Libertária escrita por Ana Souza


Capítulo 18
Ravena




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Escuridão.

Por todos os lados, tenebrosamente, angustiante... Sensação claustrofóbica. Estou deitada em algum lugar tão escuro que me faz menção a ser um feto ou um ser que faz parte de coisa alguma.

Como vim parar aqui?

Eu não faço a mínima ideia.

Levanto-me com dificuldade, meu corpo está amolecido, combalido como se eu tivesse sido surrada por mil porretes, sinto meus sentidos se reestabelecendo, tomo consciência dos meus músculos e membros e ouço o abafado som de uma queda d’água em algum lugar.

Mas ainda assim é escuro... Como eu nem imaginava ser possível.

Estico meus braços e sinto-os tocando em duas superfícies ásperas e úmidas, pela textura estou dentro de algum local de pedra... Uma caverna pra ser especifica.

Mas sim... e como eu vim parar aqui? Eu não me lembro!

Do que me lembro?

Eu sou Isadora Agnes

Eu tenho 17 ou 18 anos... Essa informação me parece confusa e irrelevante demais agora.

Eu tinha uma vidinha comum

Eu tinha uma mãe solteira

Eu tenho ou tinha um par de sapatos preferidos escondidos numa caixa de grife no closet.

Eu tenho amigos chamados Amanda e Hugo

De uns tempos pra cá minha vida foi sacudida pela descoberta das bruxas e sua maldita existência

E tem a Oliva Gremim que roubou Hugo de mim

E tem a Meredith que quer me matar

E tem Aria...

E a profecia...

E tem Ícaro também...

E ultima coisa que me lembro de estar no quarto de Olivia, depois de sofrer o ataque de Bartolomeu, o ex-esposo de Aria que traiu-a, se arrependeu e em seguida foi transformado em um pássaro místico matador e bestial.

Isso é tudo que eu tenho e é tudo que sei no momento. Engulo lentamente uma porção de saliva e isso faz minha garganta queimar, começo a andar lentamente para frente com as mãos sempre apoiadas nas paredes, pouco a pouco um pontinho minúsculo luminoso vai surgindo no infinito, quanto mais eu ando maior ele fica... Tomo consciência de certo que ali é literalmente o fim do túnel em que eu estou, e o som de água caindo fica cada vez mais alto.

Mais um passo, mais cinco, mais trinta...

Estou a um passo da saída da caverna, e meus olhos não podem acreditar no que veem... Alguém me belisque por que posso afirmar com toda racionalidade que me foi acumulada durante a vida que isso não existe...

Estou entre uma queda d’água que magicamente se divide em duas no contorno da saída da caverna e volta a se unir logo abaixo para cair em um imenso rio de cor mais cristalina do mundo, a cor de vidro puro revela profundidade e porções de cardumes fluorescentes lá embaixo...

A imensidão de floresta branca se estende até onde os meus olhos não podem alcançar, arvores tropicais exibem folhas tão alvas como pelos de ursos polares unidos em um grande abraço, o céu de um tom pálido de azul exibe inusitadas supernovas e rastros lácteos de poeira celeste.

Esse é o Mundo Meridional... Tudo faz sentido agora.

Mais ou menos.

Fiquei tão abismada com a beleza do local que não me dei conta de estar a beira da saída da caverna entre as cachoeiras na iminência de uma queda de pelo menos dezoito metros... Recuo um passo quase magnético quando uma libélula voa até mim revelando feições humanas e quatro minúsculos bracinhos e duas minúsculas perninhas. A libélula sorri pra mim com afiados dentinhos tão pequenos quanto cabeças de agulha e torna a voar para dentro da floresta densa.

Meu sorriso e encantamento se desfizeram em medo em um milésimo de segundo, não só porque me dei conta onde estava e aqui vim, mas também porque uma sinuosa e veloz flecha enfeitada de fitas coloridas só não me atingiu porque o colar de cetro a quebrou em duas no fim de sua trajetória pouco antes de atingir o alvo... No caso eu.

O susto me fez desequilibrar e quando dei por mim estava caindo... Caindo loucamente em direção ao rio lá embaixo, não tive nem tempo de gritar... Antes de me espatifar com toda força na água cristalina fui capturada por uma espécie de rede, uma rede espessa e grudenta que me segura a poucos metros acima do rio e me prende.

Uma teia de aranha...

Havia alguém me observando por trás de um arbusto branco, libélulas róseas se agitaram e saíram voando... Logo, quem se escondia, revelou-se...

Uma garota.

Os cabelos ruivos caiam em duas grosseiras tranças que se uniam nas pontas, o nariz adunco e pontudo, seus olhos eram como dois rubis de sangue, não havia brecha de medo neles, ela estava curvada como uma caçadora, portando uma lança com fitas na ponta e uma bolsa nas costas com pontudas flechas ela grunhiu com dentes tortos e quebrados.

Fiz contado visual com a garota, e isso inacreditavelmente abriu na expressão dela uma espécie de pavor e incredulidade. Ela fungou o ar como se sentisse cheiro de algo podre.

- humana.

