Grécia, 16 de maio de 1985.

Meu querido amigo Mu,

Sim, como você percebeu, mal cheguei ao Santuário e já estou lhe escrevendo. Antes de mais nada, apesar de já ter agradecido, eu preciso repetir: MUITO obrigado por tudo! Foi o melhor aniversário que tive em muitos anos, acredite. E preciso dizer que sua culinária melhorou muito, hahaha!

É verdade, Mu, você se deprecia demais. Você e Kiki são companhias maravilhosas e sim, o medalhão que você forjou é belíssimo. Fiquei até lisonjeado por você gastar um pouco de seu tempo e de seus esforços comigo. Adorei o presente e estou usando, por sinal!

Sobre sua última carta... realmente foi difícil discutirmos sobre isso com um baixinho hiperativo correndo e chutando bola pelos cantos, hahaha! Mas nas poucas palavras que trocamos, pude perceber que você anda ainda mais pensativo do que de costume. Tinha pensado que conhecer melhor seu mestre poderia lhe trazer mais alegria, mas nos seus olhos só enxergava dúvida. O que houve?

Meu respeito por seu mestre só fez crescer, Mu. Às vezes vejo nossos colegas de armadura e me pergunto se bons corações não teriam a acrescentar em nosso exército, e não a fragilizar. É como o batalhão que você mencionou: se tivermos mais alguém por quem lutarmos, não teríamos mais coragem?

Bem que mestre Shion podia ter tido uma conversinha com Camus, não?

Os "casos" que você me contou aí em Jamir mostraram que Shion era um homem íntegro que sabia dosar seu sentimento e suas responsabilidades. Mostrou um lado humano e, até por isso, muito respeitável. Acho até que vi uma pontinha de orgulho quando você falava nele, não? Quero dizer, já sabíamos que ele era um bom homem, mas essas histórias só reforçaram. Às vezes a humanidade de alguém (o que não é um traço muito considerado nas pessoas) consegue tornar essa pessoa ainda mais grandiosa.

Até certo ponto, isso se refletiu na forma como você mesmo foi criado, por mais que talvez não tenha percebido. Claro, existe muito do inato, da alma em si, mas sua índole gentil com certeza foi melhor preservada por ter um mestre que, embora sério e até um tanto formal, valorizava o caráter e o coração.

Não posso mentir: as revelações de Libra me trouxeram um certo alento. Não sei se talvez seja fruto de nossas recentes correspondências, mas é gratificante saber que não preciso me fechar a outras pessoas ou lutar bravamente contra um sentimento para ser um cavaleiro melhor. É libertador saber que posso sentir afeição por outras pessoas, como amizade ou mesmo amor.

Pareceu, pra falar a verdade, que você parece sentir o mesmo. Não sei se é só cisma minha, mas parecia que você tinha um peso a menos nos ombros durante a minha última visita. Você se permitiu sorrir mais e até correspondeu com mais vontade do que antes aos meus abraços. Aliás, é tão raro VOCÊ tomar a iniciativa para um abraço!

Sempre tinha achado que fosse apenas timidez, mas agora compreendo que havia um pouco de culpa, também... culpa que a história de seu mestre levou embora. Fico feliz por você, mas também fico por mim, sabe? Acho que uma pequena barreira entre a gente acabou de cair e aquele jantar (simples, mas delicioso e aconchegante) e aquela conversa casual diante da lareira foi prova disso.

(Lareira na primavera... só no Himalaia, mesmo, hahaha!)

Bom, como lhe disse em Jamir, não estou em condições de dizer sobre quem são os boatos de romance entre cavaleiros de ouro. Mas ah, que se danem os boatos maldosos! Se o amor é real e se sabemos que não é errado, acho que o mais justo é deixar o amor fluir de forma livre. Acho que não apenas o amor em si, mas a liberdade de amar fortalece os bons corações, como você mesmo relatou. E tenho certeza de que eles não abdicariam de seus deveres para com Atena.

Enfim, acho que não me sobraram muito mais dúvidas sobre esse assunto. Já sabemos que não é errado, que seu mestre abençoaria (fosse o meu amigo, fosse o casal dos boatos) e que não enfraquece um cavaleiro de Atena, pelo contrário. Posso deixar meu coração aberto, então...

Mas sabe, Mu, até que essas nossas conversas vieram a calhar. Passamos a nos avaliar um pouco mais quanto à natureza dos nossos próprios sentimentos como um todo, não acha? Até que essa minha cisma me ensinou bastante, hahaha!

Por sinal (eu me esqueci de contar), meu amigo e a namorada estão bem. Parece que ele entrou com um pedido de aposentadoria por um problema que ele tem no joelho já faz alguns meses, sabe? E parece que Arles estava de bom humor na ocasião, vai saber. Só sei que agora ele está na parte burocrática do Santuário. Ou seja, horário certo de trabalho (sem rondas ou estado de alerta), folga aos domingos e maior flexibilização quanto a casamentos e coisas afins do que soldados. Ainda não marcaram data, mas não devem demorar muito. Ele disse que serei o padrinho, acredita?

Acho que já escrevi muito – e olha que nem tinha tanto assunto, já que acabamos de nos ver. Mas é sempre bom gastar um tempinho para escrever a você... e vou dizer, já bateu uma saudadezinha (ah, sim: a palavra era essa, mesmo, você acertou) de Jamir. Não que eu seja muito fã do frio, mas você e Kiki são as melhores companhias que se pode ter no aniversário.

Muito obrigado por tudo!

Aldebaran

P.S.: Eu sabia que aquele perfume era perfeito pra você.