Catarina de Navarro escrita por slytherina, jessica varela


Capítulo 12
Capítulo 12




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Espanha, pequena chácara abandonada, pois seus donos fugiram com medo da inquisição. Dois adolescentes estão lidando com as aves deixadas no local.

- Segure-os aí, Catarina! Não podemos perder nenhum. - Javierito, o adolescente magricela, de tez bronzeada, gritou para sua companheira de infortúnio, enquanto manejava ferramentas de carpintaria, tentando construir um galinheiro.

- As galinhas estão bem presas. São os pintinhos que estão escapulindo. - Catarina gritou, tentando apanhar os pequenos animaizinhos, que se assemelhavam a pompons andantes, enquanto com uma mão mantinha todas as galinhas amarradas em um canto.

- Eles estão fugindo! Pegue-os Catarina!

Catarina, a adolescente de cabelos tosados, travestida de rapaz, com um barrete cobrindo sua cabeça, soltou as galinhas e passou a correr atrás dos pintos. Alguns escapuliram para fora do celeiro, onde estavam prendendo as aves. Ela correu atrás deles, e tentou identificá-los no brilho amarelo daquela manhã.

Então ela viu o primeiro cavaleiro. Sabia o que era. Correu para dentro do celeiro e tratou de alertar Javierito.

- A inquisição, Javierito! Eles estão aí fora! Fujamos!

O rapazinho soltou as ferramentas e subiu para as partes altas do celeiro, escondendo-se atrás de fardos e caixas abandonadas. Catarina imitou-o.

Logo mais, soldados da inquisição adentraram o local. Sacaram suas espadas e passaram a retalhar as sacas de grãos e caixas do local.

- Eu sei que estás aqui fedelho, eu te vi correndo para cá. Vamos apareça! Não torne tudo pior para ti. Prometo que não te espancarei se te entregares agora mesmo. - O soldado gritou.

Javierito e Catarina seguraram a respiração. Catarina tremia e Javierito ficou estranhamente alheio, como se em transe.

- Queres saber? Não esperarei que te entregues. Tocarei fogo nesta pocilga, e queimarás como o infiel que és. - O soldado falou com as mãos na cintura.

Então ele pegou um pedaço de pau, conhecido por incendiar-se facilmente, e riscou uma superfície de metal qualquer. O graveto incendiou-se, e ele o ergueu ao alto.

- É agora que provarás das chamas do inferno, fedelho. - O soldado ameaçou.

Catarina tremia da cabeça aos pés. Olhou para Javierito, e percebeu que ele não estava em estado normal, com o olhar parado, fitando o nada, como se esperasse a morte. Ela resolveu agir.

- Não! Não, por favor! Não façam isso, eu me entrego! Por favor! - Catarina gritou, enquanto levantava-se com as mãos erguidas, e caminhava em direção aos soldados.

Isso teve o poder de tirar Javierito de seu transe. Ele ainda tentou sussurrar para Catarina voltar, mas ela já estava muito próxima dos homens. Ele foi tomado de terror e agonia, pois era incapaz de um ato de agressividade e raiva, o suficiente para atacar os soldados, e por ventura matá-los. Ficou olhando impotente e choroso, chegando mesmo a se urinar de medo, enquanto Catarina era amarrada e levava tapas e chutes, sendo puxada por uma corda atada a seus pulsos, pelos soldados a cavalo. Um deles, riscou o graveto novamente e atirou fogo ao celeiro, para desespero de Catarina, que já estava chorando de dor pelo espancamento.

 

Sede da inquisição. Sala da chefia da guarda dos inquisidores.

- Traga o rapazinho! - Gritou o chefe da guarda para os soldados.

Catarina foi trazida até ele.

- Nome? - O chefe da guarda inquiriu.

Catarina tentou se lembrar de algum nome, de preferência de alguém que não estivesse mais na cidade, para não ser perseguido pela inquisição.

- Aguirre. - Respondeu Catarina num fio de voz, enquanto tentava controlar-se e não chorar.

- Idade?

- 16.

- Nome dos pais?

Novamente a indecisão. Catarina não queria dizer nomes levianamente, pois não queria prejudicar ninguém. Lembrou-se de uma imigrante que ficara hospedada na casa de Dona Lauredana, que morrera há dois anos, e de quem cuidara na hora da morte.

- Antonieta e Ruben Aguirre. - Catarina disse o nome dos mortos, com uma pontada de remorso, por usar seus nomes.

- Este nome não consta em minhas anotações. Vós sois mais numerosos que coelhos. O inquisidor ficará feliz com essa captura. Avisem Dom Emanuel de Aragão. - O chefe da guarda deu a ordem.

- Senhor, todos sabem que Dom Emanuel só quer mulheres. Ele não vai aceitar um rapazinho. - O soldado se manifestou.

- Ora pois muito bem, que avisem ao outro inquisidor, Dom Villagrán.

E assim, Catarina foi entregue para qualificação.

Gabinete do inquisidor chefe, Dom Villagrán.

- Será possível? Mais crianças? - Dom Villagrán reclamou.

- Nós lhe trouxemos este, porquê Dom Emanuel só aceita mulheres. Foi o que nos disseram. - O soldado se desculpou, enquanto segurava a corda que manietava Catarina travestida de rapaz.

- E qual a acusação contra este? - O inquisidor perguntou irritado.

- Na verdade nenhuma, pois seu nome não consta em nossa lista. Achamos que a família dele era clandestina. Só isso já é uma falta contra o rei.

