O Monge escrita por slytherina


Capítulo 3
O preço por assassinato.


Notas iniciais do capítulo

"Seu caminhar deve ser leve e seguro, como se caminhasse sobre papel de arroz. Diz-se que um monge shaolin consegue atravessar paredes. Procurado, ele não pode ser visto. Escutado, ele não pode ser ouvido. Tocado, ele não pode ser sentido. Este papel de arroz é o teste. Frágil como as asas da libélula, aderente como o casulo do bicho-da-seda. Quando puder caminhar por ele sem deixar vestígios, você terá aprendido." Mestre Kan.



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                    Kwai Chang Caine estava martelando pregos na prateleira nova, em substituição a que fora quebrada. Ele havia serrado, medido e lixado, e por último, passou uma camada de tinta, para dar melhor aspecto aquele pedaço de tábua. Durante estes atos mecânicos, buscando o melhor resultado, sua mente vagou livremente, em direção a tempos passados, quando ainda era um menino órfão, cujo pai abandonara a mãe, e fora embora para uma terra longínqua, chamada América. Sua mãe sempre lhe falara bem do pai, mas mesmo sendo criança, ele percebia que pais não devem abandonar esposa e filhos sozinhos. Depois de muitos anos, ele perdoara o pai, mas quando sua mãe falecera, ele culpou principalmente aquele pai ausente, pela sua desgraça. Sua mãe já havia lhe dito, que se por ventura ela morresse antes que ele fosse adulto, que ele seria entregue ao monastério budista shaolin. Se ele tivesse sorte, seria aceito, educado, alimentado, e protegido, durante toda sua vida.


                    A prateleira foi colocada e ficou perfeita. Ele iniciou o empilhamento de materiais na prateleira nova. Desceu da escada e a guardou. Procurou a vassoura do lado de fora, para limpar a bagunça, quando percebeu que havia um homem imponente conversando com seu patrão. O homem era alto, tinha um bigode farto e comprido, além de longa cabeleira, solta e negra, que caía por seus ombros. No peito daquele homem reluzia uma estrela amarelo-metálico. Aquele era o xerife da cidade. Kam Yuen, seu patrão, quis se afastar daquele homem, mas o mesmo o segurou pelo braço e o encarou duramente, enquanto falava. O senhor Yuen então se retraiu e abaixou a cabeça derrotado. O xerife então se dirigiu a Caine, que até aquele momento estivera parado na porta, com a vassoura na mão.


                    O xerife parou a 10 passos do monge shaolin e sacou um revolver do coldre. Caine teve a impressão de que ele iria disparar, mas ele não o fêz.


                    _ Largue essa vassoura no chão, agora. _ O xerife ordenou. Caine o obedeceu imediatamente. _ Mãos ao alto.


                    O xerife então pegou cordas que estavam em seu cinto, e atou os pulsos de Caine, como se fora um animal, ou um prisioneiro. A seguir saiu arrastando o sino-americano a pé, enquanto ele ia cavalgando a passos lentos. O monge deu um último olhar para Kam Yuen, que tinha o desespero na face. O lutador de kung fu tentou sorrir para tranquilizá-lo, e dizer obrigado.


                    O xerife o levou para a cadeia, e o colocou em uma pequena cela gradeada. Retirou as cordas dos pulsos e trancou a cela. A seguir pegou o cartaz de "Procurado" e o leu para Caine.


                    _ Mostre-me seus antebraços. _ O monge o obedeceu. _ É você mesmo. Kwai Chang Caine. Assassino. Se fosse americano seria enforcado, mas os chinese pagam melhor se estiver vivo. Diga-me, quem você matou, para pagarem tão alto resgate.


                    _ O filho do imperador.


                    _ Humm. Realmente, isso justifica o resgate. Apenas por curiosidade, por que o matou?


                    _ Ele matou meu amado mestre budista. Ele era cego e idoso, além de ser a melhor pessoa que algum dia já encontrei.


                    _ Então você matou por vingança.


                    _ Não. Eu estava transtornado, mas queria apenas eliminar o homem que havia agredido meu mestre, que estava muito ferido.


                    _ Então as coisas não são o que parecem. Infelizmente, por não ser americano, nossas leis não o protegem. Terei que entregá-lo às autoridades chinesas.


                    _ Meu pai era americano.


                    _ Entendo, mas se não pode provar, sua declaração é o mesmo que nada.


                    _ Eu tenho família na América. Eu estava tentando encontrá-los. Parei aqui nesta cidade, para descansar algumas semanas, antes de seguir meu caminho.


