Líquida - Os Renascidos. escrita por Amortecência


Capítulo 3
II - Going Under.


Notas iniciais do capítulo

Desculpem-me pela demora, está tudo um pouco corrido, e tal. Então, eu provavelmente vou continuar demorando, rs. Principalmente agora que eu vou tentar terminar minha outra fic (A Mortal Filha De Dois Deuses).
Me desculpem também por parar bem nessa parte, leiam e entenderão. É que, se eu não parasse, ia ficar muito grande... E também é sempre preciso de um pouco de suspense, né? Mas, no próximo capítulo (que eu vou tentar terminar rapidamente), tudo vai ser devidamente explicado.
Agora, podem começar a ler!



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Às 10h00 da manhã, Evelyn já estava pronta, com um moletom, calça jeans, Converse e os olhos carregados da mesma maquiagem preta. O look de sempre. Dirigiu-se diretamente para o sofá, ignorando a esplendida mesa de café da manhã que Nora havia lhe preparado. Sentou-se, praguejando a mãe adotiva. Estava com raiva, pois poderia muito bem ter dormido mais umas 2 horas, e nem mesmo assim estaria perto de chegar atrasada. De qualquer maneira, a mulher entrou no seu quarto às 8h00, e a acordou. “Quanto mais cedo melhor, desse modo, temos a garantia de que você não se atrasará”, disse ela, abrindo as cortinas e arrancando as cobertas da menina.

Por um motivo que Evelyn desconhecia, os pais não queriam deixá-la ir ao internato a princípio. A menina não entendia o porquê, já que, para ela, era óbvio que apenas sente saudades quem ama, e eles não a amavam, sem dúvidas. Disseram que faria tudo o que fosse preciso, poderiam até deixá-la presa no quarto por tempo indeterminado, se necessário. Mas, uma rápida ligação à delegacia mais próxima resolveu o problema. O policial que atendeu — que, por acaso, era o mesmo homem que levou Evelyn para casa — disse que eles não tinham escolha: ou ela ia ao internato, ou ia para um orfanato, e o casal perderia a guarda dela. Agora que entenderam que não tinha escolha — e Evelyn esperava que eles tivessem entendido —, pareciam querer se livrar ainda mais rápido dela.

Frustrada, manteve o olhar sobre a mesa de centro prestando atenção a nada em particular. Até que viu: na parte mais distante do móvel de mogno estava um panfleto verde-musgo, havia a foto de um portão com desenhos elaborados à ferro que dava para um imenso castelo medieval cercado por uma floresta. Logo abaixo do nome “Internato Shadowood” estava a frase destacada em preto, cortando a foto: “NÓS BOTAMOS SEUS FILHOS NA LINHA!”

Com certeza, vou amar esse lugar, pensou Evelyn, amuada. Na parte de trás havia uma tabela de horários, marcando a saída de algo às 11h00, 13h00 e 15h00. A menina não sabia do que se tratava.

— Estamos todos prontos? Já podemos ir? — cantarolou a voz anasalada e desagradável de Nora.

Seu cabelo ruivo-desbotado, meio laranja, caía em vários cachinhos até o queixo com papo — algo excessiva e irritantemente fofo. Os olhos castanho-escuros estavam animados, mas podia-se ver que eram opacos; sem brilhos. O nariz “batata” e redondo era coberto de pintinhas marrons, sardinhas, que se espalhavam para a bochecha. Assim como seu filho e seu marido, tinha o corpo perfeitamente em forma, de modo quase surreal. Era uma família tão parecida, que se podia confundi-los.

E, tudo isso, servia apenas para acentuar como Evelyn não pertencia àquele lugar, àquela família. Simplesmente não se encaixava, não combinava. Não cabia — por mais que se encolhesse ao máximo, não havia lugar para ela. Sempre pensara assim. Mas, também pensava que, se ali não se encaixava, então haveria outro lugar para ela. Um lugar melhor. Um lugar em que viveria em paz e harmonia com si mesma — uma coisa muito difícil. Aquilo se chamava esperança — algo que começava a extinguir-se dentro dela. Agora, ela achava mais difícil que um dia ela pudesse realmente “caber” em qualquer local, com qualquer pessoa. Sentia-se incompleta, meio vazia. Mas, Evelyn não desistia. A esperança está sempre ali: se espreitando, se esgueirando pelas bordas.

