Libertária escrita por Ana Souza


Capítulo 9
Ícaro




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- ele está atrasado, mas ele nunca se atrasa! – acho que com essa foi a décima vez que Christina repetiu isso, eram quase seis da noite de quinta-feira e Ícaro, o presidente do clube e iniciador de todos os debates ainda não tinha dado o ar de sua graça.

Eu sabia que isso seria perca de tempo, sabia que estava me iludindo, o melhor que tenho que fazer é pegar minha bolsa, ir embora e...

- ah, olha ele ai. – Christina logo se levantou para salda-lo com um abraço provocativo. Ícaro era completamente diferente do meu pré-julgamento, ele é um estilo de rapaz centrado, bonito e com um ar muito descontraído nos olhos, só uma revista grossa com o titulo “verdades ou mentiras”que levava um grande homem peludo e com focinho na capa o denunciava como membro do grupo de debate folclórico.

A biblioteca do terceiro andar é a mais sinistra que já vi, não se encontra outra cor nela que não seja proveniente das variações de tons de cinza e marrom, há muitas prateleiras de madeira, mesas e cadeiras com revestimento de couro mofado e dois computadores antigos além de uma maquina de escrever com uma teia de aranha.  Só nosso grupo de dez pessoas se encontrava ali. Senti-me de imediato um peixe fora d’água.

Ícaro deu inicio a reunião escrevendo letras de forma no pequeno quadro negro preso a uma parede descascada: “Bruxas”

- alguém sabe o que são? – perguntou ele

Todos levantaram a mão exceto eu. Claro que eu sei o que é uma bruxa, isso é uma pergunta ridícula, mas eu não quis correr o risco de dar uma resposta muito idiota.

- são mulheres praticantes de magia, excêntricas e quase sempre solitárias, as bruxas geralmente eram conhecidas na idade média como más por terem sido banidas pela sociedade  e usarem seus poderes e rituais em atividades egoístas e vingativas.

Christina disse tudo isso sem respirar, com um sorriso triunfante no rosto.

Ícaro pareceu muito satisfeito com a resposta.

- meus parabéns querida – disse ele alisando uma grande porção de seu cabelo marrom – mas não é só isso. Em certa época elas foram consideradas grandes sábias, atualmente não se tem muito registros que comprovem a existência delas, mas alguns dos seus hábitos e estereótipos são muito lembrados como: chapéus pontudos, caldeirões, ou animais de estimação como gatos ou corvos.

Corvos. Ele disse corvos.

Eu devo ter ficado roxa, porque quando Ícaro desviou seu olhar para mim fez um sério olhar de preocupação.

- como é o seu nome? – ele quis saber

Meu nome? Hã... droga, toda a biblioteca esta rodando como uma discoteca, a ferida feita pelo corvo agora pulsava em meu peito.

-deixem comigo eu vou leva-la até a enfermaria, leiam os capítulos doze e treze dos seus materiais – Ícaro pegou gentilmente em meu braço e começou me levar para fora da biblioteca de ar mofado, eu estava vendo o corredor rodopiar como em um enorme carrossel.

Ícaro me fez sentar em um pequeno banco do estreito corredor e com um gesto  pediu para que eu esperasse, dois minutos depois ele apareceu com um copo descartável contendo água.

Bebi tudo em dois boles e fiquei encarando aqueles bondosos olhos verdes, me estudando como se eu fosse algum mito ou objeto cientifico, só que de um jeito bem educado.

- se sente melhor?

Eu assenti, realmente me sentia melhor, minha visão não estava tão nítida mas tudo ao meu redor parou de rodar, o ataque do corvo a alguns dias atrás me atingiu na memória como um tiro de realidade que eu fiz questão de fingir que fora um pesadelo.

- ótimo – ele disse começando a me levantar – até que para uma novata no clube você está indo bem, as pessoas geralmente vomitam quando iniciamos o debate.

Eu sorri um pouquinho e me levantei também.

- obrigada. – eu disse suspirando – eu me chamo Isa.

- Ícaro – ele disse estendendo a mão – mas você já deve saber.

Apertei as suas mãos com convicção e ele começou a me guiar de volta para biblioteca quando bruscamente estacionei puxando a atenção dele para mim.

- Ícaro, sei que parece estranho, mas... – eu não sabia como pedir isso – eu quero estudar mais afundo esses mitos sobre... – eu não queria pronunciar a palavra, mas eu tinha que pronunciar - ...bruxas.

Ela franziu o cenho, mas pareceu compreender depois.

- você tem seus motivos – ele falou dando de ombros – e digamos que eu seja um bom professor, que tal aulas particulares?

- por mim tá ótimo – disse, e deixei que ele me levasse de volta para a biblioteca onde não tive mais nenhum ataque.

 Ao abrir minha mochila para pegar uma caneta e fazer o Maximo de anotações possíveis, vi o par de chaves que Alex me conseguiu cintilando em um chaveiro discreto, eu ainda estou com as chaves, as chaves da casa de Olivia esperando o momento certo para invadir sua residência e tirar minhas próprias conclusões sobre o que pensar dela.

Quando voltei para minha casa aquela tarde fui direto para o espelho, removi do corpo a blusa e vi que minha cicatriz tinha ficado maior de um jeito estranho, estava mais aberta e profunda, completamente roxa com as bordas profundamente vermelhas, a visão me deu ânsia de vomito por isso tornei a vestir uma roupa bastante coberta.