Ela posicionou-se para ferir-me de baixo para cima com sua lança, um golpe fatal que me perpassaria a coluna e chegaria e atravessaria a barriga, porém inocentemente ela distraiu-se com um peixe gordo que passou pela margem, amarelo ouro, parecia suculento, a garota mordeu atrapalhadamente os lábios se esquecendo de sua missão inicial, a visão do peixe pareceu ter capturado ela, uma explicita declaração de que estava faminta.

Tempo de distração suficiente.

-fogo – ordenei ao pingente de cetro, fios vermelhos consumiram a armadilha me fazendo por fim cair no rio, agilmente, nadei até a margem.

-espada!

Agora estávamos frente a frente, de igual pra igual, eu e a caçadora ruiva faminta, armadas. Sem dificuldade transformei sua lançazinha de madeira em dois pedaços inúteis de graveto.

Ela ficou olhando pra mim aturdida e em seguida caiu de joelhos.

- finalmente – disse ela com uma voz infantil – pode me matar senhora. Eu já estou morta de fome mesmo.

Respirei fundo, confusa, em seguida abaixei minha arma.

- não vim aqui pra matar ninguém que não seja Meredith. Você é ela?

As minhas palavras pareceram chocar a garota que arregalou os profundos olhos de rubi.

- eu não sou a Suprema!

- eu imaginei – respondi com mais ousadia e autoridade do que achava que tinha.

- você é a humana de que falam! Você é a enviada de Aria para libertar o povo! – sussurrou a garota como se estivesse proferindo heresias secretas. Ela se jogou aos meus pés deixando-me completamente sem graça, ajudei-a forçadamente a se levantar. – você é a Libertária de Aria.

Ela ficou me admirando como uma irmã mais nova olha pra notável e superior irmã mais velha de quem se orgulha.

- eu me chamo Ravena. – disse a ruiva. – sou a guardiã da portal – ela apontou para o buraco na cachoeira do onde eu cai. – e por ordens de Meredith não posso comer nem beber se não trouxer o corpo da primeira humana que sair dali para ela até hoje... – disse-me ela com pesar – mas não posso fazer isso! Todos na aldeia exultam liberdade quando pensam em você, seu nome é cantando em segredo nas vilas e nos bosques... o reinado tirano de Meredith precisa acabar.

Aturdida fui até o rio cristalino, peguei a ponta da lança de Ravena e com quinze minutos de dificuldade consegui capturar o peixe que ela tanto desejava.

- fogo!

O pingente de cetro produziu uma fogueira no chão igual a aquela que eu e Ícaro fizemos quando estávamos pernoitando na floresta.

Com a mesma lança comecei a tratar e assar o peixe, como me foi ensinado pelo meu falecido avô paterno, o pescador lunático, vovô Elder. Ravena olhava a tudo com uma ansiedade faminta, seus olhos se enchiam de lagrimas só de olhar o peixe, dei para ela inteiro e ela começou a devorar o animal vorazmente comento até as espinhas.

- então Ravena... vai me entregar a Meredith? – perguntei presunçosa enquanto sentava ao seu lado observando-a comer.

- eu não trairia meu povo – sussurrou ela olhando para os lados. – mas ouça garota, muitos daqui confiam em você, mas milhões a odeiam, desde que soubemos da profecia... as historias sobre a vingança de Aria abriram as portas da nossa esperança principalmente quando soubemos que sua enviada estava próxima! - ela lambeu os dedos suspirando de êxtase o peixe já estava em menos da metade – se um dos servos fiei de Meredith souber que você está aqui, não só vai te matar como vão matar a mim também por ter te deixado escapar.

- então o que pretende fazer comigo Ravena? – questionei cautelosamente, a sensação de que a floresta a nossa volta nos observava cresceu subitamente em mim.

Ela pensou um pouco.

- quando é o dia profético do seu confronto com a Suprema?

- hoje. – respondi de assalto.

- louvada seja Aria – gargalhou Ravena – então bem... já sei onde leva-la...

- onde?

- vamos percorrer a floresta até a minha vila... não fica longe daqui.

- e depois?

- você sabe mais do que ninguém Libertária... você deve seguir até o coração do Mundo Meridional... a Árvore da Vida... onde fica o trono de Meredith... onde ela toma suas doses se juventude, onde suas irmãs imperam, torturam e matam... é lá em que aprisionam os humanos.

Salvar Hugo, Amanda e outros Humanos

Resgatar a Alma de Ícaro

Vingar Aria

Libertar um povo...

Minha espinha se arrepiou, eu sou uma só e um exercito em diversas missões atemporais.

Ravena estendeu a mão oleosa de peixe para mim.

- andemos até a vila... aqui não é um local seguro pra você.

Segurei sua mão sem saber ao certo se podia confiar nela.

Nos levantamos rumo ao bosque de árvores brancas e criaturas misteriosas.

- se você não morrer, a Vila dos Guardiões é um ótimo local pra começar, meu pai é o líder do movimento rebelde contra Meredith... conhecê-la vai tornar tudo que vai acontecer hoje real.

“Ou não” pensei ei começando a caminhar com Ravena, bosque a dentro.


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