Chamamento De Sangue escrita por Melanie Blair


Capítulo 10
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Notas iniciais do capítulo

Capítulo novinho. Devo dizer-vos que é dificil escrever com o pingo no nariz. Por isso, não se constipem. Feliz carnaval!



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– Estás cansada da viagem?- perguntou o meu pai, assim que entrei pela porta da nossa casa.

– Estou.- menti, sem dar-lhe o prazer de me ter como companhia de conversa. Suspirei. Estava super zangada com o meu pai. “Porquê”, perguntam vocês com toda a razão. Porque remodelou o meu quarto e colocou todos os meus pertences (até as cuequinhas) para a garagem escura, fria e cheia de bolor.

Olhei novamente para o local onde vivia até há um mês. Tenho que admitir que mesmo fugindo com alguém mais novo e mais musculado do que o pai, a minha mãe tinha-se esquecido de pensar na paisagem que perde todos os dias: a nossa casa está isolada de tudo e de todos, situa-se num vale entre montanhas espantosas que, nesta altura do ano, enchem-se de vermelhos, castanhos e amarelos tórridos e apaixonantes. Sorri ao pensar no frio que estará nesta altura na Rússia!

Encarei o meu pai.

– O que querias falar comigo, pai?- perguntei, enquanto engolia um pouco de puré de batata.

– Miúda, deixa-me apreciar a minha refeição!- respondeu.

Senti que ele estava a esconder-me algo, ou pior, estava a atormentar-me com o silêncio. Eu sou uma rapariga sedenta de conversa! Preciso de alguém que me dê conversa!

– Pai…- insisti.

Ele parou de comer e fitou-me.

– Não me vais deixar comer sossegado, pois não?

Sorri-lhe.

– Conheces-me demasiado bem!- disse-lhe.

Mandou-me buscar a sobremesa (o meu tão amado gelado de baunilha), e enquanto procurava as colheres de servir, ele começou a falar.

– Como sabes a tua mãe deixou-nos pouco depois de teres cumprido três meses. E eu sempre disse-te que ela tinha ido atrás de um novo amor…

Saltitava na bancada. “Onde se tinha metido a porra da colher?”

– Sim, pai. Um modelo russo, já sei.

Encontrei a colher atrás do sofá. “Pai”, suspirei, já sei a quem saio tão desarrumada. Desci do sofá e encaminhei-me para a mesa, onde ele se encontrava, sério.

– E se eu te dissesse que…- começou ele-… Que isso não corresponde à verdade.

O meu ciclo cardíaco ficou a meio. Um barulho vindo do chão, acordou-me. Apanhei a colher que eu tinha deixado cair:

– Não me faças rir, pai.- disse-lhe eu.- Tu és o pior mentiroso aqui da casa!

– Não te estou a mentir, pipoca.

Levantou-se e deslocou-se até à gaveta do móvel. Abriu-a e dali retirou dezenas de cartas, maior parte ainda por abrir. Reconheci-as.

– Eu disse-te que não abriria outra carta vinda daquela mulher.

Aquelas eram as cartas que a minha mãe, todas as semanas da minha vida, me tinha mandado. Eu não tinha aberto uma. Tinha lido apenas aquela em que ela me pedia para me dirigir à academia Cross.

– Eu sei, querida.- confessou, colocando as cartas em cima da mesa- Eu também não te estou a pedir para tu as leres a todas.

Aquilo apanhou-me de surpresa.

– Então que pretendes?- perguntei-lhe.

Ele procurou no monte da correspondência e, encontrando uma, deu-me e disse-me.

– Faz um favor a este teu velho, e lê-a.- vendo-me retesar, ele acrescentou.- Apenas esta.

Afundei-me no sofá com as mãos, que seguravam a carta, a tremer. O meu pai foi buscar uma cadeira (e o cachimbo) e sentou-se à minha frente.

Eu não a queria abrir.

