Libertária escrita por Ana Souza


Capítulo 5
Sempre meu




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- eu te disse que isso ia acontecer. – Amanda me acotovelou e começou a beber sua soda gelada, ela mordia mais o canudinho do que puxava o liquido de fato, se eu tivesse um canudinho também estaria mordendo. Eu estava sentindo o mesmo que Amanda, foi o que Amanda mesmo classificou como “Ciúmes da namorada do amigo.”

É a segunda semana do mês de Abril. Estamos no estacionamento do nosso colégio.

E eu e minha melhor amiga estamos assistindo de camarote Hugo e Olivia aos beijos encostados no New Beatle dela, ela está com as mãos no ombro dele e ele a segura pela cintura, todos que passam pelo casal ainda parece não acreditar nos próprios olhos mesmo fazendo já uma semana que eles oficializaram o namoro. Desde aquele dia, que os dois foram a Strom Frízer, começaram a sair mais e mais até ficar obvio que o trabalho em dupla da professora Chamise foi um santo cupido.

Hugo é muito bonito, mas pelo que conversamos é muito difícil acreditar que conseguiu Olivia Gremin, a “Miss Colegial Albere”.

O sinal tocou e eu e Amanda começamos a andar em direção a entrada do pátio quando fomos paradas por um homem de cabelo grisalho rasteiro, jaqueta jeans apesar do calor de 28 graus Celsius e um brasão brilhante pendurado no pescoço, nosso diretor chegou meio segundo depois.

- Srta. Agnes?

- eu mesma – respondi confusa.

- por favor nos acompanhe até a minha sala. – disse o diretor. Lancei um olhar para Amanda que se traduzia como “confusa” e ela me devolveu com uma careta.

Fomos os três. Eu, o homem grisalho com cara de mal e meu diretor até a sala abafada e marrom, cheia de troféus onde na porta se lia “diretoria”

-Srta. Agnes este é o agente da Polícia Inteligente Roger Moreira. – apertei a mão nodosa e cheia de vigor do homem que me olhava com seriedade.

- polícia? – quis saber.

O diretor suspirou e sentou-se do seu lado da mesa, eu e o agente Roger em grandes poltronas de couro preto.

- onde esteve ontem a noite Srta. Agnes? – perguntou o agente anotando com uma caneta de ponta fina em sua prancheta e ligando um gravador.

Fiz silencio, minha cabeça está confusa.

Expliquei a ele meio nervosa que estava com minha mãe na churrascaria O Carnívoro por volta das nove da noite, comemos e fomos para casa.

- a senhorita encontrou alguém lá? Alguém da sua escola? – ele anotava rápido como uma flecha, perguntou sem tirar os olhos de suas anotações.

Puxei pela memória, encontrei sim.

-Ágata, minha colega de classe, eu disse oi a ela mas a gente não conversou, ela estava de saída.

- sabe pra onde ela foi? – dessa vez foi o diretor quem me fez essa pergunta, o agente Roger pareceu não gostar muito de ter um intruso em sua investigação e fez careta para ele que voltou a ficar calado.

Perguntei o que estava acontecendo, se estava acontecendo algo com Ágata, quando a vi na churrascaria ela parecia bem normal, vestida em um vestidinho sem mangas azul e sozinha, saiu depressa pela rua principal.

- sua amiga Ágata desapareceu na noite de ontem, ninguém a viu desde a churrascaria, com Diana Perón que ainda não foi localizada são dois desaparecimentos de pessoas desta escola em pouco mais de dois meses. – o Agente pigarreou – sabe o quanto isso é preocupante Srta. Agnes?

Assenti aturdida. Ágata desapareceu. E eu mais uma vez fui provavelmente a ultima pessoa a vê-la, engoli a seco, senti minhas palmas suarem, além dela sabe-se lá Deus onde estava Diane que  desde fevereiro não foi encontrada.

O que diabos estava acontecendo?

-bem senhorita,Acho que já tenho o material que preciso. – disse o agente Roger estendendo um papel para que eu assinasse – acho que vamos voltar a nos ver.

Apertamos as mãos novamente e fui liberada para ir para minha sala, sai cambaleante como se os corredores estivessem em zig-zag. O alto-falante anunciou o desaparecimento de Ágata e ao contrário da reação que ocorreu quando Diane desapareceu a escola toda parecia em estado de paranoia, Ágata era bem conhecida, depois da quinta aula tinham até cartazes com a foto dela espalhados pelos corredores.

“onde vocês estão?” sussurrei para mim mesma.

Dessa vez Hugo não apareceu pra falar da noticia bombástica, ele estava ocupadíssimo brincando com a ponta da trança de Olivia que estava encostada na pilastra da cantina. Parei para observar mais Olivia, ela parecia mais bonita, seu sorriso estava mais branco e seus olhos mais profundos, até seu cabelo parecia maior e mais dourado do que estava semana passada, tudo isso no conjunto de minissaia cinza estilo colegial e uma blusa de mangas fofas cheia de afrescos rosados.

Acho que ela nem sabia que eu era vizinha dela ainda, ela mal saia de casa. Na maior parte do tempo apenas uma ou duas luzes ficavam acessas além do som  alto que ficava ligado o dia todo.  Variava de Beatles a Jennifer  Lopez, mas acho que em nenhum dia Olivia não ouvia música no volume maximo. Ao menos ela tinha bom gosto.

- o que o policial queria? – Amanda cochichou durante a aula de História nacional.

- saber se eu ainda estava traficando armas – disse séria, e nós duas caímos na gargalhada – na verdade ele estava investigando o desaparecimento de Ágata. – me senti tola por estar fazendo brincadeira em um momento tão crítico.