Ligo a televisão no jornal local, Jennifer e Otho Carmel, irmãos gememos desapareceram a caminho da casa no lago dos pais ontem a noite, o carro mais uma vez foi encontrado vazio e sem nenhum vestígio do autor do sequestro.

De hoje não passa, eu irei descobri a verdade, irei arrancar a verdade a força onde quer que ela esteja.

Peguei a minha copia da chave da casa de Olivia entre os dedos e a beijei, agora tinha que esperar a noite chegar e a dona da casa sair.

Fiquei observando os passos de Olivia como uma psicopata faria, o dia inteiro pela janela do meu quarto monitorando-a, esperando a hora que ela fosse sair talvez, mas nada me garantia tempo suficiente, nada garantia que eu fosse voltar para casa com o que estava procurando: uma resposta, dane-se se fosse racional ou não, tudo que eu quero é uma porcaria de resposta.

Então decidi esperar que ela saísse,

Sete da noite, oito, nove... uma da manhã.

Ela não saiu, como se soubesse exatamente o que eu pretendia.  

Passei a tarde zapeando na internet, mas não fazendo aquelas coisas usuais que uma pessoa do terceiro ano faria como pesquisas e redes sociais, e sim procurando no Google os mais bizarros tópicos possíveis: “seres míticos contemporâneos” e “acontecimentos sobrenaturais” quanto mais as paginas online passavam nos meus olhos mais eu via pequenas ligações com a realidade,  talvez Olivia Gremin fosse algum tipo de bruxa ou ninfa de um pais remoto que com sua magia faz pessoas desaparecerem.

Ou talvez eu precise de um bom tranqüilizante para cavalo e um clinica onde meus dois braços estejam bem atados a uma maca metálica.

“corvos e bruxas”digitei e um numero bem vasto de paginas (algumas nem tão serias) apareceram.

Abri em um blog que de primeira vista pareceu bem conceituado.

“... os corvos desde os primeiros registros são animais envoltos em mistérios, não costumam habitar em grandes grupos e tem preferência por hábitos noturnos, gravuras da época da renascença medieval retratam a ligação dos corvos e as Winkas (ou bruxas da parte mais sul da grã Bretanha no século   XVI)

Logo abaixo do texto gravura mostrava uma mulher de sobrancelhas fortes, cabelos muito pretos e unhas compridas, um corvo pousava em seu ombro direto exatamente da mesma forma como sonhei com Olivia a algum tempo atrás.

“bruxas não existem sua tola” pensei “ você só esta arranjando uma justificativa maluca pra aplacar sua dor e tentar culpar alguém por Hugo e Amanda terem sumido”

Desliguei o computador sentindo-me idiota, abri bem a janela permitindo que o ar perfumado do outono entrasse e arejasse meu quarto, por mais que eu não acreditasse de forma categórica que coisas sobrenaturais como bruxas pudessem realmente ser reais alguma coisa alarmava no alto da minha cabeça indicando-me que estou vivendo não tem nenhuma ligação com o mundo real.

O celular vibrou no bolso da calça assustando-me. O numero era desconhecido bati o telefone e ele tornou a tocar. Atendi-o

- é feio desligar o telefone na cara das pessoas. – falou do outro lado da linha

- ah, oi Ícaro, eu sinto muito, mas não costumo atender números de quem eu não sei quem são. Desculpe.

Senti minhas bochechas esquentarem, nenhum garoto ligara para mim antes, mas ter esse tipo de pensamento é completa bobagem minha já que eu pedi a ele que me ajudasse com a minha pesquisa boba e infantil do clube de debates folclóricos, então é mais do que natural que Ícaro me ligasse.

- encontrei alguns livros interessantes para sua pesquisa – disse ele entusiasmado – só que esses livros especiais da biblioteca da escola têm a política de não poderem ser alugados, por isso acho que vamos ter que ir lá.

- que tipo de livros? – fiquei intrigada.

Ele pigarreou como se procurasse uma forma menos constrangedora de falar:

- é melhor ver do que te explicar. Posso te buscar as seis e meia?

Olhei no relógio, são exatamente cinco e quinze da tarde.

- seis e meia da noite? Esse horário a escola já fechou faz tempo.

Ele fez um sonzinho do outro lado da linha que me pareceu um sorriso sabichão.

- exatamente, nossa pesquisa tem que ser sigilosa , esteja pronta e vou te buscar no horário.

A ligação caiu sem mais nem menos.

E eu não confio em Ícaro o suficiente para invadir a propriedade escolar a noite sem mais ninguém por perto, senti um arrepio percorrer-me e a nuca e penso em ligar pra ele de volta dando uma bela desculpa para cancelar nosso..hã... encontro de pesquisa. Afinal eu o conheço a pouco menos de dois ou três dias.

Começo a ligar pra ele de volta, em quanto o telefone chama observo minha vizinha Olivia dar saltos graciosos na sua piscina, o sorriso reluzindo como um talher recém-polido de prata maciça, ela fica certo tempo dentro da água e quando sua cabeça dourada volta a tona seus olhos caem diretamente nos meus, sua expressão de superioridade malévola se desfaz em questão de segundos e ela sorri para mim com um bom ar de vizinha, sinto os pelos dos meus braços erguerem automaticamente.

- sim? – Ícaro atende, fico reflexiva por meio segundo.

- nada. Estarei pronta as seis. – digo desligando o telefone.

Fecho a janela, e penso nas conseqüências do meu “salto no escuro”


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