POV Ivy

O dia amanheceu cinzento, como em quase todos os anos. Hoje era dia de Colheita, e parecia que até o tempo contribuía para deixar o clima ainda mais tenso.

Já havia me acostumado com o “ritual de preparação” para a Colheita, ou seja, todos os anos eu acordava e esperava pacientemente o tempo passar, até chegar a hora de nos reunirmos na praça do distrito, onde ocorre o sorteio.

Mas, esse ano seria um pouco diferente. Todos os anos eu participava da colheita pelo distrito 8 onde morava com minha mãe, Maggie, e meu irmão mais novo, Philip. Esse ano, minha mãe se casou com o presidente de uma das mais importantes fábricas de artigos de luxo do distrito 1, Andrew Baines. Mudamos-nos para cá, a fim de dividir sua gigantesca casa, com ele e seu filho, Gregory.

Levanto da minha cama e me dirijo ao banheiro, retirando minha roupa e me colocando em baixo do chuveiro, tomando um banho quente e demorado. Saio de lá e coloco qualquer roupa que vejo pela frente, e desço para a cozinha, onde estão minha mãe, Philip e Andrew.

- Levantou cedo hoje filha?

- Não estava com sono, além disso, tenho que me encontrar com Tristan daqui a pouco, antes de nos arrumarmos para a Colheita. – respondo colocando um pedaço de bolo na boca.

- Você acha que vai sorteada Ivy? – pergunta-me Philip.

- Espero que não! Os anjos sempre me protegem! – respondo a ele, mesmo sabendo que não era isso o que meu consciente estava me dizendo.

Essa noite acordei várias vezes com pesadelos, onde eu era sorteada, e a mulher de cabelos bufantes cor de abóbora, me chamava para subir ao palco.

Terminei de tomar meu café, e fui até o lago onde Tristan costumava nadar. O lago ficava logo atrás da casa do Baines, por isso, era fácil de chegar lá a pé.

Chegando lá, o encontrei nadando ao meu encontro.

- Oi, tudo bem? – disse ele se aproximando e me dando um selinho demorado.

- Mais ou menos. – respondo sinceramente a ele. Tristan é a única pessoa em que confio inteiramente, e a única pessoa que sei que me entende.

- O que houve? – ele me pergunta após colocar uma camiseta e me puxar para sentar ao seu lado, embaixo de uma grande árvore.

- Eu estou com um mau pressentimento. Essa noite tive vários pesadelos, e todos tinham haver com o meu nome sendo sorteado na Colheita. Estou com medo! – respondo a sua pergunta me encaixando melhor em seus braços.

- Ei! Olha pra mim. – disse ele, erguendo minha cabeça para melhor mira-lo – Vai dar tudo certo! Você não vai ser sorteada, e eu vou estar lá também!

- Eu sei, e fico um pouco mais aliviada, mas mesmo assim...

- Tudo bem! Vamos deixar isso pra lá – ele diz, tentando fazer eu me sentir melhor.

Ficamos mais algum tempo lá e resolvemos ir embora para no arrumarmos. Chegando em casa, subi direto para meu quarto, sendo interceptada no meio do caminho por Gregory, que me pergunta:

- E ai Ivy! Nervosa com a Colheita?

- Não! É apenas mais uma das muitas que já participei. – minto um pouco relutante. Gregory é uma pessoa enigmática. Nos seus olhos sempre vejo mais do que grandes órbitas acinzentadas. Talvez frieza? Relutância? Ódio? Não sei dizer.

Continuo a subida até meu quarto, e paro em frente ao guarda-roupa, tentando decifrar o enigma de que roupa irei vestir.

Suzanne faz muita falta nessa hora! – pensei. Com toda certeza ela saberia o que vestir.

Escolho um vestido azul simples de renda, e uma sapatilha, deixando meus cachos caírem pelos ombros.

Sei que ainda resta um pouco de tempo, então sento em meu piano e começo a tocar a música que já sei de cor: “Sonata ao Luar”. Tocar sempre me fez relaxar, me sentir melhor. Precisava de um momento tranquilo antes do grande estresse da Colheita.

Como os distritos não são muito grandes, a maioria das coisas é perto de casa, consequentemente, a praça também é.

Vou andando até lá, e pego a fila das meninas, onde coletam meu sangue, e me dirijo ao local que nos é reservado.

Olho para a grande ala masculina e procuro por Tristan no meio da multidão. Nossos olhares se cruzam, e encontro neles a segurança que preciso para enfrentar mais esse dia.

A mulher de cabelos bufantes cor de abóbora e de vestido exageradamente Pink nos saúda e introduz o vídeo dos Dias Escuros. Nem presto atenção, pois seus dizeres já estão decorados em minha mente.

Quando volto minha atenção ao palco, Mayris (como chamamos a mulher de cabelos bufantes) já está com o papel do tributo feminino em mãos, e está pronunciando a frase mais aguardada do dia:

- O tributo feminino do distrito 1 é... Ivy Lions!

“Saio do ar” por alguns segundos, e quando vejo, estou subindo a escada que leva ao palco. Procuro pelos olhos de Tristan, e quando os encontro, percebo que está mais surpreso do que eu.

 Mayris continua com seu roteiro e anuncia o nome do tributo masculino.

- O tributo masculino do distrito 1 é... Gregory Baines!

Olho para o rosto de Gregory, e vejo em seus olhos algo como satisfação, mas que logo da lugar a raiva, ao ouvir uma voz, que para mim, é tão comum quanto a minha própria voz.

- Eu me ofereço como tributo! – grita Tristan vindo em direção ao palco.

Nem ouço o que Mayris diz. Só sei que quando Tristan subiu no palco me joguei em seus braços. O único lugar no mundo onde eu me sinto verdadeiramente segura.

Não sei o que iremos fazer, mas sei que se estivermos juntos, tudo ficará bem – penso, e rezo para que os anjos não nos abandonem agora.