O professor nos viu e pediu gentilmente que calássemos a boca, então tivemos que prestar atenção na aula até o sinal do termino tocar e todo “rebanho” ser mandado de volta para sua casa.

No estacionamento liguei para minha mãe, a ligação caiu varias vezes até ela finalmente retornar e dizer que tinha batido o carro no anel viário, ótimo, como eu era uma bosta sem carteira de motorista muito menos carro tinha que esperar minha mãe aqui mesmo até a hora que Deus quisesse.

- eu te dou carona – disse Olivia estacionando o carro bem do meu lado de modo que minha perna roçou na porta.

Ela mal falava comigo, no máximo um “oi” ou “tchau”, e além de pegar meu melhor amigo e ser minha vizinha não tínhamos nenhum vinculo pelo qual eu poderia sentir-me a vontade com sua oferta de carona.

-não... obrigada eu... – ela me interrompeu

-não seja boba. – disse ela abrindo a porta – entra ai.

Entrei e ela começou a dirigir em silencio, apenas cantarolando uma canção que tocava baixinho no rádio, na metade do caminho ela puxou conversa.

- o Hugo é um cara muito legal.

Ah, droga a gente ia falar do Hugo. Tomara que ela não leia pensamentos, porque lembrei-me da noite do pijama que eu e Amanda fizemos certo dia para xinga-la, nós duas estávamos bancando aquelas fãs alucinadas que quando seu ídolo arrumava uma namorada ela automaticamente já era alvo de ódio. Naquela noite Amanda apelidou Olivia de “boneca inflável” e eu fiquei apenas rindo e rolando de pijama no chão do quarto.

-ele fala muito bem de você – ela disse quando percebeu que eu não havia dito nada.

-ah... – fiquei tentada a perguntar o que Hugo falava de mim, mas deixei pra lá. – ele também fala muito bem de você – menti Hugo nunca havia falado de Olivia para mim a não ser na vez que ele confessou que tinha começado a namorar, esse dia foi engraçado,estávamos jantando no Molhos do Mar e Amanda engasgou-se com um salgadinho de caranguejo quando descobriu que Hugo estava namorando nada mais nada menos do que a Barbie edição limitada do colégio Albere.

Ela ficou em silencio por meio minuto e senti seus olhos me avaliando depois deu um sorriso meio amarelo de canto de boca e deslizou o os óculos de sol que estavam no topo de cabeça para os olhos, suspirei e voltamos ao silencio constrangedor que estávamos antes, só a música preenchia o carro inteiro.

- sabe?- ela começou quando estávamos na porta do condômino – que tal se você fosse lá em casa hoje a noite? A gente podia ver um filme. – sua voz era doce e amigável mas tinha uma inesperada dose de urgência.

- tudo bem – respondi com veemência.

Ela estacionou de frente a minha casa, agradeci, mas antes que pudesse abrir a porta do carro ela segurou o meu pulso com firmeza, olhei para Olivia assustada que agora me encarava com uma estranha expressão no rosto, uma mistura de desconfiança com proteção.

-não precisa ter ciúmes de mim, Hugo será sempre seu. Seu amigo– essas foram suas palavras.

Senti uma estranha nevoa negra pairando sobre mim, meus pulmões se encheram de ar quente e dolorido, tudo isso por cinco terríveis segundos, meu coração acelerou.

Franzi o cenho, respirei fundo e puxei meu pulso de seus dedos. Não consegui entender o teor da sua mensagem, não consegui captar seus sinais, entrei em casa, corri e por extinto tranquei a porta da frente, minha mãe estava adormecida no sofá com um exemplar de “O Caçador de pipas” e um bilhetinho amarelo entre os dedos que dizia: “Salada na geladeira, molho no armário e Frango no micro-ondas, acabou a coca, faça um suco de pacote. Com amor mamãe”

Suspirei, comi um terço do normal, aninhei-me no tapete da sala com os olhos bem abertos, mas aos poucos meus olhos foram se fechando cada vez mais.

Estava no matagal, com grama tão alta que cobria até o alto da minha cabeça, andei sem saber exatamente pra onde ir.

Um estalo. Pisei em algo que se quebrou, levantei o pé e vi que estava coberto de sangue fresco, quando finalmente olho para baixo vejo Diane e Ágata, nuas, estraçalhadas no mato, com os olhos vidrados e o corpo sem vida.

Dou um grito de horror e sinto um par de braços fortes envolvendo meus ombros, viro-me. É Hugo. Ele beija-me nos lábios, e em seguida cai numa gargalhada ridícula.

“vou ser sempre seu” diz ele rindo em quanto o sangue escorre mais rápido no chão até submergir os corpos de Ágata e Diane, minhas cochas até o meu pescoço.

Eu também vou morrer.

Afogada em sangue.

Viro-me no tapete, estou suando, arfando e com uma grande ânsia de vomito, daquelas que abalam o estomago de quem come tripas cruas de porcos. Enxugo a testa suada e olho no relógio de pulso. Cinco e meia, eu não devia ter dormido tanto! Levanto e vou começar o dever de casa.

“que tal se você fosse lá em casa hoje a noite?” o convite de Olivia retumbou em minha mente, suas bolinhas de gude azuis suplicavam pela minha companhia.

“que se dane” pensei. Eu não vou. Debruço-me no caderno e começo a calcular a grande lista de logaritmos com prazo até amanhã para serem entregues.

Minha mãe deixa uma xícara com café com leite fumegante em cima da mesa onde eu estudava e comentou:

-você se mexe e fala tanto quando dorme. – bocejou, e bebericou me café umas duas vezes. – seus pesadelos me assustam.

- a mim também – disse. Mas acho que ela não ouvir.


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