- Pois bem, açoitem-no e depois podem jogá-lo na rua. Não terá serventia para nós, se não pode pagar fiança e indenização ao rei. Seus pais sim, estes serão mais valiosos. Interroguem-no sobre o paradeiro dos pais, enquanto é açoitado.

- Sim, Senhor.

O soldado se retirou arrastando Catarina consigo. Dom Villagrán levantou-se de sua confortável cadeira e dirigiu-se à janela gradeada, para admirar os arredores. Inspirou profundamente para sentir o aroma de olivas. Sentiu-se revigorado. Voltou para sua escrivaninha e remexeu nos papéis dos processos.

“Muito bem, qual deles devo apresentar primeiro ao rei? Ele quer resultados, que alguém queime em praça pública, mas qual deles? Todo este processo é capenga.” Pensou o inquisidor.

Meia hora depois, um soldado veio a sua sala.

- O que foi agora? - Dom Villagrán perguntou irritado, já pensando em castigar o soldado.

- Senhor, o rapazinho... Aquele que trouxe ainda há pouco. Ele não é um rapaz, é uma moça. Descobrimos, quando o despimos para açoitá-lo. Não temos dúvida quanto a isso. O que quer que façamos agora? Devemos entregá-la a Dom Emanuel?

- Por que? Por que o velho safado libidinoso gosta de abusar de mulheres? Não vou alimentar seu vício. Tragam-na de volta para mim.

Catarina foi trazida de volta. Estava seminua, com um trapo de roupa sobre o corpo, mal cobrindo suas formas arredondadas. O inquisidor a observou de alto a baixo. Não se impressionava com beleza feminina, mas ali havia um mistério, e ele iria descobrir.

- Quem és tu, menina? Por que te disfarçaste de homem? - O inquisidor perguntou.

Catarina nada respondeu, preferindo encarar um ponto vazio no chão.

- Sabes que tenho meios de descobrir a verdade. Meios muito dolorosos. É certo que serás torturada, respondendo ou não minhas perguntas, mas podes fazer agora, antes que alguém te encoste as mãos, e antes que estejas em agonia extrema de morte. - O inquisidor falou o mais calmo e controlado que pôde.

Catarina começou a chorar baixinho, e nada falou.

- Não gosto de abusar de mulheres, como alguns canalhas fazem, mas... Eu posso enviá-la para eles. Então, eu tenho certeza que serias mais cooperativa. - O inquisidor ameaçou, enquanto a observava vivamente.

- Meu nome é Catarina de Navarro. Filha de Clariana de Navarro, assassinada por vós. - Catarina falou altiva, ainda com a voz falhando e o rosto inundado de lágrimas. Olhando para frente, sem se fixar em ninguém.

Dom Villagrán ficou muito impressionado e refletindo sobre o que acabara de escutar. Um dos soldados cochichou algo para um companheiro e este saiu do recinto, rapidamente. O fato não passou despercebido pelo inquisidor, que ordenou que chamassem sua guarda pessoal, imediatamente.

Quinze minutos depois, a porta de seu gabinete foi aberta com estrépito, e Dom Emanuel de Aragão entrou alucinado.

- Ela é minha! Catarina de Navarro me pertence! - Dom Emanuel vociferou para seu colega inquisidor. Foi então que ele a viu.

A outrora bela e delicada sílfide, de cabeleira dourada e rosto angelical, estava agora com cabelos tosados, rosto imundo, recoberto de sujeira, o olhar morto, sem brilho, com vincos no rosto denotando intenso sofrimento. Suas outrora singelas vestes foram substituídas por um trapo rústico, que lhe cobria o busto, mas deixava suas pernas imundas e pés descalços a mostra. Ele quase não a reconheceu. Ficou parado, estático, contemplando o fantasma de sua desejada musa. Quase sentia nojo dela, agora.

- Ahahahah! Perdeu o interesse, Dom Emanuel de Aragão? - Dom Villagrán zombou do colega.

Dom Emanuel ficou calado e baixou os olhos, sem falar mais nada.

- Tu a queres de volta? A moça por quem te apaixonaste? Aquela a quem procuraste no povoado inteiro, como quem procura agulha no palheiro? - Dom Villagrán divertia-se com a situação. Chegando a aproximar-se de Catarina e tocá-la de leve no ombro, como quem oferece uma mercadoria no comércio.

Dom Emanuel pareceu recuperar um pouco da fleuma. Considerou que nem tudo estava perdido, se Catarina ainda não havia sido torturada, porquê ele sabia o que acontecia com mulheres nas masmorras da inquisição.

- Eu oficialmente reclamo a prisioneira que tens em teu poder, Dom Villagrán. Ela faz parte do processo contra a bruxaria praticada em Espanha. Podes verificar minhas ordens se quiseres. - Dom Emanuel falou imponente e orgulhoso.

- Não preciso ver teus papéis inúteis e pomposos, tão vazios de autoridade quanto bolhas de sabão. - Dom Villagrán gracejou.

- Queres desobedecer uma ordem do próprio arcebispo? Ele me investiu de poder para este trabalho.

- Queixe-se ao arcebispo se quiser, Dom Emanuel. Eu respondo ao rei. Ele queria resultados nestas investigações. Eu já tenho o resultado. Vou apresentar-lhe a bruxa Catarina de Navarro, e ela queimará em praça pública.

Catarina ouviu as últimas palavras de Dom Villagrán com um arrepio na espinha. Lembrou-se da mãe, torturada até a morte. Lágrimas escorreram-lhe pela face. Um pensamento a consolava, a de que em breve tudo isso acabaria, e ela poderia se reunir com sua mãe no céu.

 


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