— Vamos, vamos, vamos! Não podemos nos atrasar! — exclamou Nora, tirando a garota de seus devaneios. — Evelyn, querida, você não tomou nada do café que lhe preparei com tanto amor?! — exclamou ela, com uma falsa mágoa na voz exageradamente doce e derretida.

— Não estou com fome — mentiu ela.

— Então vamos, sua mochila já está no carro, não precisará levar nada além das roupas que tem nela. E, não, não vou deixar você levar livros — disse ela asperamente, quando viu que Evelyn ia falar algo. — Aquelas coisas que essas pessoas doidas escrevem meche com a sua cabeça, Evelyn, e te rouba a realidade. Não lhe faz bem. E, como já disse, não precisa levar mais nada; logo, logo estará de volta. Agora vamos logo para não nos atrasarmos — terminou ela, batendo as mãos de dedos pintados.

Por vezes Evelyn a imaginava como o Coelho Branco, de Alice no País das Maravilhas — sempre atrasada, sempre apressada.

A garota se levantou preguiçosamente e se arrastou até o carro, apertando o cinto ao se sentar. Com os vinte minutos de viagem até Greenwich, ela calculou que chegariam lá ás 10h50 Era irônico: ela não podia ficar sem usar cinto nunca, era regra ­— diziam que era por segurança, mas mais parecia que queriam prendê-la ali —, já Arthur ia ao banco da frente com a mãe, com a desculpa de que ela não conseguia ficar sem ele. Evelyn revirou os olhos ao pensar nisso.

A viagem se seguiu lânguida e irritante — como Vincent era compulsivo por segurança, dirigia como uma lesma, a 20 quilômetros por hora, e tudo piorava com a irritante voz de Nora, paparicando Arthur na frente. Com aquela lerdeza, ela calculou que demoraria bem mais do que os normais vinte minutos até Greenwich. Então, Evelyn resolveu pegar o iPod. Remexeu em sua playlists e clicou na que tinha o nome “Evanescence”. Ela fechou os olhos deixando a música rolar... Era Going Under, uma música que começou a descrever muito bem sua vida ultimamente. Estou afundando, morrendo novamente. Pensando nisso, adormeceu.

***

Ao chegar ao destino, Evelyn finalmente entendeu a tabela de horários: para chegar ao Internato era preciso seguir de trem por 20 quilômetros até lá. Ela iria entrar na próxima parada, às 11h00. Pais não eram permitidos.

— Mas porque não podemos simplesmente levá-la? — bradou Vincent com um assistente espinhento e magricela. — Afinal, nós somos pais.

— Eu já disse senhor — respondeu ele com a voz fanha, como se já estivesse cansado de repetir aquilo todos os dias —, pais não são permitidos nos domínios da escola, e tudo daqui para frente é domínio da escola.

— Mas como eu vou saber se ela está em segurança? E se a levarem para o tráfico de mulheres? — replicou ele.

O assistente o olhou com cara de Você só pode estar de brincadeira comigo, não é?, e depois se adiantou:

— O senhor sabe muito bem que não vamos levá-la para o tráfico de mulheres — disse em tom frio. Depois, encarando Evelyn, continuou, apontando para o trem que já dava seus apitos, pronto para partir: — Queira me seguir, senhorita?

— Ela não vai te seguir coisa nenhuma! Eu sou o pai dela, e eu que mando aqui! Ela vai ficar! Evelyn se você entrar neste trem...