– Pai…- tentei fazer com que ele não me obrigasse a fazer aquilo.

Ele, com um gesto, incentivou-me a abri-la. Porque haveria eu de ler algo vindo dela? Aquela mulher, que nunca se mostrou preocupada o suficiente para nos fazer uma visita? Essa mulher não merecia a minha compaixão nem mesmo o esforço que eu estava a ter naquela situação.

Sem mais demoras, abri o envelope. Lá dentro, encontrei uma carta e aquilo que me pareceu ser fotografias. Comecei pela carta, que muito resumidamente me apresentou isto:

“Querida Ayame,

Como tens estado? Espero que tenhas crescido e te tornado numa mulher tão formosa quanto eu!

Soube, por certos contactos meus, que não tens passado bem ultimamente. Parece-me que tens tido pesadelos, por vezes incómodos, estou certa? Referiram-me, também, que tens tido alucinações! Pobre criança!

Bem, se estou certa quando a estes teus “males”, então está na hora de saberes a verdade. Vê as fotos que te enviei em anexo e… procura-me se quiseres saber mais!

Tua,

Mãe.”

Coloquei a carta directamente para o lume. As fotos iriam pelo mesmo caminho, se não fosse o meu pai a intrometer-se na relação horrível e piolhenta entre mãe e filha.

– Por favor,- pediu-me- as fotos não.

Voltei a afundar-me no sofá, e revistei o conteúdo do envelope, um a um, sem pressas. O meu pai olhava-me seriamente. Voltei a concentrar-me nas fotos por certos momentos.

– Aah!- gritei, largando as fotografias e enrolando-me num novelo. Estava a soluçar com todo o medo e a confusão que sentia.

As lágrimas começaram a cair.

– Como…é…pos…sí…possível?- gaguejei.

As fotos eram as da família que figuravam o meu pesadelo. Um pai, uma mãe e… e até uma silhueta pequena parecidíssima comigo, que trazia nos braços um bebé…Tobi!

– Eu vou explicar-te tudo!- apressou-se o meu pai a dizer.

Queria vomitar. Onde diabos estava o caixote do lixo quando era necessário?

Retirei os braços da frente dos olhos e encarei-o.

– Explica.- ordenei-lhe.

Ele inspirou e disse-me tudo de rajada, talvez até demasiado depressa.

– Eu só sei uma parte da história.- começou ele.- O que vês nas fotos foi real! O teu pai e mãe biológicos e o teu irmão. O teu pai, juntamente com o teu irmão, morreram num acidente de aviação. A tua mãe tentou criar-te sozinha, mas a falta de saúde, de corpo e monetária, faltou-lhe e teve de te entregar a mim- um completo estranho.

Ele hesitou e fitou-me. Eu ainda surpreendida, não consegui formular uma palavra. Ele forçou um sorriso.

– E depois fez com que eu inventasse a história do russo…- e riu.

Levantei-me do sofá. Dirigi-me na sua direcção e abracei-o. Por um lado, sentia-me zangada por saber que toda a minha vida tinha sido mentira. Por outro, sentia alívio- preferia mil vezes que a minha família tivesse morrido de acidente de aviação do que assassinados.

– Desculpa, miúda.- disse-me, com lágrimas nos olhos.- Desapontei-te!

Fitei-o.

– Claro que não, pai.

Abracei-o mais uma vez.

– Tu és o homem mais importante na minha vida. Sempre serás o meu pai querido!

Ele interrompeu-me.

– Mas, na realidade, não...

– Não quero saber quem foi o homem que colocou o espermatozóide na vagina da minha mãe. Qualquer um faz isso.

Respirei fundo.

– Mas é preciso ser-se um homem a sério para se criar uma criança sozinho. Foste tu que me ajudaste a ser quem sou, e eu tenho de agradecer-te por isso, pai.

– Não tens de quê, miúda.- disse, aliviado.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo antes do fim-de-semana.