Dançarina Das Marés escrita por A Garota do Capitão


Capítulo 3
Uma Jovem Nômade




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Fazia muito tempo que eu nadava sozinha. Quando cheguei a idade certa, minha mãe expulsou-me do clã, para que eu formasse o meu próprio. Criaturas como nós são solitárias, a maioria nunca chega a encontrar um parceiro da mesma espécie, e acaba sozinha. Para as mais afortunadas, há a possibilidade de formar o próprio clã, procriar e ter o luxo de aproveitar da segurança que é ter vários indivíduos ao seu lado para defender-se contra os predadores. Os machos por outro lado, continuam no clã que nascem até morrerem ou encontrarem uma parceira nômade que se depare com seu grupo e o escolha dentre os demais de seu bando. Já para as fêmeas, quando as mesmas chegam aos treze anos são expulsas de seu respectivo grupo e obrigadas a tornarem-se nômades.

Logo que deixei o clã, estava tão assustada, que passei dias escondida em uma caverna estreita esculpida na rocha devido a ação das marés, a qual mal me cabia apertada, deixando parte ficar parte da minha cauda para fora. A mesma era localizada no interior de um recife de corais, que tinha metros de extensão e abrigava diversas espécies marinhas. Cardumes de peixes coloridos dançavam despreocupadamente em ritmos animados, como se rissem do meu medo. Tartarugas comiam as algas que cresciam no leito marinho, subindo regularmente para respirar, assim como golfinhos que nadavam despreocupados, brincando em meio aos recifes, assustando os pequenos peixes por onde passavam. Uma moreia saía de seu esconderijo, incomodada com o movimento que atrapalhava sua caçada, nadando por cima dos corais até sumir da minha vista no meio deles. Um peixe-rocha passava despercebido, espreitando um pequeno cardume de alevinos azuis, que mal o notavam devido a sua camuflagem quase imperceptível, que o confundia com uma rocha. Diferentemente dele, um elegante peixe-leão, que exibia suas cores, para anunciar que quem o tentasse comer teria uma terrível surpresa.

Assistindo aquele espetáculo do meu apertado confinamento, cada vez mais a vontade de sair seduzia-me. Queria nadar livre, sem medo. Saí lentamente, olhando em volta para ver se havia algum perigo. As criaturas mal me notavam, estavam muito ocupadas, cada um em suas atividades, não me considerando uma ameaça considerável para que fosse necessário nadar para longe. Finalmente, saí de onde estava, hesitante, atenta a tudo. Mas depois de alguns segundos em silêncio, parada na entrada do meu estreito confinamento, percebi que nada de terrível que eu previra que aconteceria comigo se concretizaria. Relaxei os músculos tensos do meu corpo, podendo sentir o movimento leve da maré e ouvir os sons dos animais, que eram abafados pelas preocupações da minha mente.

Golfinhos passavam rápido, nadando por cima da minha cabeça, emitindo sua linguagem característica, que pareciam risos infantis de um grupo de crianças travessas. Sorri, observando-os nadar velozmente acima de mim, e de vez em quando subindo em um salto para fora da água agilmente calculado. Destraída e encantada com as acrobacias, agora meu temor já havia cessado completamente. Hoje penso que talvez fosse melhor eu ter permanecido com medo, quem sabe a minha situação atual pudesse ser evitada se fosse dessa maneira. Mas de qualquer forma, agora é tarde demais para voltar atrás. O que está feito, está feito.

Naquela época, surpreendentemente aprendi rápido a me virar sozinha, não corri perigos desnecessários, nem passei fome como se era de se esperar de alguem que nunca precisou pescar sozinha antes. Não foi uma tarefa difícil me alimentar, já que me encontrava em um local rico em diversas espécies de peixes, que eu conhecia claramente como sendo comestíveis, dos quais o bando sempre pescava com lanças parecidas com arpões feitas de ossos de baleia afiados na ponta. Eu não tinha esse tipo de ferramenta, mas me arranjava como podia. As vezes comia algas, ostras ou crustáceos para evitar ter de pescar algo mais difícil.

Tudo que havia em minha posse para realizar essa tarefa, era uma faca curta feita de ferrão de arraia, com o cabo fortemente preso com coro de foca, a qual meu pai havia me dado alguns dias antes de eu ser obrigada a deixá-los, ele certamente sabia o que me esperava. Mais tarde, fui muito grata a ele, pois aquela faca me poupara de ter que ir dormir sem comer muitas e muitas vezes.

Por mais solitário que fosse, eu não sentia falta deles, com exceção do meu pai é claro, os demais nunca se importaram muito comigo. O mesmo podia-se dizer da minha mãe, a qual seu trabalho era liderar o clã. Pode-se imaginar que devido a isso quase nunca dispensava muito tempo comigo. Na maioria das vezes, quem me tirava do tédio era meus irmãos, todos os três mais jovens que eu, porém isso não nos impedia de nos divertir juntos em meio a cardumes de tainhas, perseguindo crustáceos para roubar suas conchas e assustando lulas para que as mesmas lançassem tinta na água. É divertido pensar no quanto éramos felizes, mas ao mesmo tempo doloroso ao lembrar tê-los deixado.


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