                    _ Foi uma boa tentativa. Eu quase fiquei tentado a ajudá-lo, mas veja, se você matasse o filho do presidente dos Estados Unidos da América, você seria um homem morto, sem direito a julgamento; pois nenhum americano livre o deixaria viver. Acho que os chineses se sentem da mesma maneira. _ O xerife tocou na ponta da aba do seu chapéu, em um cumprimento de cabeça, e se retirou da cadeia, deixando um jovem alto e magricela, seu ajudante, tomando conta do local.


                    Caine ficou sozinho com seus pensamentos. Sentou-se no catre e ajeitou as mangas da sua blusa. Recostou-se na parede e ficou olhando para a janelinha gradeada, que dava para a rua. Começou a chover.


                    Início do flashback.


                    Kwai Chang era um menininho esquisito, vestido de kimono de algodão grosseiro, com uma grossa baeta enrolada e amarrada nas suas costas. Aquela era a sua caminha. Uma tira de couro lhe servia de cinto, nela estava amarrado um aljôfar, uma armadilha para grilos, um saco de sementes comestíveis, um pião, hashis, etc. Ele teria medo de ser roubado, se acaso, os outros meninos não estivessem cheios dessas quinquilharias também. Seu cabelo cacheado alourado contrastava gritantemente com o cabelo dos outros meninos, negros e espetados, de tão lisos que eram. Eles já estavam naquele local, esperando para serem escolhidos, há pelo menos dois dias inteiros. Alguém de vez em quando, compadecido de sua sorte, lhes trazia caldo e água para beber. À noite, todos dormiam juntinhos, ao relento, todos em suas caminhas. Já haviam escolhido alguns meninos no primeiro dia, mas decidiram observá-los por mais um dia, quando então escolheriam os últimos.


                     Naquela manhã iniciara a chover. Alguns meninos debandaram, outros decidiram brincar na chuva, sem se importarem em ficar ensopados. Um menininho ao seu lado, tiritava de frio. Caine então abriu sua baeta enrolada, e cobriu o menininho com ela. Ele sabia que se arrependeria do gesto logo mais à noite, quando teria que dormir em uma cama molhada, mas naquele momento lhe parecera a coisa mais correta a fazer. Após a chuva passar, os meninos decidiram brincar na lama. Caine ficou parado lá, quieto, admirando a confraternização de seus colegas de intempérie. Ele não tinha medo de ser rejeitado. Na vilazinha onde morava, todos o chamavam de estrangeiro, por parecer diferente deles, mas com o tempo, o aceitaram e o procuravam para brincadeiras e ajudá-los com seus trabalhos.


                     Ele não quis brincar naquele momento, em que estava só no mundo, e talvez não fosse aceito no templo shaolin. Talvez ele tivesse que virar homem antes da hora, e procurar trabalho em qualquer cidade. Olhou para o garotinho ao seu lado, que ainda estava enrolado na baeta. Ele era menorzinho. Ele com certeza era mais jovem do que Kwai Chang, sofreria mais se não fosse escolhido. Kwai Chang fêz então uma oração íntima, pedindo que a graça de ser escolhido recaísse sobre seu companheirinho, e não sobre ele, pois ele era grande e podia trabalhar duro, mas seu coleguinha não. Depois dessa oração, ele ficou mais sossegado e aceitou seu destino em paz, seja lá qual fosse.


                     Mestre Kan apareceu ao meio-dia, após terem servido caldo para as crianças. Escolheu os últimos meninos. Ele olhou para Kwai Chang e o chamou com a mão. Este olhou tristemente para seu amiguinho ao seu lado e a seguir para Mestre Kan. Ele então chamou seu amiguinho também. Os dois foram andando juntos, felizes por terem conseguido a admissão.


                     Muitos anos mais tarde, quando tanto ele quanto seu amiguinho, já eram adolescentes bem educados, e bem treinados, Caine, agora alcunhado de gafanhoto, perguntara ao mestre, durante uma explanção sobre solidão, por que foi o escolhido entre centenas de crianças.


                     _ O homem, assim como os animais, está destinado a viver junto com outros, assim como consigo mesmo. Mas o significado de pertencer a um grupo, é encontrado no conforto do silêncio e na companhia da solidão. _ Respondeu-lhe mestre Kan.


                      _ É esse o motivo porque me deixou entrar e me ensinou?


                      _ Nós te ensinamos, o que você já sabia. Nós o observamos parado pacientemente na chuva. Compadecido da sorte de seu companheiro, e compenetrado, enquanto as outras crianças brincavam.


                      Fim do flashback


                      A porta da cadeia se abriu. Entraram trê vaqueiros velhos conhecidos de Caine. Um deles tinha a mão enfaixada e o braço na tipóia, mas os outros dois estavam muito bem. Eles disseram para o ajudante do xerife se retirar, pois tinham contas a acertar com um certo chinês.

 

Fim do Capítulo

 

 


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Notas finais do capítulo

A fic está se prolongando além do previsto.



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