A chuva sempre me fez refletir. Me fez pensar coisas em que nunca pensei. Esse é o motivo de eu gostar tanto dela. Mas ela me traz pensamentos ruins. E daí? São verdadeiros. Os pingos batendo na janela do meu quarto estimulam pensamentos.

Eu não falei sobre mim. Me chamo Katie Hill, tenho 14 anos e sou órfã. Eu queria é surrar a cara dos meus pais, que nunca deram um sinal de vida. Moro na casa de uma mulher que me adotou, mas só me xinga, casada com um magrelo de óculos, que nem olha na minha cara direito... O pior de tudo é que eles tem uma filha. Daquelas patricinhas. Ela tem 16 anos, e é líder de torcida na escola particular onde ela estuda, que nem ao menos eu sei o nome.

Já, eu, fui colocada em uma escola pública, onde só tenho uma amiga que é mimada, mas é legal. Fora isso, quase ninguém tem noção da minha existência.

— MENINA, VEM LIMPAR A COZINHA! - chamou a mulher. Bom, ela chama Kayla. Mas continuo odiando ela.

A última coisa que eu queria num sábado era ficar limpando a casa e recebendo ordens sem sentido. Aliás, era assim todos os dias. Eu não aguentava mais essa pressão toda. Se eu não obedecesse, eu levava socos e tapas até minha pele ficar roxa.

— JÁ VOU! - menti para ela.

O que na verdade eu estava fazendo era tentando fugir de casa. Abri a porta do meu quarto silenciosamente e saí em direção do quarto de Ashley, minha "irmã". Ela não estava em casa. Na porta de seu quarto possuía uma placa escrito "NÃO ENTRE SEM A MINHA PERMISSÃO". Coitadinha.

Entrei em seu quarto e quase vomitei com o cheiro forte de perfume extremamente doce. Nas paredes rosa de cor lilás, tinham posteres de atores bombados sem camisa. Que alienada. Abri a porta de seu armário e procurei por uma capa de chuva, pois eu não tinha uma. Achei uma rosa choque. Não tinha outra capa, porém era o único jeito. Aproveitei e peguei uma mala preta de mão vazia. Quando verifiquei se estava realmente vazia, me enganei. Num dos bolsos haviam pacotes de camisinha.

Dei um meio sorriso e aproveitei para fazer o que sempre quis fazer. Logo a Kayla iria vir limpar o quarto. Já que a cama estava desarrumada, abri um pacote de camisinha e a coloquei em baixo do edredom. Hoje, felizmente, era o dia de troca de roupas de cama.

— Ótimo - sussurrei.

— MENINA, O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO?! - a insuportável gritou da cozinha.

— EU ESTOU NO BANHEIRO, ESPERA MAIS UM POUCO! - fiz uma voz fingindo que estava fazendo suas necessidades.

Saí do quarto de Ashley e fui pro meu. Coloquei minhas poucas e confortáveis roupas pretas, minhas jaquetas e minhas calças. Não deixei de pegar meu gorro cinza gasto, mas que eu tinha havia muito tempo. Tinha sonhos de que uma mulher que parecia "mágica" tinha me dado ele. E a partir daí eu me apeguei ao gorro.

— GAROTA, VOCÊ ESTÁ TENTANDO ME ENGANAR?!

— NÃO, É SÉRIO! - gritei e levei minhas malas num lugar perto da cozinha, onde Kayla não pudesse ver. Não fiz o mínimo barulho. Subi as escadas e apertei a descarga. Fui ao esconderijo, descendo as escadas novamente. Logo a mulher iria ficar incomodada com a demora e iria ir atrás de mim no banheiro ou no quarto.

— Está sim! Você pensa que me faz de boba! - eu não pensava, tinha certeza.

Kayla passou ao meu lado, mas me escondi atrás da porta. Ela subiu as escadas correndo e foi abrindo de porta em porta. Nesse meio tempo, peguei minhas coisas, vesti minha capa e sai correndo pelas portas do fundo.