Mas a garota já estava dentro e as portas já estavam se fechando. Ela não conseguia deixar de achar aquilo estranho — os Campbell faziam questão de demonstra o desamor deles. Mesmo que se esforçassem para provar o contrário, eles deixavam bem claro que ela já não era o maior tesouro deles; nunca fora e nunca será. Então porque é que, a todo o momento, eles ficavam dizendo que ela voltaria logo, logo? Ela não queria voltar! Não por que fosse uma delinquente real ou coisa do tipo — aquela fora a primeira vez que fumara maconha e ela já está se arrependendo; é claro que já fumara cigarro antes, mais isso não é tão mal assim, é? De qualquer forma, ela queria ficar, pois essa era a maneira mais eficiente de manter Nora e Vincent bem longe. Ela não pretendia voltar de modo algum. Se fosse preciso, diria que ainda estava viciada e demonstraria isso.

Ela começou a percorrer o corredor do trem. Mas foi bem mais difícil do que ela esperava — estava apinhado de malas soltas e pernas de adolescentes rabugentos que se esqueciam dos maleiros acima de suas cabeças e a encaravam, gostando de vê-la envergonhada diante de todos. Os sacolejos do trem também não ajudavam em nada. Ela continuou andando cautelosamente, tropeçando algumas vezes, sem encontrar nenhum assento vazio. Sorrisos maliciosos dançavam no lábio de todos, e, ao passar por uma ruiva com um bronzeado — obviamente artificial —, ela soltou uma gargalhada cruel, sem dó.

Ao chegar ao fundo, Evelyn sentia uma dor no peito — como se toda a esperança estivesse sendo sugada dela. E quando viu, sentiu exatamente o contrário — o coração se aqueceu com a boa dose que lhe faltava da mesma esperança que fora sugada. Havia um lugar para ela — e ela resolveu usar isso como um sinal de que ela se encaixaria.

O único problema era que havia uma menina, e, para Evelyn, ela não parecia muito amigável. Estava com o nariz enfiado em um livro. Pelo menos uma semelhança: gostamos de ler, pensou ela. Algumas mechas do cabelo louro-dourado caíam sobre as paginas. A pele dela era bem mais clara que a de Evelyn, pálida — quase como um defunto, exceto pelo fato que era bonita.

— Posso me sentar? — perguntou Evelyn à menina após um pigarro leve.

A garota desviou o olhar do livro e Evelyn se assustou. Seus olhos eram o absoluto contrário de toda a sua aparência clara. Evelyn imaginara que seriam azuis ou verdes, mas não. Eram negros. Negros penetrantes. Tão negros que era impossível distinguir a íris da pupila. Porém, não eram opacos como os de Nora. Eles brilhavam como obsidiana — obsidiana liquida.

— Mas é claro. Pode sim — respondeu a garota, abrindo um sorriso que lhe iluminou a face.

— Hã, eu sou Evelyn Thibault — apresentou-se ela, surpreendendo-se ao ouvir sua própria voz dizendo o sobrenome da mãe biológica. Mas logo entendeu o por que: ela queria deixar tudo sobre os Campbell para trás, começar uma nova vida, cuja tentaria acertar mais que errar e ser a Evelyn que fora antes de morrer.

— Sou Andrômeda Banks, mas me chama de Andie. Me sinto uma galáxia quando dizem meu nome todo.

Evelyn não pôde deixar de rir. E logo as duas estavam gargalhando enquanto o trem seguia.

Quando viu o internato, 45 minutos depois, Evelyn quis sair correndo. Ela achou que mais parecia um castelo de bruxas do que uma escola. Ela imaginava que as detenções dali deviam ser presas a grilhões nas masmorras.

O trem seguia seu caminho até a linha do horizonte, onde Evelyn já não poderia mais vê-lo. A maquina à vapor parou na frente de grandes portões de ferro com enfeites floridos. Os adolescentes passaram pelos portões, guiados por um professor. Na mesma hora, o clima do lugar mudou, ficou mais leve. Evelyn e Andie ficaram juntas o tempo todo, sem dizer nada. Elas não precisavam. De algum modo, o silencio entre as duas não era desconfortável, pelo contrário, parecia até mesmo que as duas podiam se comunicar apenas com olhares.

