de duas pessoas.

Loren sabia que Shun de Andrômeda fazia da cozinha sua terapia pessoal. Não era raro que seu Mestre usasse a comida para lhe ensinar alguma lição. E os trabalhos de casa, geralmente, eram tidos como parte do treinamento. Loren lembrava-se muito bem das vezes em que, enquanto varria a casa, seu Mestre o atacava de repente com uma outra vassoura e se ele não terminasse de varrer a casa enquanto lutava, teria que pagar com um mês de trabalhos forçados no jardim. Mas Loren sempre conseguia varrer a casa a tempo, a não ser da primeira e da terceira vez.

O cavaleiro de Peixes deixou a posição de treinamento, relaxando os braços por onde a corrente escorregou até sua mão, prendendo-se na pulseira de ouro, mas logo se desvencilhando.

Os olhos de Sora pairaram sobre ela e ele tocou levemente seu próprio pulso onde uma das pulseiras de Eros brilhava. Um leve sorriso se estampou em seu rosto.

— Você ainda está usando... — murmurou o cavaleiro de Aquário, quase inconscientemente.

Loren estreitou os olhos castanhos e fitou a pulseira que usava. Não sabia exatamente porquê ainda estava com ela, se era porque foi um presente de seu Mestre ou porque, afinal, era a pulseira de Eros e Sora usava a outra. Observou calado o cavaleiro de Aquário corar quando se aproximou dele, tocando seu rosto, analisando os olhos azuis que piscavam inocentemente e os lábios pequenos e macios que tremiam.

Talvez fosse desnecessário dizer que Sora era um homem bonito. Mas Loren Manara disse.

— Você é lindo — sua voz saiu num sussurro que fez todos os pêlos do corpo do cavaleiro de Aquário arrepiarem e um suspiro saiu dos lábios de Sora, preenchendo o silêncio ensurdecedor.

— E... Eu... — mas Loren não permitiu que ele continuasse, fechando seus lábios com o dedo indicador.

— O almoço. É melhor nós irmos — foi tudo que disse, afastando-se e caminhando na direção da porta.

Sora suspirou novamente e xingou baixinho o cavaleiro de Peixes por deixá-lo naquele estado. Seguiu Loren até a saída do templo, estava faminto.

***

Shun de Andrômeda contemplava a vista da entrada do templo de Aquário enquanto esperava a comida ferver na cozinha. Há mais de cinco anos não preparava tamanha quantidade de comida e variedade de pratos, e pensou estar desacostumado, mas conseguiu fazer tudo sozinho porque Milo apenas sentou numa cadeira e começou a tagarelar e fazer graças, enquanto Hyoga apenas prestava atenção no cavaleiro de Andrômeda, para ver se aprendia alguma coisa.

Sorriu intimamente sem saber exatamente o porquê e encostou a cabeça em um pilar, cruzando os braços e sentido o vento bater em rosto e levantar seus cabelos soltos.

Tinha uma enorme vontade de passar o resto do dia ali, olhando para o nada e para tudo, sentindo o vento e alma do mundo tocando a sua, porque, agora, finalmente, ele estava feliz. Plenamente feliz.

Sentiu leves dedos tocarem suas costas e, então, foi abraçado por trás e beijado no pescoço. Estremeceu de prazer e suspirou. O cheiro de Hyoga Yukida — uma mistura de sensualidade, solidão e amor — se espalhou ao seu redor e Shun sorriu.

— A comida vai queimar — disse o cavaleiro de gelo.

Iie. Eu sei o que faço.

Shun virou-se para contemplar o rosto do homem que amava e selou os lábios de Hyoga com os seus, um beijo gentil como estava seu olhar.

Os braços de Hyoga voltaram a circundar a cintura fina do cavaleiro de Andrômeda e os dois se abraçaram por um longo tempo, sem palavras nem gestos, apenas um querendo estar perto do outro, porque cinco anos era um longo tempo e cada segundo era um momento único.

Só voltaram à realidade quando ouviram passos na escadaria e viram Loren caminhar sem pressa na direção da entrada do templo de Aquário, seguido por Sora que corou mais uma vez quando viu os dois Mestres abraçados.

— O almoço está quase pronto — disse Shun, sorrindo, aproximando-se de Sora e pegando em suas mãos. — Então, você disse a ele? — Sussurrou; os lábios próximos ao ouvido do cavaleiro de Aquário.

— Do que o senhor está falando...?

Shun fingiu que pensava e apoiou o queixo no dedo indicador, olhando distraidamente pra cima.

— Ora, que você gosta dele — sussurrou novamente, de modo que nem Loren nem Hyoga pudessem ouvir.

Sora ficou extremamente vermelho e olhou desesperadamente para os lados, certificando-se que ninguém ouvira o que o Mestre havia dito.

Tentou esboçar uma frase, mas não conseguiu. Ainda sorrindo, Shun puxou-o e caminharam juntos na direção da cozinha sendo seguidos pelos dois silenciosos cavaleiros que nada disseram sobre aquela intimidade quase abrupta do cavaleiro de Andrômeda e Aquário.

— Não se preocupe — disse Shun. — Você ainda vai ter muito tempo para dizer a ele.

Na cozinha, a comida finalmente ficou pronta e todos se serviram em uma refeição familiar que Shun Amamiya ainda não acreditava que estava realmente acontecendo.

Enquanto ouvia Milo falar alguma coisa sobre Shaka de Virgem, entre sorrisos e gestos obscenos, Shun percebia que sua comida estava melhor do que em qualquer outra ocasião de que se lembrava.

Olhou distraidamente para Hyoga que fitava o prato enquanto mastigava, provavelmente pensando por que não conseguia fazer algo que, para Shun parecia tão simples. E o cavaleiro de Andrômeda sorriu mais uma vez, pensando que hoje havia sido o dia em que mais distribuíra sorrisos desde que...

Bem, desde um tempo que não conseguia se lembrar com tanta clareza agora, porque não importava mais.

FIM


1 Bom, em alemão.

 


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