Eles subiram uma escadaria e passaram por pesadas portas duplas de madeira decoradas com desenhos que pareciam dançar. Entraram em um hall comprido com várias portas e, no final, havia duas escadarias, uma de cada lado de outra porta dupla. Uma professora abriu-as, dando boas vindas e convidando os alunos a entrar no refeitório.

Evelyn e Andrômeda foram uma das últimas a passar, pois havia muito gente. Era um lugar no estilo medieval, mas era óbvio que a tecnologia já chegara ali. Espalhadas pelo lugar estavam várias mesas redondas de sete cores diferentes, dispostas em fileiras: branco, azul, vermelho, marrom, preto, bronze e cinza. Encostado em uma parede estava um bufê enorme, com comidas variadas. E na parede de frente para a porta estava uma área mais elevada com uma grande mesa onde estavam os professores. Mas o que impressionou verdadeiramente a menina era o tamanho; o lugar era imenso. E, por incrível que pareça, estava lotado.

Os alunos novos foram sentar-se nas mesas cinzentas, onde eram designados. No jantar, Evelyn comeu salmão e batatas, pois não comia carne vermelha. Já Andie, comeu macarrão ao molho vermelho, sem carne, pois era vegetariana.

— Senhores e senhoritas, gostaria de um minuto da atenção de vocês, por favor, antes de começarem a comer — disse uma mulher, batendo com uma colher de prata em uma taça, para fazer barulho. Seus cabelos enrolados ruivos caíam como uma longa cascata flamejante em suas costas. Seus olhos verdes tinham um fulgor sem igual. Era jovem e bela, com um corpo magro, mas na medida certa. Aparentava estar na casa dos trinta anos. — Primeiramente, gostaria de dar as boas vindas aos alunos novos, sou Christine Hawtorne, a diretora do internato. Decidiremos seus dormitórios depois do jantar, se fizerem a gentileza de seguir a Sra. Lemon, nossa vice-diretora. — Apontou para a mulher que abriu a porta do refeitório, uma senhora de 60 anos, com seus cabelos grisalhos e seus olhos cinzentos, parecia ser bondosa e com experiências e inteligência inestimável.

— Olá, crianças — murmurou a velhinha.

— Gostaria também de dizer que está terminantemente proibido sair dos quartos depois do horário de recolher, que é às 10h00 — falou ela, com os olhos duros, que dizia que quem desrespeitasse a regra iria sofrer as consequências, e não eram boas. Então, sorriu para aliviar o clima, e continuou: — Enfim, bem vindos alunos novo e alunos velhos. Os horários das aulas estarão em seus dormitórios. Boa noite e aproveitem o jantar.

Ela se sentou e começou a comer em um prato que, aparentemente, não estava ali antes. Evelyn tinha certeza disso, e não vira ninguém servindo a diretora. Ela sacudiu a cabeça, tentando espantar o pensamento de que o prato simplesmente apareceu em uma chama flamejante, assim como ela tinha visto. Talvez estivesse ficando louca. A maconha deve ter mexido com seu cérebro.

Depois de comerem, todos que se sentaram nas mesas de madeira foram guiados para fora do salão, subiram a escada da esquerda no hall e entraram na primeira porta, bem próxima à escadaria. Era uma grande sala de aula, onde cabiam facilmente todas as 40 pessoas, com carteiras de madeira e uma única janela panorâmica que dava para a floresta ao redor do castelo ao sul. Seis portas além da que dava acesso à sala estavam em uma das paredes. E uma grande lousa com uma escrivaninha na frente na parede norte.

Evelyn viu a chuva fustigando o vidro e o vento açoitando a copa das árvores e subitamente se sentiu em casa, algo que não sentia há muito. Ela olhou pela janela para o tempo nublado, chuvoso e cinzento de sempre. Amava aquilo. Isso era obviamente estranho. A maioria das pessoas gostava do calor. Mas isso era apenas mais uma de suas muitas estranhices.

— Sentem-se em alguma carteira, por favor — disse a Sra. Lemon, com a postura rígida e crítica. — Meu nome é Lorena Lemon, vice-diretora do colégio, como sabem. Vou entregar-lhes um questionário para decidirmos em qual quarto devem ficar. Por favor, respondam com a maior sinceridade e o mais detalhadamente possível, isso é muito importante.

Ela contou o número de adolescentes em cada fileira e deu a mesma quantidade de papel para o primeiro da fila. “Pegue uma e passe para trás”, dizia ela ao entregar as folhas.




Internato Shadowood

1. Nome: Evelyn Thibault.
2. Idade: 16.
3. Cor dos olhos: Depende. Vária entre o cinzento, o verde e o azul.
4. Cor do cabelo: Muito negro.
5. Cor dos lábios: Muito vermelhos.
6. Cor da pele: Muito clara, pálida.
7. Assinale a palavra que mais lhe agrada:
a) Mar;
b) Terra;
c) Fogueira;
d) Vento;
e) Metal;
f) Fantasmas;
g) Relógio.
8. Qual o pior jeito para morrer (pode escolher mais de uma questão):
a) Afogado (a);
b) Soterrado (a);
c) Queimado (a);
d) Caindo;
e) Esfaqueado (a);
f) Sem motivos;
g) Velhice.
9. Se tivesse um poder, qual seria? Ressuscitar pessoas.

Evelyn e Andie estavam sentadas uma do lado da outra, na última carteira da primeira e segunda fileiras. Ao receberem e lerem o questionário, lançaram um olhar de dúvida uma para a outra que dizia O que é isso? A folha de Evelyn ficou assim depois que ela terminou:


— Hã, Sra. Lemon, com licença — disse Andrômeda com a mão levantada. — Desculpe-me, mas isso não faz o menor sentido.

— Tem razão. Parece mais um teste de alguma revista adolescente idiota! — exclamou Evelyn, pegando o embalo da amiga.

— Eu entendo perfeitamente o que querem dizer — respondeu a senhora.

— Entende? — disseram as duas meninas ao mesmo tempo.

— Sim, tudo ainda está muito confuso. Mas tudo vai ser esclarecido em breve. Agora, podem devolver os questionários, o tempo acabou — terminou ela com um sorriso.

As meninas não acharam aquilo muito esclarecedor, mas passaram suas folhas para a pessoa da frente. A Sra. Lemon pegou as folhas e leu a primeira.

— John Evans? — Um garoto ruivo se encaminhou até a frente. — Por obséquio, entre naquela porta? Deixa aberta, por favor — disse ela apontando a terceira porta. Ela entregou a folha de volta a ele, e ele seguiu para o lugar pedido.

— Rebecca Munford? — Uma garota de corpo com músculos e cabelos dourados se levantou. — Pode, por favor, seguir para lá? — disse entregando a folha a menina e apontando para a quinta porta. A garota se encaminhou para lá.

A mulher continuou a chamar e mandou pessoas para seis grupos diferentes em lugares diferentes.

— Andrômeda Banks? — ela se encaminhou até lá, depois de uma rápido revirar de olhos por causa do próprio nome, pegou a folha e se postou no lugar indicado: na última porta, sozinha.

A professora pegou uma folha, ajustou os óculos e leu. Depois de alguns minutos em que parecia ter relido várias vezes o conteúdo do papel, ela franziu a testa e disse:

— Evelyn Thibault? — A garota se levantou. — Tem certeza que respondeu com sinceridade?

— Sim, senhora.

— Hã, tudo bem — disse ela, saindo da sala. Depois de dois minutos voltou com um rapaz da idade de Evelyn. Seus cabelos eram de um negrume sem fim, muito mais pretos que o da menina. Já seus olhos faziam contraste com ele: eram de um tom de azul-acinzentado tão claro, que chegavam a parecer brancos, tinha um toque prateado que parecia brilhar como a lua, e era cheio de raias pretas, mesma cor cuja sua íris era contornada. A Sra. Lemon falou: — Matthew, você pode levar a Evelyn para Christine? — ela apontou para a menina e depois cochichou algo no ouvido dele que o deixou surpreso.

— Venha, indecisa — disse ele, um sorriso preguiçoso dançando em seus lábios. Evelyn não entendeu o que ele quis dizer com “indecisa”, mas o seguiu.

Eles saíram e adentraram mais no corredor. Havia várias portas de cada lado.

— Seu nome é...? — disse ele.

— Evelyn Thibault. E você?

— Matthew McCurt — respondeu ele, com um meio sorriso. E, com uma piscadela, acrescentou: — Mas me chama de Matt.

— Então, porque precisamos fazer aquele “questionário”? O quê isso tem a ver com qual dormitório eu vou ficar? — disse ela, puxando assunto.

— Bem, parece que você está por fora de tudo, não? — respondeu ele. — Com certeza, Christine vai te explicar. Mas, como sou bonzinho, vou te dar um aviso: você não vai acreditar em uma palavra do que ela disser, mas pode ter certeza, é verdade.

Eles viraram em uma esquina, onde havia outro corredor, com mais portas. Havia armaduras encostadas às paredes de pedra e tudo era iluminado apenas por velas em candelabros. Tudo aquilo encantava a menina. Ela se sentia em um livro.

— O quê, exatamente, é verdade?

— Você vai ver — disse ele, e deu um sorriso confiante.

Ela percebeu que o sorriso dele era bonito. O coração dela deu um pulo ao ver como sua boca se erguia apenas levemente, um sorriso debochado.

Eles andaram mais um pouco antes de entrarem por uma porta de madeira, como todas as outras. A única diferença era que a maçaneta dessa era de ouro e não de bronze. Matt bateu com delicadeza, sua pele era clara, mas não tanto quanto a de Evelyn. Uma voz lá dentro disse para entrar.

Eles entraram. Em um canto, logo a frente de uma janela, estava uma escrivaninha com muitos papéis e enfeites. Havia uma prateleira cheia de livros em uma das paredes. E na outra estava uma imensa lareira, com o fogaréu mais intenso que Evelyn já vira. Sentada em uma poltrona de frente para o fogo, estava Christine. Sua cabeleira ruiva parecia se misturar às chamas.

— Algum problema Matthew? — disse ela, ao se virar com um copo de cappuccino nas mãos.

— Evelyn é uma indecisa.

— O quê?! — protestou Evelyn. — Eu não estou entendendo nada, alguém pode me explicar?! Porque, se vocês estiverem falando isso no sentido literal eu posso garantir, sou muito decidida!

— Relaxe querida, nós sabemos que você é decidida — tranquilizou-a ela. — Sente-se, eu vou explicar tudo.

Matthew saiu da sala e Evelyn se sentou em uma cadeira na frente da escrivaninha, enquanto Christine se sentava atrás.

— Alguma coisa estranha já aconteceu com você?

— Bem, eu não sei por onde começo, porque minha vida toda foi estranha. Se eu contasse as coisas você não acreditaria.

— Acreditaria, sim! Sem dúvida. É mais provável você não acreditar nas coisas que eu vou lhe dizer — replicou ela. — Agora, vamos lá. Conte-me uma das coisas estranhas.

— Eu morri — ela sorriu friamente. A diretora arregalou os olhos. — Eu disse que você não iria acreditar...

— Mas, eu acredito sim! Todos os estudantes daqui já morreram...

— Como assim? Você quer dizer que eu tô no céu? Ou inferno? Sei lá. Todo mundo daqui é fantasma? — gritou ela, tentando achar a pulsação no próprio braço.

Christine deu uma gargalhada suave — parecia uma fogueira crepitante.

— Não querida, você está na terra mesmo. E ninguém é fantasma. Somos renascidos, e você é uma.

— Renascidos? O quê é isso?

— Tudo bem, parece que eu vou ter que contar a história desde o começo.


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Notas finais do capítulo

Bem, espero que tenham gostado. Eu particularmente acho que ficou melhor que o anterior... Então, comentem e me mandem criticas construtivas. Obrigado. Bjs p tus.